A apresentação por parte do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) destinada a criminalizar a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade ou tipo pode ter efeito direto no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.

Em conversa com o Jornal Opção, o advogado criminalista Gilles Gomes explica que há dois cenários distintos em caso de aprovação da PEC, e do STF descriminalizar a posse e porte das drogas.

“Se a PEC passa antes da conclusão do julgamento, ele [julgamento do Supremo] perde efeito. Nesse caso, ou a presidente Rosa Weber, se ainda estiver no cargo, já que ela sai em setembro, ou o novo presidente, Roberto Barroso, fala que diante da PEC do Congresso Nacional que criminaliza a posse e o porte de drogas em qualquer quantidade ou tipo, é declarada perda de objeto da presente ação, porque vale a decisão do Congresso”, pontua.

Porém, ainda segundo o advogado, “se a PEC passa depois da votação dos ministros do Supremo, é bem curioso porque os marcos são as publicações de cada uma”. “Nesse interstício de dias, entre a decisão do Supremo e a vigência da PEC, todas as pessoas nessa situação tratada pelo Supremo são beneficiadas, por conta de um princípio do direito penal que diz que o fato posterior mais benéfico retroage para beneficiar o réu, tanto pessoas condenadas, tanto em fase de inquérito, cumprindo pena”.

Gilles destaca que o efeito é imediato para todos os casos, e que a PEC entrando em vigor, o STF não pode mais discutir esse tema, a não ser que venha uma nova ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] dizendo que a PEC é inconstitucional.

O governador Ronaldo Caiado (UB) confirmou ao jornal O Popular, no sábado, 16, no Mutirão da Prefeitura de Goiânia, no Setor Morada do Sol, que teve uma conversa com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD/MG), para expressar seus parabéns ao senador pela apresentação da PEC.

Caiado enfatizou que o tráfico de drogas tem ganhado espaço em “áreas de decisão”, ao mencionar órgãos como as Câmaras de Vereadores, o Congresso Nacional, o Poder Judiciário e até mesmo setores da economia.

“É a minha opinião e também do presidente do Congresso Nacional. Essa é uma situação que não pode ter meio termo, mais ou menos. E é sobre isso que o estado tem que se posicionar”, criticou.

Proposta do Senado

A apresentação da PEC por Pacheco ocorreu na última quinta-feira, 14, com o objetivo de criminalizar a posse e o porte de drogas, independentemente das quantidades ou substâncias envolvidas.

A ideia de apresentar essa PEC foi sugerida por Pacheco durante uma reunião de líderes do Senado, e a matéria ainda necessita de, pelo menos, 27 assinaturas para que sua tramitação seja iniciada na Casa.

Agora, senadores examinam a possibilidade de adotar duas medidas adicionais relacionadas a temas previamente tratados pelo STF: os impostos sindicais e a questão do aborto.

Este movimento ocorreu em menos de um mês após o STF retomar o julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, com base na interpretação de um artigo da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas. Atualmente, o placar está em 5 a 1 a favor da descriminalização.

Líderes do Senado falaram à Folha de S. Paulo que a Corte tem se intrometido na prerrogativa do Congresso de legislar. A resposta a essa situação seria, segundo eles, a modificação do texto constitucional.

“A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”, afirma o presidente do Senado. Ele também já escreveu artigo para criticar o STF, ao dizer que a Corte não pode analisar o assunto.

No entanto, Gilles Gomes acredita que o STF não tem invadido o campo do Legislativo, já que também pode legislar. O especialista explica que a teoria do Federalismo explica justamente essa harmonia entre os poderes com a mediação da Constituição.

“Os poderes são independentes e autônomos entre si, têm competências próprias e impróprias. Por exemplo, o Poder Legislativo tem competência de proceder julgamento, o Poder Executivo tem uma competência normativa no caso dos decretos e medidas provisórias, e o próprio STF tem competência legislativa. A situação é mais tranquila que parece”, pontuou.

O trecho seria acrescido na forma de inciso ao artigo 5º da Constituição. Senadores e deputados federais manifestam sua objeção ao julgamento, argumentando que a medida deve ser objeto de deliberação no Congresso, em vez de ser tratada pelo STF. No início do mês passado, Pacheco enfatizou que as questões de natureza política devem ser debatidas no âmbito político.

Na opinião do especialista ouvido pelo Opção, o debate de drogas é um problema de saúde pública e não algo para ser criminalizado ou não.

“Pacheco não está fazendo nada de errado. Mas, do ponto de vista da política criminal no Brasil, para mim nem tanto o que o STF está fazendo é bom e nem o Pacheco. Primeiro, a decisão do STF, ainda que estabeleça parâmetros concretos e objetivos par separar usuários de traficantes, não resolve o problema. No meu ponto de vista, o problema é a mentalidade inquisitória impregnada das polícias. O que impede, na prática, um policial dizer que a pessoa está com 200 gramas ao invés de 60? Não temos controle algum sobre isso. Essa prática a gente sabe que ocorre e não sou eu que estou dizendo, mas o próprio STJ, quando dizem que há fraudes nos flagrantes em operações de drogas”, justificou.

Gilles Gomes
(Advogado criminalista, Gilles Gomes | Foto: Arquivo pessoal)

STF x Legislativo

De acordo com os senadores, tais assuntos são de natureza legislativa e, portanto, devem ser tratados pelo Congresso. Esses três temas estão sendo discutidos nas lideranças, tanto nos corredores quanto nas reuniões semanais que determinam a agenda de votações do Senado.

Foi durante uma dessas reuniões na semana passada que a PEC antidrogas foi aprovada e anunciada por Pacheco após o término da reunião. No entanto, a posição do Senado em relação aos outros dois temas ainda está sob análise.

Especificamente em relação ao aborto, a tendência, na perspectiva dos parlamentares, é que a PEC a ser apresentada seja mais conservadora do que a decisão do STF, devido à composição predominantemente masculina do colégio de líderes.

“Esses temas são muito caros aqui e a tendência é fazer algo parecido [com o caso das drogas]”, afirmou Izalci Lucas (PSDB-DF). “Não tenho dúvidas de que a questão do imposto e do aborto, a depender do que o Supremo definir, serão questionadas.”

Eles afirmam que o debate no Legislativo, além de estar previsto na divisão de competências entre os Poderes, proporciona maior segurança jurídica nas decisões sobre esses assuntos.

“Então a gente precisa restabelecer essa segurança [jurídica], com os limites de cada Poder, e para isso temos a Constituição, e cabe ao Supremo cuidar dela”, afirma.

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