A ozonioterapia, que teve seu uso autorizado após sanção do presidente Lula (PT) nesta segunda-feira, 7, tem dividido opiniões e contrariado cientistas brasileiros. O uso do ozônio para práticas terapêuticas não possui embasamento científico, de acordo com diversas entidades médicas, cientistas e o próprio Ministério da Saúde.

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“O amor pela ciência acaba quando a conveniência política bate na porta. A ciência voltou, mas pelo visto saiu para tomar um cafezinho”, disse a cientista Natalia Pasternak em suas redes sociais. A bióloga e cientista brasileira explica que o ozônio é um gás tóxico e corrosivo, com propriedades germicidas.

Segundo Natalia, Lula contrariou todas as recomendações feitas pelas sociedades médicas e científicas e pelo próprio Ministério da Saúde. Além disso, o presidente passou por cima da autoridade da Anvisa, que só permite a prática para fins estéticos e odontológicos.

O tratamento, permitido no país em caráter auxiliar, é contestado pela falta de evidências científicas e rechaçado pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, que havia orientado o governo a vetar o projeto. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) agora terá que receber pedidos para expandir a regulamentação da terapia, hoje restrita a fins odontológicos e estéticos.

Quem quiser utilizar a técnica em outros casos terá de apresentar estudos à Anvisa. O uso de dispositivos não regularizados pela agência ou com indicações de uso diferentes configura infração sanitária.

O que é a ozonioterpia?

Máquinas de ozônio usadas no Brasil deve ser autorizadas pela Anvisa | Foto: Getty Images

A ozonioterapia se baseia na aplicação de ozônio medicinal, uma mistura gasosa que envolve duas substâncias: oxigênio e ozônio. Esse produto foi descrito ainda no século 19, a partir do trabalho de químicos alemães, tendo as primeiras aplicações terapêuticas no início do século 20. A ideia, no entanto, passou a ganhar destaque a partir dos anos 1980.

Em 2022, a Anvisa havia publicado uma nota técnica esclarecendo que o ozônio “é um gás com forte poder oxidante e bactericida”. O “bactericida” significa que ele é capaz de eliminar bactérias de uma determinada região ou superfície. Por conta dessas características, o gás é comumente usado para desinfetar objetos e fazer o tratamento de reservatórios de água, como piscinas.

No contexto de saúde, os defensores da prática apontam que o ozônio poderia ser aplicado diretamente no local afetado ou injetado em partes específicas do corpo, como músculos, articulações, corrente sanguínea ou pele. Há também quem defenda a ozonioterapia retal, em que um cateter é inserido pelo ânus e lança o gás diretamente na porção final do intestino.

“É um gás corrosivo e o uso é perigoso. Não deve ser usado como uma terapia complementar. A Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de saúde nos Estados Unidos, não libera a ozonioterapia nem para uso estético ou odontológico”, explicou Pasternak.

Natalia Pasternak, bióloga e cientista brasileira, se posicionou contra a ozonioterapia como prática complementar | Foto: Reprodução

Pesquisas científicas 

Segundo a Anvisa, até o momento, não existe nenhuma evidência científica significativa de que haja outras aplicações médicas para a utilização de tal substância nas modalidades de ozonioterapia aplicada em pacientes. A agência explica que as únicas indicações de uso da prática com segurança e eficácia são nas áreas da Odontologia e da estética.

O gás pode ser usado como parte do tratamento das cáries, da periodontite (inflamação grave da gengiva), de canais dentários e durante a recuperação de tecidos após cirurgias na boca. Já para fins estéticos, a prática pode ser usada para auxiliar na limpeza e na assepsia (eliminação de bactérias) da pele.

“Novas indicações de uso da ozonioterapia poderão ser aprovadas pela agência, no caso de novas submissões de pedidos de regularização de equipamentos emissores de ozônio, desde que as empresas responsáveis apresentem os estudos necessários à comprovação de sua eficácia e segurança”, disse a agência após a sanção da lei.

Para o ozônio ser efetivo como um germicida, ele deve estar presente em uma concentração muito maior do que aquela que pode ser tolerada com segurança por seres humanos ou animais. Isso é o que diz a agência regulatória dos Estados Unidos, que considera o gás como tóxico e sem nenhuma aplicação médica conhecida. 

Entidades de saúde

O Conselho Federal de Medicina (CFC) explica que a ozonioterapia “trata-se de procedimento ainda experimental, cuja aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas em ambiente de estudos científicos”.

A Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) argumenta que a maioria “dos conselhos profissionais já possuem a terapia devidamente regulamentada, como é o caso da Odontologia, da Fisioterapia, da Enfermagem, da Farmácia, da Biomedicina, da Biologia e da Medicina Veterinária”.

A Academia Nacional de Medicina publicou uma carta aberta em 17 de julho pedindo que o presidente Lula vetasse o projeto de lei. A Associação Médica Brasileira (AMB) também se posicionou contra a ozonioterapia.

De acordo com a AMB, a prática é usada contra todos os tipos de diarreia, artrites, hepatites, hérnias de disco, doenças de origem infecciosa, inflamatória e isquêmica, autismo, sequelas de câncer e de Acidente Vascular Cerebral (AVC). O método, no entanto, não possui eficácia comprovada cientificamente.

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