O roteiro de afirmação lulista perante o Planalto incluiu aquele “Nós não somos ladrões”
10 janeiro 2015 às 14h23
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Em quem pensava o lulista Gilberto Carvalho quando, depois de passar 12 anos na chefia, entregou o comando da Secretaria-Geral da Presidência ao dilmista Miguel Rossetto com afirmação de que “não somos ladrões”? Era mais um recado de Lula para erguer o moral do partido? Não deixa de ser. Recapitulemos a fala de Carvalho, por si já reiterada naquele momento:
“A política é feita para servir. Estou muito feliz porque a imensa maioria dos nossos companheiros, dos nossos ministros, dos nossos assessores trabalha aqui por amor, trabalha aqui para servir. Nós não somos ladrões. Nós não somos ladrões.”
Defendeu os companheiros que então atuavam no palácio, é óbvio. Mais tarde Carvalho afirmou que se dirigia ao tucano Aécio Neves, que, em entrevista à televisão em 30 de novembro, qualificou sua derrota para Dilma na corrida presidencial:
“Na verdade, eu não perdi a eleição para um partido político, eu perdi a eleição para uma organização criminosa que se instalou no seio de algumas empresas brasileiras, patrocinadas por este grupo político que aí está.”
Então ele iria esperar 32 dias para responder a Aécio? Ora, Carvalho é safo. Acostumado a lidar com a imprensa e a política, sabe que ambas operam com a atualidade, onde os fatos podem envelhecer rapidamente se não forem mantidos em evidência. Mas, ao mesmo tempo, sabe dar recados no momento em que Lula considera necessário.
Nas circunstâncias dos últimos dias, Carvalho participou da afirmação lulista por espaço no poder. Livrou a cara de Lula, que pouco influenciou Dilma nos últimos anos, está insatisfeito com a sua cota no novo ministério e não quer ser isolado como se o Planalto, entre tantos escândalos, não quisesse se contaminar pelo lulismo.

Sobretudo, a fala se dirigia ao palácio atual, deixada por um representante da velha equipe. Um gesto de afirmação do PT como aquele outro fato que se seguiu quando o companheiro Patrus Ananias, ao assumir o Ministério da Reforma Agrária, investiu contra a colega Kátia Abreu, que passou a ocupar poder paralelo no Ministério da Agricultura.
Quatro dias depois do discurso de Carvalho, veio Ananias em defesa da reforma agrária. “O direito de propriedade não pode ser inquestionável, em nosso tempo, que prevalece sobre os demais direitos”, respondeu a uma afirmação da colega que considerou ultrapassada a reforma generalizada para a distribuição de terras.
Na véspera, Kátia Abreu afirmou em entrevista que a reforma “tem de ser pontual”, pois “latifúndio não existe mais, mas isso não acaba com a reforma”. Então ela justificou um novo modelo de ação com as terras:
“Há projetos de colonização maravilhosos que podem ser implementados. Agora, usar discurso velho, antigo, irreal para justificar reforma agrária? A bancada vai trabalhar sempre, discutir, debater.”
A menção da ministra ao trabalho da bancada ruralista no Congresso pegou mal. Soou como ameaça. Ananias deve ter se sentido desafiado, pois, em seu discurso posterior, insistiu que “não se trata de negociar o direito de propriedade uma conquista histórica e civilizatória”:
— E sim de adequar o direito de propriedade aos outros direitos fundamentais.
Enfim, a convivência entre ministros no novo governo promete. Outros choques virão, pelo menos enquanto uma banda do partido se motivar à luta quando sentir que Lula está inquieto. Nessa progressão, só faltaria Lula se lançar candidato contra o gosto de Dilma em 2018. Quanto à área rural, saiba-se que bancada ruralista lembrada pela ministra é maior do que a petista.