Dados apontam 855 registros em 2020 e 180 casos que envolvem racismo somente neste ano. Para coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU), acesso à informação contribui positivamente

Acesso a informação é fundamental para combate ao racismo | Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Os crimes de calúnia, difamação e injúria, conhecidos como crimes contra a honra, estão previstos no Código Penal brasileiro. Dados do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) apontaram 855 registros em 2020. Este ano, até o momento, foram informados 180 casos que envolvem questão racial, na categoria de injúria.

A coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Iêda Leal, explica que o número de registros está em crescente pelo maior acesso à informação. “Penso que essa situação vivida por nós em 2021 sobre crimes de calúnia, injúria e difamação em Goiás é a reação que a população negra está tendo, diante do racismo que existe no nosso Estado. As pessoas têm informação por meio do estudo na escola, das leituras do mundo e agora estão se posicionando. Não se calam mais diante desses crimes”, afirma.

Para ela, é fundamental conhecer o racismo para desenvolver formas de combatê-lo. “Temos tido várias respostas da nossa comunidade. O movimento negro tem percebido essa organização, as pessoas não têm mais medo nem vergonha de denunciar, estão fazendo seu papel. A denúncia movimenta a sociedade e isso serve para que as pessoas possam ver o que está acontecendo e que elas possam se posicionar contrárias a esse tipo de situação”, destaca.

Para Iêda Leal, coordenadora do Movimento Negro Unificado, as vítimas de crimes raciais aprenderam a não se calar | Foto: Reprodução

Iêda reforça ainda que é preciso divulgar mais as leis existentes para proteger a população. “Precisamos continuar dizendo que a escola faz a diferença e que nós precisamos, de fato, nos organizarmos mais para fazer o enfrentamento contra todo tipo de preconceito e racismo em nossa sociedade”.

A coordenadora e sindicalista salienta que as punições devem ser severas para os crimes. “Sempre tem de haver punições severas nesses casos contra a honra, contra a coletividade do povo negro no País, das violações que sofremos o tempo todo por meio de propagandas indevidas e de observações feitas por pessoas racistas”, disse.

Implicações jurídicas
Grande parte da sociedade ainda confunde os termos e seus significados. Para explicar melhor, calúnia consiste em atribuir a alguém a prática de um crime. Segundo a advogada Lara Raysa Tavares, as implicações jurídicas desse tipo de crime impõem pena de detenção de seis meses a dois anos, além de multa.

Já a difamação é quando se confere uma característica ou fato a alguém com o objetivo de ofender sua reputação. “O fato pode ser verdadeiro ou falso, isso não importará, mas sim que a honra da vítima seja violada. Assim, difamar é levar fato ofensivo à reputação de alguém ao conhecimento de terceiros”, explica a especialista.

O crime de injúria, trata-se de xingamento dito contra a vítima. “Nestes termos, não importa se a qualidade negativa é falsa ou verdadeira. A pena poderá deixar de ser aplicada, se a vítima, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria, bem como se a ofensa é repelida por outra imediatamente. Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, a pena é de detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência”, esclarece.

“Caso a injúria consistir na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, a pena é de reclusão de um a três anos e multa. Nos delitos de calúnia e difamação, caso o autor se retrate antes da sentença, fica isento de pena”, completa a especialista.

De acordo com Lara Tavares, além das penas previstas para cada delito, a vítima poderá ajuizar ação de indenização por dano moral, pela qual o autor poderá ser condenado também na esfera cível.

A advogada pontua os reflexos que o tópico do pacote anticrime que discorre sobre a triplicação da pena para crimes contra a honra e que pode implicar essas ações. “A competência para julgar os crimes contra a honra, em razão de sua pena, é do Juizado Especial. Porém, com a alteração legislativa, a pena pode chegar em até seis anos. Assim, com as alterações do pacote anticrime, o efeito pedagógico será maior, proporcionando o Estado uma resposta penal proporcional ao dano provocado, haja vista que a ofensa, praticada em meio virtual, ganha alcance inimaginável”, conclui.

Procedimentos
A advogada Ramuce Pereira Marques explica que quem for vítima de algum dos crimes contra a honra deverá registrar o fato imediatamente. “No caso dos meios digitais, a vítima deve guardar prints de toda e qualquer mensagem, conversa, posts, e toda informação capaz de indicar, claramente, a autoria”, salienta.

“Diante de todo o material deve comparecer à delegacia, que registrará o termo circunstanciado e encaminhará ao Juizado Especial Criminal responsável. Esta representação deve ocorrer no prazo de seis meses por se tratar de crime de menor potencial ofensivo. A vítima poderá solicitar, judicialmente, a remoção do conteúdo ofensivo, mediante ordem judicial”, explica Ramuce.

“A honra é um bem considerado inviolável pela Constituição Federal, e sua violação não traz apenas a consequência jurídica e penal, mas também emocional e física para as vítimas destes crimes. Por se tratar de um ato que coloca aspectos pessoais, físicos e morais em dúvida, a punição penal correspondente a gravidade dos atos é fundamental”, finaliza a advogada.