A Polícia Civil não poderá investigar o deputado estadual Cairo Salim (PSD) pelas postagens em redes sociais que, na visão do Ministério Público de Goiás (MP-GO), seriam de cunho homofóbico. Quem impediu que a investigação não fosse adiante foi o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), que considerou as publicações como um direto de liberdade de expressão e enquadrou a situação como algo dentro da prerrogativa da imunidade parlamentar.

O desembargador Jeová Sardinha de Moraes foi quem relatou a representação contra o deputado. Na decisão, que o Jornal Opção teve acesso com exclusividade, o texto diz que “é intrínseca à atividade parlamentar emitir opiniões, manifestações e votos sobre os mais variados assuntos de interesse público”.

Além disso, segundo a decisão judicial, quando um parlamentar se manifesta, mesmo fora da Casa Legislativa a que pertence, “sobre pautas morais capazes de influenciar de modo indelével a sociedade, pratica ato em decorrência de seu mandato parlamentar, sendo inafastável a incidência da imunidade material em seu favor”.

Trâmite processual

O delegado Joaquim Adorno, titular do Grupo Especializado no Atendimento à Vítima de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Geacri), afirmou que, como o pedido foi feito pelo MP, cabe à essa instituição recorrer. “A Polícia Civil não tem a capacidade postulatória de recurso”, informou. Em nota, o MP declarou que não pretende recorrer da decisão.

Como o início das investigações dependia de autorização do TJ, ninguém chegou a ser ouvido sobre o caso. “Para qualquer pessoa que tem foro com prerrogativa de função, o trâmite é pedir ao autorização judicial para abertura de inquérito”, disse.

O deputado Cairo Salim comemorou a decisão: “Seguiu a legislação”. Segundo ele, os parlamentares têm liberdade de expressão, principalmente quando estão falando de assuntos durante o mandato. “É uma garantia constitucional. E a decisão entendeu que não existiu ataque homofóbico nas minhas postagens”, afirmou.

O parlamentar explica que a defesa dos princípios cristãos – e “da família” – é uma das principais bandeiras de seu mandato. “Sou apoiado por cristãos conservadores”, declarou Cairo, que é evangélico e frequenta os cultos da Igreja Videira.

Postagem polêmica

Em uma das postagens polêmicas, o deputado comenta um vídeo de uma mulher trans sendo impedida de entrar no banheiro feminino da Universidade de Brasília (UNB). Na legenda da foto, ele comentou: “Um homem barbado brigando para usar o banheiro feminino e ameaçando bater em uma mulher. Onde estão os movimentos feministas nessas horas? Ou o ‘ódio do bem’ é permitido?”.

Para Cairo, é direito dele criticar situações como a descrita acima. “Tem até homossexual que é contra”, rebateu. Além disso, ele acredita que a comunidade LGBTQIA+ tem o total direito de criticá-lo, assim como ele também teria o mesmo direito. “Caso contrário, seria ditadura. Não quero que eles aplaudam o que eu falo, mas é preciso garantir o meu direito de falar o que eu penso”, disse.

O deputado revelou ainda que é a favor de boates LGBTQIA+ e também da Parada do Orgulho. “As pessoas têm o direito de viverem como quiserem. Mas é direito também do sacerdote cristão evangélico de criticar e condenar as uniões homossexuais”, afirmou.

Movimento LGBTQIA+ lamenta decisão

Fabrício Rosa, ativista do movimento LGBTQIA+ e integrante da Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública (RENOSP-LGBTI+), viu com muita contrariedade a decisão do TJ. “Vai contra o que está decidindo o Supremo Tribunal Federal”, destacou.

O ativista fez ainda um clamor para que grupos vulnerabilizados não sejam assassinados. “Se há violência contra a comunidade LGBTQIA+, se há violência contra as mulheres, ainda em 2023, é porque alguém legitima essa violência por meio do discurso”, comentou.

Justamente por isso, na visão de Fabrício, é preciso uma regulamentação pra proteger sobretudo os mais fracos. “Isso não é cercear liberdade. Isso é sair da barbárie”, declarou. Para ele, inclusive, no caso de um parlamentar e outras figuras públicas, essa liberdade teria que ser mais regulamentada ainda porque ela precisaria ser usufruída com mais responsabilidade.

Caso parecido, final diferente

O ativista lembra ainda de outro caso parecido que teve outro fim: o do deputado Amauri Robeiro (UB), que foi indiciado por homofobia em dezembro do ano passado. O indiciamento só veio depois da Justiça determinar que o parlamentar deveria ser investigado como cidadão comum, sem foro político.

A motivação foi uma denúncia do MP-GO sobre uma imagem publicada pelo deputado nas redes sociais, em que ele estaria associando pessoas LGBTQIA+ a algo nocivo. Na época, Amauri chegou a afirmar que considerava a situação absurda e que discordava da denúncia de que teria praticado homofobia.