O Tribunal Regional Federal de Luziânia determinou a conclusão do processo de regularização fundiária da Comunidade Quilombola Mesquita, localizada no município de Cidade Ocidental. A decisão, publicada em 8 de julho, foi tomada no âmbito de ação civil pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2008. A ACP apontava a omissão do Estado na titulação do território ocupado há pelo menos 270 anos pelo grupo tradicional.

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Assinada pelo juiz federal Társis Augusto de Santana Lima, a decisão reconheceu a validade do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) elaborado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2011. A justiça fixou o prazo máximo de 12 meses para a conclusão do processo e estabeleceu multa diária de R$ 20 mil, em caso de descumprimento. O estado terá que publicar uma portaria, em 30 dias, para reconhecer a área e cinco meses para analisar os títulos e avaliações fundiárias.

O procurador da República José Ricardo Teixeira considera que a sentença é um marco no processo de reconhecimento e efetivação dos direitos da comunidade quilombola Mesquita. Ele aponta que o grupo sofre há anos por práticas negacionistas e omissão das instituições encarregadas de protegê-los. Essas condutas foram anunciadas e denunciadas por técnicos e peritos nos autos da ação civil pública, indicando um grave quadro de racismo estrutural provindo tanto de setores da esfera pública quanto da privada. É tempo agora de esperança e mudança real desse cenário”, avalia.

Quilombo se formou há quase 300 anos

O Quilombo de Mesquita formou-se há quase 300 anos a partir de uma doação de terras a três mulheres negras alforriadas. Entre as tradições da comunidade está a produção de marmelo e o doce marmelada.

O grupo permanece no mesmo local mesmo após o fim do ciclo do ouro em Goiás e desempenhou um papel importante na construção de Brasília, trabalhando em canteiros de obras e fornecendo alimentação aos trabalhadores. Atualmente, cerca de 700 famílias estão no lugar e vivem da agricultura familiar enquanto lutam para preservar as tradições e a herança ancestral do grupo.

A área, no entanto, é alvo de intensa especulação imobiliária e invasões, uma vez que está situada na rota de expansão urbana do entorno de Brasília. A disputa envolve atores de grande poder político e econômico, resultou em ameaças de morte a lideranças, além de ações judiciais que questionaram não apenas a demarcação do território, mas própria identidade quilombola da comunidade. Essa campanha de apagamento contou, inclusive, com a participação de autoridades e agentes públicos de Luziânia, apontando para o racismo estrutural e institucional contra o grupo.

MPF acompanha o caso desde 98

O Ministério Público Federal atua no caso desde 1998, quando foi instaurado o procedimento administrativo que busca assegurar os direitos da comunidade e resultou na instauração da ACP. “Esse processo é um exemplo do que é a luta pelo território pelas comunidades tradicionais do Brasil”, explica Luis Guilherme de Assis, um dos peritos em antropologia do MPF que atuou no caso.

Os laudos periciais antropológicos e agronômicos produzidos pela equipe do MPF e pela Universidade Federal de Goiás atestam, de forma inequívoca, a singularidade cultural e ancestralidade do grupo, rebatendo os argumentos de que eles não seriam quilombolas. Com a decisão judicial, essa identidade não pode mais ser questionada.

Os documentos reunidos pela perícia traçam a origem da comunidade a partir dos troncos familiares Pereira Dutra, Teixeira Magalhães, Pereira Braga, Lisboa da Costa e Souza Silva, presentes na região desde o século XIX. Analisam marcos territoriais, mapeiam cemitérios familiares, detalham a ocupação e os usos da área, com destaque para a atuação da liderança de Aleixo Pereira Braga. Neto de uma das fundadoras da comunidade, ele foi responsável por organizar o grupo em torno da produção de marmelada nas primeiras décadas do século XX, numa tradição que se mantém até os dias de hoje.

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