O mestre em Biologia e professor do Instituto Federal Goiano (IF Goiano) no Campus Urutaí, Guilherme Malafaia Pinto, virou alvo de uma Investigação Preliminar Sumária (IPS) por parte da instituição de ensino sob suspeita de ter apresentado pareceres falsos em artigos publicados na revista Science of the Total Environment (Stoten), divulgados pela Elsevier. A apuração teve início em novembro de 2024.

LEIA TAMBÉM

Pesquisador do IF Goiano é destaque na Science… por fraudar artigos

Criminosos usam dados de médicos goianos para vender receitas falsas pelas redes sociais

A editora retratou, até o momento, 44 artigos em que ele é autor correspondente. Mesmo investigado, o pesquisador segue lotado como professor do ensino básico e tecnológico e coordenador do Laboratório de Toxicologia Aplicada ao Meio Ambiente do IF Goiano.

Em nota, a instituição de ensino afirmou que o caso foi encaminhado à Comissão de Ética do Instituto e que o procedimento tem duração de até 180 dias. “Até o momento, a instituição não recebeu novas denúncias, sejam internas ou externas, relacionadas a este caso”, diz trecho do comunicado (veja nota completa ao final).

A suposta fraude veio à tona após a constatação de informações fictícias no processo de submissão de artigos à revista, como o uso de contas de e-mails falsos de pareceristas para as revisões dos artigos. Os nomes, bem como as informações de contatos dos revisores, foram indicados por Guilherme.

De acordo com a plataforma Retraction Database, 44 artigos cujo autor correspondente é o professor foram retratados até agora, mas o número pode chegar a 47. A IPS pode resultar em instauração de ações como processo administrativo disciplinar (PAD) ou na celebração de um termo de ajustamento de conduta (TAC) ao final da investigação.

O Jornal Opção entrou em contato com o professor por e-mail cedido pelo IF Goiano e aguarda um posicionamento.

Relembre o caso

Conforme relevado pelo Jornal Opção, Guilherme se tornou destaque internacional em dezembro do ano passado após o nome dele figurar na revista Science, em uma matéria sobre o uso da identidade de cientistas para produção de revisões falsas em artigos. A reportagem revelou como dezenas de revisões por pares em artigos do pesquisador publicados no periódico Science of the Total Environment (STOTEN), da editora Elsevier, eram, na verdade, fictícias. 

Entre os revisores que desconheciam o material supostamente analisado por eles estão Michael Bertram, Olga Kovalchuk e Graham Scott. A matéria da Science — de título “‘Foi muito nojento’: o nome deste cientista foi usado para escrever falsas revisões por pares” — explica que revisões por pares falsas se tornaram um tipo cada vez mais comum de fraude acadêmica. A revisão por pares é o processo de avaliação de artigos científicos por especialistas da mesma área, que visa garantir a qualidade dos artigos publicados. 

Como os periódicos abrem espaço para que autores sugiram possíveis revisores, o autor pode fraudar o sistema fornecendo endereços de e-mail falsos, criados pelo próprio autor, sob o nome de cientistas reais e relevantes. Na época, em resposta, Guilherme Malafaia publicou uma carta aberta à comunidade científica. 

“Fui pego de surpresa ao receber uma comunicação da Equipe de Ética da Elsevier alegando que os endereços de e-mail usados pelos revisores em 42 dos meus artigos publicados Stoten não pertenciam aos revisores indicados”, afirmou em trecho do documento de 28 páginas.

Artigo da Science revela como o nome de Michael Bertram foi usado em revisões fictícias publicados | Foto: Reprodução

O que diz o pesquisador

Em resposta ao Jornal Opção, o pesquisador destacou que tem enfrentado questionamentos desproporcionais e injustos sobre sua atuação acadêmica, enfatizando que a imprensa brasileira tem tratado o caso de maneira distinta da cobertura internacional. “Enquanto investigações sobre fraudes editoriais no grupo Elsevier têm sido o foco no exterior, no Brasil, a ênfase recai sobre minha exposição, sem a devida apresentação de provas”, disse Guilherme. Ele ainda apontou falhas sistêmicas na gestão editorial da Elsevier e o impacto desproporcional dessas ações sobre pesquisadores de países em desenvolvimento.

No dia 25 de julho de 2024, a Elsevier comunicou ao pesquisador supostas irregularidades no processo de revisão por pares de artigos publicados na Science of the Total Environment. A acusação central seria a inconsistência nos e-mails dos revisores indicados durante a submissão dos artigos. “Desde o início, solicitei à editora provas concretas dessas alegações, mas nunca obtive uma resposta satisfatória.” Em 10 de agosto, ele enviou um relatório detalhado à Elsevier, reafirmando sua integridade acadêmica, analisando tecnicamente os pareceres suspeitos e questionando a editora sobre os critérios utilizados para determinar eventuais irregularidades.

Apesar de seus questionamentos e esforços para esclarecer a situação, a Elsevier decidiu pela retratação dos artigos sem apresentar provas concretas ou responder às dúvidas levantadas. A editora alegou que sua decisão se baseava na identificação de e-mails falsos e revisões fictícias, mas, segundo o pesquisador, sem fornecer qualquer evidência que o ligasse diretamente a um ato ilícito. “A Elsevier afirmou que ‘o aviso de retratação não atribui culpa a nenhum(s) indivíduo(s)’, mas, ao mesmo tempo, se recusou a esclarecer os detalhes das supostas irregularidades. Como posso me defender se não tenho acesso às evidências?”, questionou.

O pesquisador também acionou o Committee on Publication Ethics (COPE) para intermediar o caso e buscar maior transparência na apuração das alegações. O COPE encaminhou questionamentos à Elsevier, mas as respostas da editora, segundo ele, foram inconsistentes e não trouxeram elementos novos que fundamentassem as acusações. “O COPE confirmou que a Elsevier identificou manipulação no processo editorial, mas que ‘não estava me acusando diretamente’. Se não há responsabilidade direta, por que meus artigos foram retirados?”

Por fim, o pesquisador esclarece que não há um processo formal de investigação contra ele no Instituto Federal Goiano. “O que defendo, desde o início, é a necessidade de transparência, de uma investigação baseada em evidências concretas e de que alegações graves como essas sejam acompanhadas de provas substanciais antes da imposição de sanções irreversíveis”, finalizou em nota.

Nota IF Goiano

“O IF Goiano é referência em pesquisa e inovação e reafirma seu compromisso com a realização de estudos pautados na ética e no respeito a todos os protocolos científicos necessários. Em novembro de 2024, notícias que apontam para supostas fraudes atribuídas a um pesquisador vinculado à Instituição chegaram ao IF Goiano, que tomou medidas de maneira imediata.

O caso foi encaminhado à Comissão de Ética do Instituto e os trabalhos investigativos estão em andamento. O Processo está na fase de Investigação Preliminar Sumária (IPS), que é um procedimento inquisitório e preparatório, com prazo de duração de até 180 dias. Seu objetivo é apurar a existência ou não de indícios de autoria e materialidade referentes ao caso. Até o momento, a Instituição não recebeu novas denúncias, sejam internas ou externas, relacionadas a este caso.

Visando a garantia de um processo transparente e responsável, a Instituição assegura que os trâmites seguem critérios rigorosos e imparciais, com a análise detalhada de documentos e evidências. A partir das conclusões da investigação, serão determinados os procedimentos legais e éticos cabíveis. 

O IF Goiano reforça que todas as pesquisas conduzidas pela Instituição seguem padrões rigorosos de integridade e ética, refletindo o compromisso com a ciência e a comunidade. Continuamos firmes na missão de servir à sociedade com excelência, promovendo educação, pesquisa e inovação em benefício do desenvolvimento social e científico do país”.