O Xeroderma Pigmentoso (XP) é uma doença extremamente rara, genética, e não contagiosa. Entretanto, no município de Faina, existe a comunidade de Araras, onde vivem várias pessoas com essa mutação. Por isso, Goiás tem o título de maior concentração de pacientes com XP do Mundo. Hoje, estima-se que cerca de 20 pessoas ali possuem XP e mais de 100 são portadoras genéticas da mutação.

Gleice Francisca Machado Freire é a presidente da Associação Brasileira de Xeroderma Pigmentoso. O órgão teve início graças às pesquisas da pedagoga ao descobrir que o seu filho tinha a doença, em 2010. Relembrando o momento, ela conta como o cenário era de falta de apoio, informação e esperança. Algumas mudanças aconteceram em 2009, desde que os veículos de comunicação passaram a dar mais atenção para a situação dessas famílias.

Gleice e comemorou uma nova conquista, a assinatura de um termo de cooperação e parceria para a construção de 50 casas adaptadas para a doença, com insulfilme em todas as janelas e acabamentos específicos para evitar a entrada de luz.

“É uma doença tão rara, que as pessoas achavam que as fotos eram montagens”, Gleice comenta o início do movimento em prol das pessoas com XP. “Um caso para cada um milhão de pessoas, então encontrar uma comunidade tão isolada com esse tanto de pessoas, foi impressionante”.

Atualmente, não existe um remédio ou cura para o Xeroderma Pigmentoso, por isso os esforços precisam estar concentrados nas medidas paliativas, de prevenção à doença. Filtro solar fator 100, roupas com proteção UV, e uma mudança na rotina (que troca o dia pela noite), são as melhores opções para proteger essa comunidade.

Segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), a incidência ao redor do mundo é de um caso a cada 1 milhão de pessoas. Entretanto, no Recanto das Araras, é de um a cada 40 habitantes.

Presidente da Associação de Pessoas com Xeroderm Pigmentoso

Características da doença

Descrita pela primeira vez em 1874, a doença tem um nome de origem latina, que faz referência às principais características físicas de seus pacientes: “xero” significa seca, “derma” é “pele” e “pigmentosum” equivale a “pigmentada”.

Ressecada e repleta de pintas, a pele dessas pessoas é muito sensível à radiação ultravioleta (UV), o que faz com que tenham mil vezes mais predisposição a desenvolver câncer do que a população geral.

Isso acontece porque esses indivíduos carregam mutações genéticas que impedem que o DNA se repare após exposição à luz UV. Como consequência, além da pele, seus olhos também costumam ser mais sensíveis.

Existe ainda uma subdivisão, pois muitas pessoas são apenas portadoras genéticas da doença, mas não manifestam os sintomas. Gleice, por exemplo, é portadora, mas tem um filho com sintomas. Portadores podem desenvolver ou não os sintomas clínicos. A doença é recessiva, então dois pais portadores aumentam a chance de nascimento de uma pessoa com XP.

Adaptações necessárias

“Evitar o Sol em um país tropical é um desafio difícil, e são pessoas que vivem em uma comunidade rural. Então todas as atividades deles costumam ser, de certa forma, expostas. Essas pessoas precisaram readaptar suas vidas em todos os sentidos para amenizar a situação”, descreve Gleice.

De acordo com o relato de Gleice, os pacientes mais velhos da doença enfrentavam muito mais dificuldade com preconceito e isolamento social. Apesar de terem uma vida normal na comunidade, onde as pessoas já estão acostumadas com essa condição. Esses pacientes tinham receio de sair até mesmo para os tratamentos necessários.

“As pessoas não tinham informações o suficiente para saber que não é uma doença contagiosa. Então, até essas notícias viralizarem, essas pessoas sofriam mais com o preconceito do que com a própria doença, às vezes”, compartilha. “Os paciente sentiram muito na pele e ainda sentem, porque por mais que a gente fale, sempre vão encontrar alguém que não sabe o que é”, desabafa.

Além disso, para os portadores genéticos da doença existe um acompanhamento, voltado especialmente para instruir casais portadores sobre os desafios que uma criança com XP pode enfrentar.

“São pessoas comuns com uma limitação específica. Os espaços precisam ser adaptados para que essas pessoas tenham seus acessos e direitos em segurança. Avançamos muito, mas ainda estamos muito distantes do que seria necessário para essa população”, explica Gleice.

O trabalhador rural Deíde Freire morreu aos 54 anos, ele seria o morador em uma das 50 casas | Foto: Acervo Pessoal

Promessas e entregas

A Associação Brasileira de Pessoas com Xeroderma Pigmentoso tem uma longa luta para que essas pessoas possam ter seus direitos garantidos. Inclusive atendimento médico, qualidade de vida e medicamentos.

“Em 2011 o Ministério Público determinou que houvesse uma unidade de referência para esse grupo. Foi aí que instituiu no Hospital Estadual Alberto Rassi (HGG) um laboratório onde tinha dermatologista, clínica geral, oftalmologia e várias outras especialidades que tinham uma vaga por semana reservada para esses pacientes”, relembra as primeiras conquistas.

Quando um caso não era resolvido no HGG, o paciente era encaminhado para o Hospital Araújo Jorge. De acordo com a presidente da associação, vários especialistas, médicos, pesquisadores, fizeram ações de saúde lá na comunidade também, principalmente após a visibilidade midiática de 2009.

“Nós conseguimos também um convênio com o Estado de Goiás, que disponibiliza recurso para a aquisição do protetor solar específico. Depois entrou um outro convênio, para que o Hospital de Faina pudesse ampliar o atendimento primário. Hoje tem uma dermatologista que vai lá uma vez por semana”.

A Associação afirmou que a Unidade Básica de Saúde (UBS) que deveria ter sido entregue em 2014 continua sem ser finalizada, assim como a escola, que foi planejada para atender as necessidades específicas das crianças com XP e também já deveria ter sido entregue.

“A escola ainda não ficou pronta, era para o meu filho. Hoje ele já concluiu o ensino médio e está se preparando para o vestibular”, desabafa a mãe, cansada de esperar por algumas das promessas que foram feitas.

Inclusive, entre as 50 casas que serão entregues na comunidade, uma delas iria para o trabalhador rural Deíde Freire, que morreu em junho do ano passado, aos 54 anos. Ele foi homenageado em um evento relacionado à doenças raras no HGG semana passada.

Mas as novas gerações vem com mais direitos, oportunidades e esperança. Uma das jovens da comunidade está estudando medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, e quer se especializar em dermatologia para cuidar da própria comunidade. O nome dela é Letícia, e ela é filha de Deíde. Além disso, o filho de Gleice, Alisson, estuda para o vestibular motivado pelo mesmo sonho.

“Até então a gente via os antecedentes dessa geração sem perspectiva nenhuma. Hoje essas pessoas realmente conseguem voltar a sonhar que é possível ter uma vida normal”, finaliza Gleice.

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