Fundadora da Associação Auditoria Cidadã da Dívida diz que governo propõe reforma do sistema, mas abre mão de recursos e deixa de cobrar grandes devedores 

Maria Lucia Fattorelli, durante discurso no IV Congresso Nacional da Nova Central, em Luziânia (GO) | Foto: divulgação

A auditora fiscal aposentada Maria Lucia Fattorelli, fundadora da associação Auditoria Cidadã da Dívida e uma das responsáveis por auditorias na Grécia e no Equador, garante que o governo Temer cria factoides para embutir na consciência da população que apenas com as reformas Trabalhista e Previdenciária o Brasil voltará a crescer.

Em entrevista ao Jornal Opção, ela questionou frontalmente o suposto rombo na Previdência, que seria de R$ 200 bilhões. Segundo ela, trata-se de uma conta “torta”, inconstitucional e que precisa ser combatida.

“Não existe déficit. A Previdência não é um benefício isolado, não é uma pasta. Se ler a Constituição de 1988, o artigo 194 cria um conjunto integrado de ações de Seguridade Social. E tem um tripé: Previdência, Assistência Social e Saúde. A união tem um sentido, não é um acaso: serve para dar segurança social para os brasileiros. É tão importante que no artigo seguinte, o 195, os constituintes estabeleceram quem financiaria o conjunto: todo mundo. Trabalhadores e empregadores financiam com uma contrubuição em cima da folha de pagamento. Empresas contribuiem com o lucro líquido. Além disso, a sociedade contribuirá pelas transações de bens e serviços (Cofins), tudo que compramos e contratamos auxilia o tripé”, explicou.

No entanto, a alegação é de que o governo federal utiliza apenas o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o maior dos gastos, ignorando a “cesta” de contribuições. “Fabrica-se um rombo ao comparar INSS com as contribuições da Previdência. O financiamento diversificado é para garantir a segurança do sistema. Se em determinado momento uma contribuição cai, outra compensa. É uma verdadeira afronta ao que está na Constituição Federal”, completou.

Por outro lado, Fattorelli aponta uma série de incoerências por parte do Planalto ao tratar sobre a questão previdenciária. A primeira delas é a desvinculação de receitas da Uniaõ: “Todo ano o governo mordia 20% da arrecadação das contribuições sociais, em janeiro de 2016 passou para surpreendentes 30%. Pensa bem, se fosse deficitário o sistema, não haveria recursos para serem desvinculados.”

Segundo, as desonerações fiscais. “São mais de R$ 400 bilhões em recursos que o próprio governo abriu mão de arrecadar. A própria Dilma Rousseff (PT) promoveu uma desoneração sem precedentes para setores como agronegócio, comprometendo, assim, o financiamento da seguridade no Brasil”, destacou.

Além disso, ela destaca a dívida ativa da União, que hoje chega a surpreendentes R$ 1,75 trilhão: “Temos muito crédito a receber, principalmente de bancos, que devem inclusive a Previdência. É mais uma prova do absurdo que é falar em déficit.”

O tema foi uma das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Previdência, encerrada em outubro de 2017. No relatório final, aprovado por unanimidade, os senadores alegam haver inconsistência de dados e de informações anunciadas pelo Poder Executivo, que “desenham um futuro aterrorizante e totalmente inverossímil”, com o intuito de acabar com a previdência pública e criar um campo para atuação das empresas privadas.

Segundo o documento, as empresas privadas devem R$ 450 bilhões à Previdência e, para piorar a situação, conforme a Procuradoria da Fazenda Nacional, somente R$ 175 bilhões correspondem a débitos recuperáveis.

Senadores na CPI da Previdência | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Reforma

Questionada sobre a necessidade de uma reforma na Previdência Social, a auditora fiscal aposentada reconhece que seriam positivas mudanças no sentido de corrigir distorções e privilégios, mas não é isso que a de Temer faz: “Poderíamos rever, por exemplo, as aposentadorias acima do teto, que hoje são consideradas ‘direito adquirido’ mesmo indo contra a Constituição. Garantir que brasileiros em situação de miséria não tenham que esperar até os 68 anos para ter direito a receber o mínimo; não obrigar trabalhadores rurais a pagarem contribuição todo mês, pois nas entressafras não têm recursos…”

Para a especialista, o novo texto, que pode ser votado antes do recesso parlamentar na Câmara Federal, só beneficia o setor financeiro. “Os bancos são os maiores patrocinadores dessa reforma da Previdência, porque com o fim da aposentadoria pública, maioria das pessoas vão correr atrás da previdência privada e é aí que mora o perigo. A maioria desses fundos não têm garantia nenhuma, podem quebrar a qualquer hora — como já aconteceu. O volume de papeis podres no sistema financeiro é absurdo”, completa.

Por fim, Maria Lucia Fattorelli defende que a melhor “reforma” que o governo pode fazer é a geração de empregos. “Temos 64 milhões de brasileiros na informalidade e 14 milhões de desempregados. São pessoas que não estão contribuindo com o sistema, o que você acha que aconteceria se esses quase 80 milhões fossem integrados? A reforma que estaríamos discutindo seria o que melhorar, como dar mais benefícios. Dinheiro não falta. Repito: mão falta dinheiro para financiar a seguridade no Brasil. Enquanto tivermos pessoas trabalhando não teremos problema algum em financiar os aposentados”, arrematou.