Crise nas maternidades: Funcionários dizem que falta até “papel para enxugar as mãos”
12 setembro 2023 às 17h11
COMPARTILHAR
Após meses na mesma situação, funcionários do Hospital e Maternidade Dona Iris (HMDI), em Goiânia, denunciaram ao Jornal Opção que a crise na unidade em relação aos repasses (ou falta deles) da Prefeitura de Goiânia à organização que administra o local ainda persiste. De acordo com uma técnica de enfermagem, que preferiu não se identificar, os colaboradores não recebem pagamentos e benefícios, como vale-alimentação e vale-transporte, pelos serviços prestados desde julho.
Além disso, os funcionários que entram de férias, como é o caso da técnica, não estariam recebendo o retroativo referente ao direito. “Algumas pessoas tiveram que desmarcar viagens porque não receberam”, declarou.
Outra denúncia feita pela colaboradora é em relação aos insumos, que estão em falta. “Um dia em que eu estava de plantão, um menino teve uma parada cardiorrespiratória e não tinha luva para atender. Tivemos que improvisar para esterilizar”, conta.
“O pessoal da higienização entrou de greve anteriormente, porque também não estava recebendo, e o local ficou insalubre para se trabalhar. Até mosca apareceu na unidade”, completa.
Uma outra técnica de enfermagem denunciou que falta até material como “toalhas de papel para enxugar as mãos” no banheiro.
Valores em aberto
A Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc/UFG), que gere a Maternidade Dona Iris, além da Maternidade Nascer Cidadão (MNC) e do Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC), informou em nota que o “valor devido para os serviços prestados em julho e em agosto segue em aberto”. [Confira nota da Fundahc na íntegra ao final do texto]
Além disso, a instituição disse que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) prometeu um novo repasse até esta terça-feira, 12, mas até a publicação da reportagem o valor não havia sido pago.
A reportagem entrou em contato com a SMS para obter uma resposta sobre as denúncias e a crise nas maternidades, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.
Relembre o caso
Em meados de julho, a vereadora Kátia Maria (PT) fez declarações no Plenário da Câmara Municipal ao denunciar a situação nas maternidades.
“Lá na Nascer Cidadão, eles estão com estoque para fazer esterilização para atender por apenas três dias, significa que a semana que vem também fechará o atendimento e é muito grave, nós precisamos ter um posicionamento”, cobrou a parlamentar. “Célia Câmara não tem soda. Se uma mulher precisar fazer uma cesariana, eles não têm condições de atender”.
Com isso, as unidades hospitalares estariam funcionando de maneira parcial. Após as denúncias e agravamento da situação financeira no HMDI, na MNC e no HMMCC, a Prefeitura de Goiânia criou uma força-tarefa, após reunião de emergência, para uma “transferência imediata” de R$ 10 milhões restantes de parcela em aberto à Fundach/UFG.
Além da transferência dos valores, a prefeitura também definiu o reagendamento dos procedimentos eletivos pelas maternidades e destacou que “em momento algum houve interrupção da realização de partos e atendimentos de urgência e emergência.”
Valor menor?
A SMS chegou a se pronunciar sobre o valor que estaria em pendência com a Fundahc, de R$ 67 milhões, e disse que não reconhecia a dívida. “Segundo os cálculos do município, o valor a ser repassado para a fundação é de R$ 10 milhões, referentes ao mês de julho de 2023. Ou seja, ainda dentro do mês de serviço prestado”, afirmou.
Desde então, a Fundahc/UFG alega ter recebido três repasses da pasta: R$ 10,2 milhões em 28 de julho, montante que representa parte do valor de contas a pagar em aberto; R$ 5.160.967,19 em 3 de agosto, que 25,43% do devido acerca do serviço prestado em junho, utilizado para pagamento de folha salarial, FGTS e Despesas Administrativas e Operacionais (DAO) da fundação para gerenciar as maternidades; e R$ 7,3 milhões no dia 11 do último mês, para pagamento de notas que venceram em junho e de mais algumas notas pontuais de Pessoas Jurídicas (PJ).
Além disso, a Fundahc afirma que as DAOs não eram recolhidas há 14 meses referentes aos convênios do HMMCC e do HMDI, e há 9 meses para a MNC.
Problema se arrasta
Ainda conforme uma das denunciantes, a falta de pagamento começou ainda em janeiro deste ano. Naquele mês, segundo ela, os funcionários, que recebem os vencimentos no 5º dia útil, foram receber somente no dia 15, assim que o caso veio à tona.
Passados cerca de seis meses, a técnica de enfermagem conta que em julho o atraso nos pagamentos ocorreu de novo. Com relação à falta de material e estrutura, ela lembra que esse problema se arrasta durante todo o ano.
A funcionária conta ainda que há rumores de greve por parte dos médicos. O Jornal Opção entrou em contato com o Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego), além da Associação Médica de Goiás (AMG), sobre a possibilidade de paralisação e aguarda retorno.
Cremego acompanha
O Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) realizou uma reunião no final de julho a fim de intermediar o acordo entre a Prefeitura de Goiânia e a Fundahc/UFG para dar um fim na crise.
O encontro virtual contou com a presença do presidente do conselho, Fernando Pacéli Neves de Siqueira, além de membros da diretoria da instituição e representantes do Hospital e Maternidade Dona Íris, Maternidade Nascer Cidadão e Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara.
A reunião, que durou quase uma hora e meia, deu sequência a outro encontro com representantes da fundação e das maternidades. A conselheira do Cremego e assessora técnica da Fundahc, Cacilda Pedrosa, iniciou a discussão relatando a situação complicada que as instituições de saúde geridas pela Fundahc vivenciam. Segundo ela, os repasses para pagamentos de fornecedores de insumos e para os recursos humanos estavam atrasados há dois meses na época.
“Está inviável para os médicos, principalmente os de contratação PJ, continuarem os serviços sem essa previsão de pagamento”, afirmou, acrescentando que, há mais de 20 dias, estavam com problemas de escalas e os diretores estão fazendo plantões para não deixar a população desassistida.
Ao Jornal Opção, o presidente do Cremego revelou que ainda acompanha a situação das maternidades. Segundo Fernando Pacéli Neves de Siqueira, o conselho contata com frequência a SMS, mas não obtém resposta da pasta.
Além disso, ele afirmou que, em caso de greve dos médicos, o conselho orienta a permanecer o plantão de urgência e emergência para não ferir o código de ética.
Nota da Fundehc na íntegra:
“Como acordado em reunião no dia 27/07, foi proposta a criação de uma comissão para identificar os valores das contas a pagar em aberto e renegociar os convênios hoje vigentes para gestão do Hospital e Maternidade Dona Íris (HMDI), do Hospital e Maternidade Municipal Célia Câmara (HMMCC) e da Maternidade Nascer Cidadão (MNC).
Enquanto aguardada a deliberação da comissão e afim de normalizar o atendimento nas três maternidades, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) realizou, até o momento, três repasses à Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (Fundahc/UFG):
- R$ 10,2 milhões em 28/07, montante que representa parte do valor do contas a pagar (dívida) em aberto
- R$ 5.160.967,19 em 03/08, valor que o representa 25,43% do devido acerca do serviço prestado em junho, utilizado para pagamento de folha salarial, FGTS e Despesas Administrativas e Operacionais (DAO) da fundação para gerenciar as maternidades. Coloca-se que as DAOs não eram recolhidas há 14 meses referentes aos convênios do HMMCC e do HMDI e há 9 meses para a MNC
- R$ 7,3 milhões em 11/08 para pagamento de notas que venceram em 30/06 e de mais algumas notas pontuais de Pessoas Jurídicas
O valor devido para os serviços prestados em julho e em agosto segue em aberto, o que tem acarretado em diversas notificações por parte de fornecedores e pessoas jurídicas, além de impacto no prazo de pagamento do salário aos colaboradores. A Fundahc/UFG tem colocado insistentemente à SMS a urgência de um novo repasse e a secretaria afirma que até esta terça-feira, 12, será feito.
A Fundahc/UFG aguarda a validação dos valores das contas a pagar em aberto, bem como o ajuste dos termos aditivos vigentes.”
Leia também: