Cremego avalia interdição ética na saúde de Goiânia
05 dezembro 2024 às 15h57
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O Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) considera realizar uma interdição ética nas unidades de saúde de Goiânia por conta da grave crise na saúde pública do município. A crise é marcada por falta de insumos e medicamentos básicos na rede pública de saúde da capital. A crise é atribuída à má gestão municipal, o que impacta profissionais de saúde e pacientes.
Ao Jornal Opção, o diretor do Cremego, Robson Azevedo, afirmou que o Cremego tem fiscalizado unidades de saúde e constatado a falta de insumos e medicamentos básicos, além de medicamentos mais complexos, como o necessário para se realizar a intubação de pacientes e sedativos. “São situações complexas que inviabilizam a própria unidade de saúde. Então os relatórios do conselho tem apontado para uma possível interdição ética dessas unidades pois elas não tem condições de atender a população com dignidade”, explicou.
“A interdição ética ocorre no sentido do médico ser proibido de atender naquela unidade por falta de condições. Tememos muito que isso aconteça pois esse não é o objetivo do Cremego. O objetivo do conselho é garantir que a população tenha um atendimento adequado e que médicos possam atender com dignidade. Mas está impossível de trabalhar dessa forma”, continua.
Segundo o diretor, não é a intenção que o conselho chegue ao ponto de realizar essa interdição, mas pode se tornar necessário. “Se uma determinada unidade não tem condições de trabalho, significa que essa unidade não tem condições mínimas para atender a população. Então cabe ao conselho tomar medidas que caminham para essa interdição ética”, afirma.
“Caso essa decisão seja tomada, faremos fiscalizações e daremos a oportunidade para que a Secretaria de Saúde e a Prefeitura corrijam as irregularidades, mas isso não é o que está acontecendo. É lamentável que ao chegarmos em dezembro, no apagar das luzes de gestão de Rogério Cruz, termos esse caos que afeta diretamente a população”, explica.
Paralisações pelo Estado
Os médicos credenciados à Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) anunciaram a paralisação dos atendimentos em razão da precariedade das condições de trabalho. Os profissionais cobram abastecimento de insumos, medicamentos, produtos de saúde, segurança, equipamentos e exames laboratoriais necessários ao atendimento dos assistidos.
A categoria também solicita que os pagamentos das remunerações e os recolhimentos ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sejam feitos de forma regular. A greve, que se inicia na próxima segunda-feira, 9, irá se estender por três dias. A ação foi determinada durante Assembleia Geral Extraordinária Permanente na última quarta-feira, 4, segundo o Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego).
Anteriormente, a situação ocorreu em Caldas Novas. Médicos do município anunciaram a paralisação das atividades no município na próxima terça-feira, 3. O anúncio foi realizado no último sábado, 30, pelo Sindicato dos Médicos no Estado de Goiás (Simego). A paralisação, segundo o Simego, ocorreu das 7h às 0h. A medida é uma resposta a falta de repasse do município aos servidores da área.
“Os gestores responsáveis, bem como a Associação Saúde Em Movimento (ASM), não cumpriram com suas obrigações de pagamento das remunerações dos médicos credenciados e não atenderam as demais reivindicações apresentadas pelos médicos que atuam nas unidades de saúde mantidas pelo Poder Público Municipal”, afirmou o Simego em nota.
Os médicos reivindicam o pagamento das remunerações, que não estariam sendo feitas pela prefeitura. Atendimentos de urgência e emergência, no entanto, não foram afetados.
Gabinetes de crises
A Secretaria de Estado e Saúde de Goiás (SES-GO) publicou portaria que cria um gabinete de crise para lidar com os problemas enfrentados pela saúde de Goiânia. O gabinete, instaurado nas 13 unidades de Urgência e Emergência da capital, conta com membros da SES e da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia.
De acordo com a gerente das Regionais de Saúde da SES, Jaqueline Rocha, os gabinetes utilizam um painel de indicadores que servem para monitorar recursos humanos, insumos, medicamentos e solicitações de leitos, facilitando a tomada de decisões e o redirecionamento de recursos para otimizar o atendimento aos pacientes. O objetivo da medida é melhorar a eficiência e a rapidez no atendimento, reduzindo o tempo de espera e garantindo acesso oportuno a leitos e tratamentos.
“O gabinete é um instrumento de gestão. As informações serão alimentadas diariamente para que a gestão municipal possa tomar decisões. Por exemplo, se existir sobra de insumos ou medicamentos em determinada unidade e falta em outra é possível que a gestão municipal faça este dimensionamento e esse redirecionamento de insumos entre uma unidade e outra”, explicou Jaqueline.
Segundo a gerente, também possa ser necessário o remanejamento de recursos humanos entre unidades de acordo com a demanda por atendimentos, que será observada diariamente. “Isso faz com que a rotatividade e a resolutividade do atendimento nas unidades seja mais acelerado para que o paciente espere menos. Quando falamos de solicitações de leitos de UTI, o gabinete de crise vai permitir quais são essas unidades que estão com maiores solicitações, quem é este paciente, para que em tempo oportuno o paciente tenha atendido na unidade de saúde adequada e em tempo oportuno”, afirma.
Um dos pontos da portaria é dispensa de licitação para compra de medicamentos e insumos. Um dos pontos citados por uma interlocutora da SMS é a possibilidade de acordos “verbais” para a compra desses medicamentos. “Estão sendo feitas duas compras, então devemos ter medicamentos nesta quinta ou sexta, que são injetáveis para unidades de urgência, e outra emergêncial, que deve chegar em até 30 dias, para suprir a falta de medicação nas unidades de saúde”, disse.
Por fim, a gerente afirma que o gabinete de crise deve ser mantido ainda na gestão de Sandro Mabel, que assumirá como prefeito em 1º de janeiro. “O prosseguimento do gabinete é de decisão da gestão municipal, mas acreditamos que ele deva permanecer. Ele [Sandro Mabel] precisará tomar pé da gestão e o gabinete de crise é um instrumento de gestão, então ele deve perdurar por se tratar de uma ferramenta em que os gestores das unidades podem continuar utilizando”, completa.
A crise
A Saúde em Goiânia já vem sendo alvo de críticas da imprensa há meses. Poucas ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) rodando na capital, anestesistas em greve devido às condições de trabalho e atrasos nos repasses para as principais maternidades de Goiânia são algumas das polêmicas envolvendo a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia.
Agora, a situação se agrava já que, na última semana, pacientes começaram a morrer na espera por vagas na UTI, apesar de, em alguns casos, já existir decisão judicial determinando que o poder público encontrasse alternativa no Sistema Único de Saúde (SUS) ou que arcasse com os gastos do leito na rede privada.
Segundo o secretário Estadual de Saúde, Rasível Santos, a crise foi causada por “falta de credibilidade”. “Quando começamos a ter esses problemas acabamos inflacionando o mercado e o leito acaba ficando mais caro. Às vezes, o hospital acaba tendo mais dificuldade para gerar leitos e, outro problema que agrava, é a falta de medicamentos na atenção primária. Isso faz com que a doença agrave e aumente o tempo de permanência de pacientes nas UTI’s”, explicou.
“Vamos sanar esses problemas de credibilidade com a ajuda do Governo de Goiás. O governador Ronaldo Caiado tem a credibilidade de nunca atrasar pagamentos e não fazer nenhum compromisso que o governo não possa cumprir. Traremos essa credibilidade para a Saúde de Goiânia junto ao próximo prefeito”, continuou.
A “falta de credibilidade” citada por Rasível já havia sido mencionado pelo ex-secretário Municipal de Saúde, Wilson Pollara. Durante sua fala no início da reunião entre a SMS e a SES, na última segunda-feira, 25, Pollara afirmou que a a “Prefeitura está sem credibilidade financeira” como uma das justificativas para o colapso notado na questão das UTIs na cidade.
Pollara também destacou como “honrosa” a postura do prefeito eleito, Sandro Mabel, que se comprometeu a buscar soluções antes mesmo de assumir o cargo oficialmente em 2025. “É uma atitude de muita honra e demonstra preocupação genuína com a população de Goiânia. Assumir essa responsabilidade 35 dias antes da posse é algo digno de reconhecimento”, disse.
Em nota enviada ao Jornal Opção, a SES-GO afirmou que a responsabilidade “pela gestão dos leitos municipais e conveniados” é do município e que a falta de leitos não é do Estado, que tenta suprir como pode a carência da capital e, por isso, acaba se sobrecarregando. “A falta de leitos em Goiânia resulta na sobrecarga da regulação estadual, quando as solicitações extrapolam a capacidade municipal”, afirmam.
De 2018 para cá, a SES-GO cumpriu com sua função de aumentar o número de leitos disponíveis em UTI, diferentemente da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS). “A rede estadual de saúde disponibilizava, em 2018, 212 leitos de UTI Adulto e, em 2024, são 575, com a ampliação de 171% por parte do Estado”, explicam.
Porém, dados apresentados por Rasível mostram a redução no número de leitos de UTI em Goiânia nos últimos anos. Em 2022, havia 186 leitos financiados pelo estado e município; em 2024, o número caiu para 118.
Rasível alertou sobre as consequências desse cenário: “A superlotação nos hospitais faz com que os pacientes fiquem internados e levem mais tempo, criando um ciclo vicioso de agravamento das condições de saúde”. Ele também ressaltou a necessidade de melhorar a gestão dos leitos existentes, reduzindo o tempo de permanência e ampliando o giro dos pacientes.
A crise na saúde de Goiânia não se limita à oferta de UTIs. Greves de anestesistas, falta de insumos e condições precárias de trabalho são apenas alguns dos sintomas de um sistema à beira do colapso. Sandro Mabel terá a missão de resgatar a confiança dos prestadores de serviços, renegociar dívidas e implementar melhorias que atendam à crescente demanda por serviços de saúde na capital.
Rasível dos Santos também destacou a necessidade de ações preventivas, como o fortalecimento da atenção primária para evitar agravamentos de casos que poderiam ser tratados antes de chegar às UTIs. “Estamos diante de uma demanda maior do que a capacidade do sistema, o que exige medidas estruturantes”, concluiu.
Prisão de Pollara
O secretário municipal de saúde de Goiânia, Wilson Pollara, foi preso na manhã da última quarta-feira, 27, durante operação do Ministério do Ministério Público (MP). O secretário executivo da pasta, Quesede Ayres Henrique, e o diretor financeiro, Bruno Vianna Primo, também foram detidos e conduzidos à Casa do Albergado suspeitos de associação criminosa e pagamento irregular em contrato administrativo no âmbito da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).
Foi determinado ainda o afastamento cautelar e, consequentemente, a suspensão do exercício das funções públicas dos três investigados. O órgão também cumpriu, com o auxílio da Polícia Militar de Goiás (PMGO), oito mandados de busca e apreensão na sede da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, nas residências dos alvos de prisão e de um empresário que presta serviços à pasta. Um dos alvos estava em posse de mais de R$ 20 mil em espécie.
A investigação conduzida pelo Grupo de Atuação Especializada no Patrimônio Público (GAEPP), aponta que a prática reiterada de crimes por parte dos investigados, como a concessão de vantagens em contratos, ocasionando prejuízo para a administração pública. Foi constatada a existência de pagamentos irregulares, inclusive com preterição da ordem cronológica de exigibilidade.
Conforme apurado, Pollara, Quesede e Bruno deixaram de repassar verbas públicas previstas em convênios a entidades do terceiro setor, que são responsáveis pela gestão de unidades hospitalares e maternidades da capital, especialmente à Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (Fundahc). A falta de verba fez com que a Fundahc, de acordo com o MP, ficasse com passivo de R$ 121,8 milhões junto a fornecedores, portanto, sem condições de funcionamento regular.
Paralelamente à atuação do esquema criminoso, a rede pública de saúde da capital enfrenta uma crise de gestão multifatorial, caracterizada pela desestruturação progressiva da assistência hospitalar e a restrição ao acesso a leitos de enfermaria e UTI – o que já provocou a morte de cinco pessoas em menos de uma semana.
A falta de inúmeros básicos e a interrupção de serviços essenciais, assim como graves deficiências em políticas públicas de assistência básica, descumprimento reiterado de decisões judiciais e indícios de irregularidades em diversas contratações, também são um reflexo das práticas criminosas orquestradas na SMS, de acordo com o MP. A situação resultou em violações massivas de direitos fundamentais, especialmente dos direitos à vida e à saúde da população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS).
Renúncia de Cynara e novo secretário
Conforme apurado com exclusividade pelo Jornal Opção, Cynara Mathias, que assumiu o cargo há uma semana no lugar do ex-secretário Wilson Pollara, não resistiu à pressão gerada pela crise da saúde em Goiânia.
A servidora pública efetiva há 25 anos, Cynara Mathias Costa, assumiu a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em substituição a Wilson Pollara, que foi preso em Operação Comorbidade, do Ministério Público de Goiás (MP-GO).
Cynara assumiu o cargo em meio a uma crise sem precedentes na saúde de Goiânia. A gestão de Wilson Pollara à frente da SMS causou um colapso total no sistema de saúde da capital. A escassez de insumos, antibióticos e a morte de pessoas devido à falta de vagas em leitos de UTI levaram o Ministério Público a investigar a situação, o que resultou na prisão de Pollara e de outros membros da pasta.
Já no início da noite da quarta-feira, 4, a Prefeitura de Goiânia anunciou o nome do novo secretário de Saúde. Trata-se de Pedro Guilherme Gioia, atual superintendente de Vigilância em Saúde. O anúncio do nome de Pedro como novo titular da Secretaria Municipal de Saúde vem após a então secretária Cynara Mathias apresentar sua renúncia ao cargo, fato ocorrido na manhã de hoje e noticiado pelo Jornal Opção em primeira mão.
Atual prefeito da capital, Rogério Cruz (Solidariedade) se reuniu a portas fechadas na tarde desta quarta-feira com Pedro Guilherme, no Paço Municipal. Havia a informação de que Cynara também estava presente no encontro, informação essa negada pela Prefeitura de Goiânia.
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