Comércio de armas em Goiás sente efeito do novo decreto: “Estamos amargando, travou tudo”

24 julho 2023 às 17h25

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As mudanças sobre a comercialização de armas no país, implementadas por meio de um decreto presidencial assinado na última sexta-feira, 21, travou a venda de armas e munições em Goiás. Lojas vazias ou com poucos clientes, tensão sobre demissão de funcionários e incerteza sobre as vendas são os cenários observados nas principais lojas da Capital. “Estamos amargando, travou tudo”, disse, ao Jornal Opção, a despachante Eneida Couto.
Ela argumenta que para quem já é Caçador, Atirador e Colecionador (CAC), a compra e armamento e munições segue normalmente. Porém, “o CR (Certificado de Registro) estava travado. O decreto libera o CR, mas não se sabe quando vai retomar”. “Da última vez o SigGcorp ficou 90 dias forma do ar, e eles não têm pressa. Quem tem pressa são as indústrias e as lojas que trabalham nesse segmento”, explica.
Além disso, o decreto limitou o número máximo para duas armas para civis e reduziu o número de munições acessíveis a 50 por arma/ano, além de exigir comprovação da “efetiva necessidade” para o uso.
Cleiton Carvalho, despachante em outra loja de armas na Capital, aponta que as dificuldades para aquisição de armas de fogo no país estão maiores desde o ano passado. “Estamos desde o segundo turno travado, com linha baixa de venda. Restringiu e provocou uma insegurança para quem compra e para o comércio também”, constata.
Processo demorado e caro
O processo de retirada do Certificado de Registro e a aquisição de uma arma de fogo no Brasil pode levar um ano, apontam os despachantes. Além de burocrático, o gasto mínimo para ter uma arma em casa gira em torno de R$ 6,8 mil. “É um esporte caro no geral, um armamento de entrada hoje custa em torno de R$ 4,5 mil, seja um revólver ou uma pistola”, explica Carvalho.
Além do valor da arma, são necessários o pagamento de cerca de R$ 1,8 mil para a documentação e R$ 500 do registro. “As pessoas veem só o lado da arma e não o lado de quem vai. É um esporte como qualquer outro esporte”, pontua.
Couto diz que o novo decreto prejudica ainda mais as vendas e aumenta a burocracia para a compra. “Você já tentou comprar uma arma? É muito demorado e caro. Tem cliente que queria comprar uma arma e entre o processo de tirar o CR até ele tirar a arma demora um ano”, explica.
Quem é que está mal intencionado que vai esperar um ano para comprar uma arma?
Eneida Couto, despachante de uma loja de armas em Goiânia
Temor e incertezas
Há um temor que a queda das vendas possa impactar diretamente a geração de empregos no setor. Um lojista estima que, atualmente, são cerca de 70 mil empregos diretos, e o clima dentro dos estabelecimentos é de receio. “Uma loja como a nossa, que tem uma grande estrutura, precisou demitir 12 funcionários depois do decreto de janeiro”, lamenta o gerente Fabrício Rodrigues.
Outro ponto criticado por Rodrigues foi em relação ao recadastramento das armas. “Tivemos cerca de 6 mil armas não recadastradas. Pode ser que tenhamos pessoas que ficaram com medo e não fizeram o processo por medo de perder o armamento. Um dos nossos clientes estava nos Estados Unidos e não teve tempo para voltar e se recadastrar, acabou perdendo o fuzil. O cara não é bandido, e o decreto não tratou disso também”, argumenta.
Transporte e treinamento
Com o fim ao porte de trânsito municiado de armas para os CACs, exceto nos casos em que tenha sido emitida guia de tráfego, o acesso dos atiradores aos clubes de tiro pode ficar prejudicado, aponta os especialistas.
O período de recadastramento também gerou insegurança nos portadores de armas de fogo. De acordo com Eneida Couto, os CACs ficaram aterrorizados em ter que levar suas armas para a Polícia Federal. “Como eu vou no clube agora? Vou tirar minhas armas do meu cofre e vou até o clube de tiro. Os CACs têm medo dos bandidos. Os bandidos não, pra eles é uma oportunidade. Muitos ficaram, eu vou tirar o meu fuzil para levar na Polícia Federal. Andar sem nenhuma proteção”.
Os CACs têm medo dos bandidos. Os bandidos não, pra eles é uma oportunidade.
Eneida Couto
O que mudou
Além das restrições propostas nesse novo decreto, o governo transferiu as atribuições de fiscalização de armas do Exército para a Policia Federal (PF).
- Segundo o Ministério da Justiça, o decreto estabelece a limitação de duas armas por civil e reduz o número de munições acessíveis a 50 por arma/ano, sendo anteriormente permitido o porte de até quatro armas e 200 munições por arma/ano;
- Será obrigatória a comprovação da “efetiva necessidade” das armas para que seu uso seja autorizado.
- E para os CACs?
- No caso dos caçadores, atiradores e colecionadores (CACs), prevê-se igualmente uma significativa redução no número de armas e munições que serão autorizadas;
- A quantidade varia de acordo com diversos fatores, como o tipo de utilização, o modelo da arma e, no caso de atiradores esportivos, o nível de habilidade do atleta, bem como o número de competições e treinamentos realizados;
- O porte de trânsito de armas municiadas está proibido para os CACs, exceto nos casos em que tenham obtido uma guia de tráfego autorizando o transporte. Além disso, foram estabelecidas restrições adicionais para as entidades de tiro desportivo;
- O decreto enfatiza o caráter excepcional da atividade de caça, tornando obrigatória a apresentação de documentos comprobatórios para sua realização. Para a prática da caça, também é exigida a especificação da arma apropriada para o abate de animais.
- Validade também muda
- Anteriormente, esse prazo era estabelecido em dez anos, mas agora foi reduzido para três ou cinco anos, dependendo da motivação de uso;
- O decreto estabelece, adicionalmente, uma “migração progressiva das competências” relacionadas às atividades civis envolvendo armas e munições. Nesse sentido, a responsabilidade de lidar com essas questões de caráter civil deixa de ser atribuída ao Exército, sendo transferida para a competência da Polícia Federal.
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