“Boy sober”: entenda o movimento das mulheres que se cansaram de homens
03 maio 2024 às 09h04
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Na sociedade contemporânea, marcada por rápidas transformações sociais e tecnológicas, observa-se um fenômeno intrigante no comportamento afetivo-relacional: o aumento do número de mulheres heterossexuais que escolhem o celibato temporário após experiências amorosas desgastantes. Este movimento, conhecido nas redes sociais como boy sober, simboliza uma pausa deliberada na busca por relações românticas, buscando uma espécie de desintoxicação emocional.
O psicólogo Wadson Arantes Gama, presidente do Conselho Regional de Psicologia, afirma que do ponto de vista da psicologia fenomenológica existencial, tal escolha pode ser compreendida como um ato de autenticidade e autoafirmação. “A abstinência temporária do amor romântico permite que a mulher se reconecte consigo mesma, reavaliando suas necessidades, desejos e valores. É um momento de introspecção e reorientação existencial, onde o foco se desloca da alteridade para a própria individualidade”, diz.
Historicamente, as mulheres foram socializadas para buscar a satisfação emocional e a identidade através de seus parceiros. Desde a criação do mundo, em Gênesis na Bíblia, a mulher é sempre colocada em segundo plano, criada da costela do homem para que ele não se sentisse só. Uma mulher, para ser alguém em sua totalidade, precisa estar acompanhada de um homem. Para a cultura cristã, é quase que inaceitável uma mulher escolher a solidão e optar pelo não casamento.
Wadson Arantes analisa que essa nova tendência de abstinência masculina sugere que elas estão redefinindo o significado do amor e da intimidade. “A abstinência temporária do amor romântico, como proposta pelo boy sober, desafia as normas tradicionais de relacionamentos. A filosofia existencialista, com suas raízes em Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger, já ressaltava essa importância da liberdade”, pontua o psicólogo.
Liberdade e conhecimento
Para Nietzsche, o caminho para a liberdade do espírito e para o conhecimento é um caminho de experiências, pois quando se decide viver por sua própria vontade, a partir de um impulso de autodeterminação, sem a moral, não se pode saber de antemão o caminho a ser tomado. “O homem é algo que deve ser superado. Que fostes vós feitos para além disso”, escreveu o filósofo. Segundo Nietzsche, a grandeza do “grande homem” reside na margem de liberdade de seus desejos e mais ainda na potência ainda maior com a qual saberá tomar a seu serviço estes monstros esplêndidos.
“O boy sober não é apenas uma moda passageira, mas sim um movimento que reflete mudanças profundas nas relações de gênero. Ele convida as mulheres a se tornarem autoras de suas próprias histórias, a questionarem o status quo e a encontrarem significado além do amor romântico”, explica Wadson Arantes. Como psicólogo fenomenológico-existencial, ele vê nesse movimento uma busca pela autenticidade e pela plenitude da experiência humana, destacando os seguintes pontos:
Autonomia e Empoderamento
- A decisão de se afastar temporariamente de relacionamentos amorosos é um ato de autonomia e empoderamento. As mulheres estão tomando as rédeas de suas vidas emocionais, escolhendo quando e como se envolver.
- Essa autonomia também se estende à sexualidade. O celibato temporário permite que as mulheres explorem sua própria sexualidade sem a pressão de agradar um parceiro.
Reavaliação de Prioridades
- O boy sober sugere que o amor romântico não é a única fonte de significado e realização. As mulheres estão questionando se a busca incessante por relacionamentos é realmente benéfica.
- Ao optar por se concentrar em outras áreas da vida, como carreira, amizades e desenvolvimento pessoal, elas estão reavaliando suas prioridades e buscando um equilíbrio mais saudável.
Reavaliação de Prioridades
- Tradicionalmente, espera-se que as mulheres sejam emocionalmente disponíveis e cuidadoras. O boy sober desafia essas expectativas, permitindo que elas sejam mais seletivas e assertivas em suas escolhas.
- Isso também pode impactar a dinâmica de poder nos relacionamentos. Quando as mulheres não estão desesperadas por amor, elas podem negociar de forma mais equitativa.
Exploração da Solidão
- A solidão muitas vezes é vista como negativa, mas o boy sober a transforma em uma oportunidade. Ela permite que as mulheres se conheçam melhor, enfrentem seus medos e cresçam emocionalmente.
- A solidão também pode ser um espaço criativo e de autodescoberta. É onde a mulher pode encontrar sua voz interior e se conectar com sua essência.
Como surgiu o termo boy sober
O movimento de “detox dos boys” teve início com a atriz e comediante americana Hope Woodward. Aos 27 anos, ela sentiu a necessidade de fazer uma espécie de reabilitação emocional e conquistou milhares de seguidores no TikTok e em seus shows ao discutir os benefícios desse tipo de limpeza afetiva. A proposta dela é passar 365 dias sem qualquer tipo de relacionamento, flerte, paquera virtual, paixão platônica, sexo casual ou outras conexões com o sexo masculino.
“Você não é solteira se alguém está ocupando seu espaço cerebral”, argumenta Hope. A professora Valeska Zanello, que estuda questões de gênero, compara essa dinâmica com uma “prateleira dos homens”, onde as mulheres mais magras, jovens, brancas e ricas ocupam a posição de destaque, enquanto aquelas que fogem desse padrão acabam relegadas a uma espécie de “saldão”, muitas vezes aceitando menos do que merecem por medo de ficarem sozinhas.
“A rigidez das regras faz sentido, pois a maioria de nós está constantemente atenta a potenciais flertes. Mesmo que não tenhamos interesse em namorar, fomos condicionadas a validar nosso valor através do desejo masculino”, conclui a professora..