Uma decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nacionalmente os processos que discutem atrasos de voo causados por caso fortuito ou força maior. Apesar disso, muitos consumidores passaram a acreditar que todas as ações contra companhias aéreas estão paralisadas.

Em entrevista ao Jornal Opção, a advogada Julianna Augusta, especialista em direito aéreo, afirmou que decisões judiciais estão suspendendo ações que não envolvem eventos extraordinários, o alvo central da liminar do STF.

“Essa decisão está gerando impacto, inclusive, em ações que não têm nada a ver com casos fortuitos ou força maior”, disse. “Está suspendendo situações em que pessoas são abandonadas em aeroportos, casos de overbooking, de venda acima da capacidade. Isso é completamente ilegal.”

Segundo Julianna, escritórios de advocacia em todo o país já reúnem decisões que ampliam o alcance da suspensão para além do que foi determinado. “A gente já tem diversos processos parados. Estamos criando teses e pressionando nos autos para restabelecer o andamento. É um momento de grande instabilidade”, afirmou.

O que realmente deveria ter sido suspenso?

A especialista explica que a decisão do STF busca definir se, em situações de caso fortuito ou força maior, deve prevalecer o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ou o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). Esses casos, reforça, estão listados em rol taxativo no artigo 256 do CBA.

“São situações como fechamento de aeroportos, condições meteorológicas severas, ordens superiores impedindo pousos e decolagens ou falhas sistêmicas. É um rol fechado com cinco incisos”, destacou.

“A decisão deveria ter suspendido apenas esses casos, mas como o texto ficou aberto no final, juízes estão aproveitando para suspender todo tipo de ação.” De acordo com Julianna Augusta, o principal risco está na possível aplicação exclusiva do CBA nas ações envolvendo eventos extremos.

Isso porque o Código de Defesa do Consumidor possui mecanismos mais favoráveis ao passageiro, sobretudo na distribuição do ônus da prova. “O CDC tem um viés protetivo. Muitas vezes o passageiro não tem todas as provas, mas consegue a inversão do ônus da prova. Já o Código de Aeronáutica exige comprovação mais robusta”, explicou.

“Se for aplicado só o CBA em casos de tempestade, por exemplo, o passageiro terá que provar que não existia caso fortuito. E, nesses casos, não cabe dano moral, apenas dano material.”

A advogada afirma que a indefinição atual é pior do que se o STF já tivesse decidido de forma restritiva. “O problema é que agora virou uma suspensão generalizada. Está tudo parado”, lamentou.

Mais provas serão indispensáveis nos processos

Com a instabilidade, Julianna orienta que passageiros adotem uma postura mais cautelosa e reúnam provas desde o momento do atraso ou cancelamento. “Agora é essencial tirar foto da mala, foto do painel do aeroporto, guardar todos os check-ins, registrar o que estiver usando caso a bagagem seja extraviada”, defendeu.

“Tem gente que perdeu itens e não tem uma foto antiga para comprovar. O processo acaba suspenso porque o juiz não consegue entender se é fortuito ou falha operacional.” A advogada também recomenda registrar diálogos com funcionários quando possível.

“Se o colaborador diz que o problema foi falta de tripulação ou avião quebrado, isso é responsabilidade da empresa. Mas a pessoa gravou? Pediu documento? Sem prova, o processo corre risco.”

Para Julianna Augusta, o maior perigo é o passageiro enfrentar o transtorno, mas não reunir evidências suficientes para demonstrar que o caso não se enquadra como força maior.

“O maior risco é a pessoa não tirar foto, não registrar nada. Como vou provar para o juiz que não era caso fortuito e evitar a suspensão do processo?”, questiona. “A gente está acostumado a ir ao aeroporto e não criar provas, porque antes era mais fácil. Agora isso mudou.”

A advogada reforça que o caminho para proteger o direito do consumidor começa no próprio aeroporto: registrar tudo, guardar documentos e, se possível, obter declarações da companhia aérea.

“Sem prova, o processo cai na suspensão automática. Com prova robusta, mostramos que foi falha interna da companhia e o processo segue normalmente”, concluiu.

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