A comparação entre os julgamentos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ocorrem desde que os procedimentos contra o ex-presidente foram iniciados. O primeiro e mais comum diz respeito à instância julgadora nos dois casos: o petista foi processado e julgado pela 13ª Vara Federal de Curitiba no processo da Lava Jato, ou seja, na primeira instância; enquanto Bolsonaro foi processado e julgado diretamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Advogados criminalistas goianos ouvidos pelo Jornal Opção abordam as diferenças e semelhanças nos dois casos.

Foro se mantém após fim do mandado

Para o advogado criminalista Reginaldo Ferreira Adorno, a diferença temporal entre os dois processos está diretamente ligada à instância onde ambos os processos foram julgados. “O ex-presidente Bolsonaro tinha foro privilegiado e por isso ele foi julgado pelo STF. Já o presidente Lula, quando foi julgado, já não tinha foro. Sendo assim, os julgamentos na primeira instância federal ou estadual tem mais possibilidades de recursos “, argumenta.

Essa visão é compartilhada entre os três especialistas ouvidos pela reportagem, com uma diferença: a avaliação se Bolsonaro tinha ou não foro privilegiado na época do julgamento. Isso ocorre porque o processo que deu start teve início antes do fim do mandato do ex-presidente.

Adorno lembra que a Suprema Corte entendeu que os atos ilícitos foram praticados durante o mandato presidencial e que, devido a essa distinção, a prerrogativa do julgamento seria do STF, que tem competência para julgar mandatários e pessoas com foro privilegiado. “O STF entende que hoje o foro permanece mesmo após terminar o mandato, desde que os crimes tenham sido cometidos durante o mandato e que tenham ligações com o cargo”, diz. Ele completa dizendo que no caso da tentativa de golpe, os atos preparatórios foram cometidos enquanto ele ainda era presidente.

Controvérsias sobre o foro

Embora o STF tenha batido o martelo sobre a competência, o uso do foro privilegiado para o ex-presidente Bolsonaro gerou questionamentos e argumentos divergentes. Marina Morais, advogada e mestre em ciências políticas, argumenta que o foro não caberia a Bolsonaro e que ele deveria ter sido julgado na primeira instância, assim como Lula.

“O processo se originou no Supremo e existem críticas doutrinárias contra isso, mas o Supremo bateu o martelo e definiu a possibilidade da relatoria do ministro Alexandre de Moraes. O que para mim não poderia ter ocorrido, ele não poderia ter sido o julgador, bem como o processo deveria ter iniciado na primeira instância”, comenta.

Marina Morais é advogada e mestre em ciências políticas | Foto: Arquivo pessoal

Morais explica que isso acelerou o ritmo do processo, que levou cerca de um ano para ser concluído. Ela avalia ainda que por ter se iniciado já na última instância, será mais difícil que o STF reconheça a própria incompetência no futuro. “Isso tem um impacto significativo quando o Supremo assume um erro e se assumisse um erro dessa magnitude”, diz.

O advogado Thiago Costa considera que o caso deveria ter começado na primeira instância, como ocorreu com Lula, e afirma que a conexão com inquéritos anteriores — como os das fake news — não justificaria manter a competência no STF.

Segundo ele, a relatoria de Alexandre de Moraes também seria inadequada: “O ministro não seria o juiz natural. Há problemas no foro e na condução processual.”

Medidas cautelares, prisão preventiva e execução da pena

Reginaldo Adorno

Advogado criminalista Reginaldo Adorno | Foto: Arquivo

Adorno explica que Lula foi preso para cumprimento de pena provisória — após condenação em segunda instância — sob entendimento então vigente do STF. Já Bolsonaro teve prisão preventiva decretada por suposta violação da tornozeleira eletrônica e tentativa de interferência externa, além de outras cautelares relacionadas ao andamento das investigações.

Para ele, as duas situações não são comparáveis: “No caso Bolsonaro, as cautelares não têm relação com o julgamento do golpe, mas sim com a proteção da instrução criminal.”

Thiago Costa

Advogado criminalista Thiago Costa | Foto: Arquivo

Thiago Costa critica a decisão de permitir que Bolsonaro cumpra pena na Superintendência da Polícia Federal. Para ele, o correto seria a transferência para a Papuda, pois trata-se de execução definitiva, ao contrário do caso de Lula.

Segundo ele, a decisão do ministro Alexandre de Moraes tem finalidade estratégica: “Levar Bolsonaro à PF reduz a possibilidade de alegar prisão domiciliar por razões humanitárias.”

Marina Morais

Marina aponta que discutir medidas cautelares agora perdeu objetividade, pois a defesa não recorreu da prisão preventiva e o processo já transitou em julgado.

No entanto, ela discorda de fundamentações que utilizam atos de terceiros, como vigílias e mobilizações, para justificar medidas.

Semelhanças entre os dois casos

Apesar das diferenças estruturais, os advogados identificam pontos de contato entre os julgamentos de Lula e Bolsonaro:

Reginaldo Adorno aponta que em ambos houve forte “comoção política”, mas reforça que os fundamentos jurídicos das prisões são distintos.

Já Thiago vê paralelos nos abusos processuais e no peso da política: “Nos dois casos, houve nulidades e interferência política no ritmo e na condução do processo.”

Marina destaca que julgamentos envolvendo presidentes sempre carregam dimensão política: “Não é comum prender presidentes. Toda decisão desse tipo tem impacto político, independentemente do mérito.” Ela afirma, porém, que não tem convicção para afirmar perseguição em nenhum dos casos.

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