Zé Roberto Lula: “Pacificar esse País não significa deixar de punir os criminosos”
27 novembro 2022 às 00h04
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O deputado estadual Zé Roberto Lula, presidente do diretório estadual do PT, está consciente de que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá um enorme desafio pela frente: pacificar o País, depois de tanta incitação à violência, que ele credita ao governo Bolsonaro. “Eu, assim como muitas lideranças de nosso partido, tenho defendido que pacificar este País não significa deixar de punir os criminosos. E nós vamos ter de punir os criminosos que tomaram conta, que dominaram este governo”, defende.
Zé Roberto comenta que os atos antidemocráticos que fecharam as rodovias logo após a proclamação do resultado da eleição já eram esperados. “A gente já sabia disso porque faz parte de uma prática de atos absolutamente ilegais, anticonstitucionais e antidemocráticos”, comenta o deputado, enfatizando que esses atos devem continuar durante o governo Lula como forma de sabotagem. “Quem está fazendo isso não são caminhoneiros, não são trabalhadores, mas um grupo organizado, sustentado por empresários do agronegócio muito fortemente, as apurações levam a isso”, ressalta.
O deputado, que participa do gabinete de transição, revela que ao todo 600 pessoas colaboram como voluntários com este trabalho de discussão e sugestão para elaboração de políticas públicas. Zé Roberto avalia que, mesmo com a má vontade do governo, os trabalhos tem avançado. “Temos encontrado enormes dificuldades por negação de informações. O TCU [Tribunal de Contas da União] tem sido fundamental nesse processo, com dados que o governo se nega. O fato é que vamos ter de fazer de imediato o que se fala na imprensa, um ‘revogaço’. Esse governo irresponsável está criando várias portarias internas para poder dificultar tudo, nomeando pessoas para ocupar postos e tentar impedir o governo de avançar. Essa é a prática dos fascistas”, comenta.
José Roberto Ribeiro Forzani, o Zé Roberto Lula, é goiano de Pirenópolis, tem 61 anos e formação de engenheiro florestal. Servidor de carreira do Ibama, é pioneiro no Tocantins, estando no exercício de seu terceiro mandado como deputado estadual. Nestas eleições, disputou cadeira na Câmara Federal, alcançou uma boa votação (20.316 votos), mas não foi eleito, mesmo tendo mais de 7 mil votos a mais que o último dos eleitos.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, o deputado fala da sua participação no gabinete de transição e alerta. “Nosso governo precisa resolver a economia, mas não podemos esquecer que há uma parte da população enganada com essa pauta antidemocrática e prejudicial ao nosso País.”
Se chegamos até o fim desta eleição, muito foi em função do papel exercido pelo STF
Como o sr. avalia o pedido de verificação extraordinária feito pelo PL ao TSE, em mais uma tentativa de não aceitar o resultado das eleições?
A gente avalia que todo este processo pós-eleitoral, inclusive essa sandice apresentada pelo PL, tem um objetivo: manter esse grupo de gente tresloucada mobilizado. É um movimento para manter a tropa mobilizada. Qualquer pessoa que não esteja envolvida nesta sandice, que tenha o mínimo de discernimento, vai ver como esse processo tem sido colocado não tem o mínimo de sustentação. O certo é que Lula ganhou a eleição. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem agido muito bem. Aliás, se nós conseguimos chegar até o fim desta eleição, foi muito em função do papel exercido pelo STF, mais que o Congresso e outras instituições. Acreditamos que esse fascismo que criou corpo em nosso País vai continuar tentando tumultuar. Vejo esse processo com tranquilidade e vamos preparar para assumir e consertar o País.
Os atos antidemocráticos estão recrudescendo, revelando inclusive uma faceta perigosa, com vandalismo e ações terroristas. No Tocantins, no momento, ainda tem alguma rodovia interditada?
Felizmente, não tem. Mas esse tipo de ação já era esperado. Essa maneira de se organizar é uma prática internacional desses grupos ultradireitistas, fascistas, que nós também temos. Eu sou membro do diretório nacional [do PT] e, no mesmo dia da eleição, eu escrevi um texto para nossa diretoria, alertando que a gente precisaria nos preparar, porque iria ter mobilização desse povo e uma das ações seria cercar estradas. Na segunda-feira começaram a bloquear estradas. Faz parte de uma prática de atos absolutamente ilegais, anticonstitucionais e antidemocráticos. Acreditamos que isso vai continuar acontecendo durante o governo Lula, como maneira de sabotar o governo. Quem está fazendo isso não são caminhoneiros, não são trabalhadores, mas um grupo organizado, sustentado por empresários do agronegócio muito fortemente, as apurações levam a isso. O atual governo deu total cobertura e “passou a boiada”. Então não há nenhuma fiscalização a respeito de crime ambiental, de crime trabalhista, de aplicação dos recursos. Não é à toa que são essas empresas fortemente subsidiadas pelo Estado, não pagam impostos, e a gente acredita, e as investigações comprovam, que eles usam parte dos recursos públicos pra fazer essas manifestações.
A gente precisa estar atento, não é pouca coisa. O fascismo só tem chance de prosperar se consegue ficar raiz na classe trabalhadora. Ele [Bolsonaro] conseguiu parte disso para votar, mas não conseguiu esse apoio para dar o golpe. Se a gente for analisar a história do fascismo em todo o mundo, como agora na Ucrânia, na Itália, na Hungria, foi assim que ocorreu quando conseguiram sustentação na classe trabalhadora. Aqui, conseguiram parte dos trabalhadores para votar, mas não para o enfrentamento, que era o desejo deles. Por isso que é uma coisa perigosa. Nosso governo precisa resolver a economia, mas não podemos esquecer que há uma parte da população enganada com essa pauta antidemocrática e prejudicial ao nosso País.
O agronegócio se modernizou na tecnologia, mas não nos costumes
O que explica essa postura radical do agronegócio, que viveu nos governos do PT um de seus melhores momentos da história? Perderam a memória ou a pauta não é econômica?
Não há outra explicação que não seja a economia. Historicamente o setor ligado à terra, as oligarquias ligadas à posse da terra, em todos os países são aquelas mais atrasadas, mais conservadoras, entre todos os outros segmentos sociais. Se você for analisar a guerra dos Estados Unidos, também o que aconteceu nos países europeus e africanos, é possível verificar que o segmento mais atrasado está no campo.
O agronegócio, como se chama hoje, se modernizou na tecnologia, mas não nos costumes. Esse segmento, por mais que tenha sido fortalecido no governo do presidente Lula – e foi nosso governo que criou condições para uma expansão do agronegócio – sabe que também protegemos o meio ambiente, as reservas indígenas, fizemos reforma agrária. Hoje não existe mais isso. O agronegócio entrou de tal maneira nesse governo que não há nenhum controle do Estado sobre isso. Se a gente observar os órgãos ambientais, 98% deles estão perdendo prazos para manifestações em ações que deixaram de ter acompanhamento. A reforma agrária parou no País, não existe mais. Quando mais avança a ocupação da monocultura da soja, mais se expulsa gente do campo. E teria de ter uma contrapartida de disponibilizar terras para assentar agricultores expulso do campo.
É essa exploração capitalista, ultrasselvagem, sem nenhum controle, que fez com que este segmento do nosso País, que não comporta muita gente, mas comporta muito dinheiro, aderisse às propostas deste governo. Despejam veneno como nunca, desmatam como nunca, poluem como nunca, exploram os trabalhadores como nunca, e é isso que fez com que esse segmento – que não paga impostos, que é um grande prejuízo para todos os Estados e para as cidades, que goza de privilégios – embarcasse na pauta fascista.
Como o sr. avalia a proposta do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (UB), de taxar atividades do agronegócio que são isentas de impostos? É o começo de um debate necessário?
Pois é, você sabia que no Tocantins já tem? No Tocantins tem essa cobrança, fixada pelo governo [Mauro] Carlesse. Eu faço esse debate aqui [na Assembleia Legislativa] há mais de 10 anos. Na época do governador Carlesse ele mandou um projeto de lei a nosso pedido e instalou isso aqui. Nós temos uma lei que taxa os produtos que são beneficiários da Lei Kandir, ou seja, que não pagam impostos, produtos de exportação, em 0,2%. Só que isso é muito pouco. O governo de Goiás fez uma lei parecidíssima com a daqui, quase igual. Vai neste sentido, só que lá ele a taxa será de 1,65%. Com esse percentual, já vai alcançar uma arrecadação para a manutenção das estradas de R$ 1 bilhão aproximadamente. Eu vou propor aumentar o porcentual daqui. Já solicitei à Secretaria da Fazenda para nos informar quanto arrecada, que é muito menos. O fato é que essa exploração do meio ambiente sem controle afeta também a infraestrutura. Não é justo que, no Tocantins, menos de 3 mil produtores de soja dominem milhares de hectares e utilizem caminhões com sobrecarga, sem que respeitem nem o meio ambiente nem as estradas e nós tenhamos de pagar por isso. A argumentação do governo de Goiás vem do Paraná, que tem uma taxação forte, que acho até excessiva. Para ter ideia, da soja se cobra 33%. Eu penso que é o caminho, não é justo ter um modelo extremamente concentrador de riquezas gerando riquezas pra poucos e pobreza pra milhões. E esses milhões ainda tem de pagar pelos estragos dos outros? Isso não é correto.
Como o sr. avalia o trabalho de articulação que vem sendo realizado pelo gabinete de transição do governo Lula?
A transição é uma lei. Tem de ter transição. Como nos organizamos para essa transição? Estive algumas vezes em Brasília participando desse processo. A transição é composta por 50 pessoas que são nomeadas. Quem tem cargo eletivo não pode ser nomeado. Depois de nomear essas 50 pessoas, cria-se um grupo de trabalho, no nosso caso, voluntário. Nós criamos dois tipos de grupo de trabalho voluntário. O primeiro faz assessoria e o segundo é formado por técnicos. Esses grupos contam com gente de todo o País. Eu participo ativamente de três discussões: cidades – voltada à moradia –, meio ambiente e agrário. Nós temos envolvidas com este trabalho mais de 600 pessoas nos 31 grupos montados.
Nós vamos ter de punir os criminosos que tomaram conta deste País
Como é possível avançar nesse trabalho com a sonegação de informações e um apagão de dados que está sendo denunciado inclusive pelo Tribunal de Contas da União (TCU)?
Temos encontrado enormes dificuldades com a negação de informações. O TCU tem sido fundamental nesse processo, porque tem repassado dados que o governo nega. O fato é que vamos ter de fazer de imediato o que se fala na imprensa, um “revogaço”. Esse governo irresponsável está criando várias portarias internas para poder dificultar. Está tentando nomear pessoas para ocupar postos e tentar impedir o governo de avançar. Essa é a prática dos fascistas. Não vamos conseguir captar todas as informações, essa semana mesmo, está sendo preciso ir ao Ministério da Saúde porque não tem informações. É uma luta como foi a luta eleitoral. Isso não vai atrapalhar nem atrasar. Isso prejudica a equipe, que precisa trabalhar com dados, mas nós estamos prontos para governar, nós sabemos governar, temos quadros e vamos fazer um grande governo, voltando o País à convivência internacional. Eu e muitas lideranças do nosso partido têm defendido que pacificar este País não significa deixar de punir os criminosos. E nós vamos ter de punir os criminosos que tomaram conta deste País, que tomaram conta deste governo.
Como o sr. vê esse ambiente da transição como espaço de entendimentos com vistas à composição da Esplanada dos Ministérios? Há algum indicativo neste sentido, inclusive dos cargos de representação no Tocantins?
Têm horas que eu até me surpreendo. Parece que se criou no imaginário popular que quem está participando da transição vai ocupar cargos no governo. Eu não vejo nenhuma relação com isso. Sinceramente não vejo. A tomada de decisão será outra. Também não podemos desconsiderar que pessoas que estão sendo indicadas são figuras preparadas, tarimbadas, totalmente preparadas para ocupar espaço.
Este governo atual desconstruiu os órgãos públicos
Esse governo desconstruiu os órgãos públicos. As políticas públicas dos órgãos. No Tocantins, como nos outros Estados, não existe nenhum cargo comissionado. As pessoas não sabem disso. Os órgãos não têm cargos comissionados. Ele acabou com tudo. Por exemplo, quem é o superintendente do Incra, que é responsável pela reforma agrária, processo de que eu participo e conheço bastante? Não existe nenhum cargo comissionado do Incra do Tocantins. Só existe o superintendente, que é um cargo lá em Brasília, que é nomeado lá e exerce a função aqui. Isso acontece em todos os órgãos. Não existe superintendente da Caixa [Econômica Federal], olha o absurdo que é. Destruíram as políticas públicas e desestruturaram os órgãos. As pessoas não sabem disso. Hoje existe zero cargo federal no Tocantins.
Que avaliação o sr. faz do desempenho eleitoral do PT no Tocantins? Pela primeira vez desde 2002, o partido não terá representação na Assembleia Legislativa.
O resultado eleitoral para nós foi um desastre, isso está claro. O percentual de votação não foi desastre. Estados que elegeram parlamentares tiveram menos porcentual de votos do que nós. Como isso é possível? Nos Estados que têm 8 deputados federais e 24 estaduais, o porcentual de voto para eleger é muito alto. E isso dificulta pra gente. Se não houvesse a federação, o PT teria saído muito fortalecido desta eleição, com a votação que teve. Com a federação, fomos muito prejudicados. Vou dar um exemplo: nós tivemos mais da metade dos votos para deputado da federação e não elegemos nenhum deputado. A nossa chapa de deputado federal foi a mais prejudicada, porque o PT teve quase 98% dos votos da federação para deputado federal, as candidaturas dos outros partidos infelizmente foram candidaturas que não tiveram sucesso. Nós disputamos esta eleição com cinco candidatos a deputado federal de nove, porque dois tinham que ser do PCdoB e dois do PV. Juntando as quatro candidaturas, não deram 2 mil votos. É uma lei nós tínhamos de respeitar. Quando você analisa a votação nas duas chapas, tanto estadual quanto federal, foi boa. Foi, proporcionalmente, maior do que a de Goiás. E lá elegemos dois deputados federais e três deputados estaduais. Faltaram 12 mil votos para a gente fazer um federal e 20 mil votos para fazer dois e nós chegamos a isso com apenas cinco candidatos, não tínhamos uma chapa completa. Foi uma estratégia nacional, o partido no Tocantins não concordou com a federação, mas perdemos na votação da matéria e tivemos que cumprir.
O sr. se despede da Assembleia Legislativa no encerramento de seu terceiro mandato. Que balanço o sr. faz da sua atuação no Parlamento tocantinense?
Muita gente pergunta por que larguei uma eleição garantida para deputado estadual arriscando candidatura a deputado federal. Era objetivo prioritário do partido eleger uma bancada federal. A chance de eleger um deputado federal ou de ampliar era se eu fosse candidato. Tenho um trabalho consolidado no Estado muito forte. Foi uma eleição atípica, com recursos financeiros extremamente altos, e isso influencia na hora da votação. Na votação, ficamos por pouco para fazer um deputado federal e muito perto de eleger dois.
Nosso grupo acreditava na eleição. Eu tenho um trabalho muito firme junto aos trabalhadores em todas as áreas, da reforma agrária, da agricultura familiar, dos movimentos sociais, essa é a nossa base. A gente vai continuar esse trabalho, que tem sido muito positivo. O que a gente conseguiu construir esse neste Estado é algo significativo. Hoje mesmo falamos sobre Goiás, veja que é uma pauta da qual venho falando há dez anos. Os trabalhadores vão ser prejudicados porque vai perder uma voz aqui na Assembleia. Esses 12 anos em que fui deputado foram muito proveitosos e produtivos para nosso partido, para os trabalhadores, e a gente vai continuar lutando. Em outro nível, mas vamos continuar lutando.