Renúncia, o começo do fim

13 março 2022 às 00h00

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O homem mais poderoso do Tocantins termina o governo acuado tendo que trocar o mandato para tentar salvar a biografia

O homem mais poderoso do Tocantins, que dizia ter vencido quatro eleições em menos de um ano, que desmantelou a Polícia Civil do Estado, enquadrou delegados, forjou crime de tráfico de drogas e tentou entregar à iniciativa privada o tesouro do Jalapão, termina o governo de forma melancólica, para não dizer, constrangedora, tendo que entregar o mandato para tentar salvar biografia.
De quebra se vingou dos deputados, velhos aliados que rebelaram contra ele, tirando-lhes o palanque do impeachment. A possibilidade de manter os direitos políticos e tentar um mandato eletivo é algo ainda muito incerto.
A renúncia facilita a vida dos deputados e sobretudo, do sucessor Wanderlei Barbosa (sem partido), mas não o livre da possibilidade perda dos direitos políticos. Na verdade, Carlesse vive dias conturbados. Aliás, desde 20 de outubro de 2021, quando foi afastado do cargo por decisão do Superior Tribunal de Justiça, tem colecionado derrotas e esvaziamento do seu capital político. Talvez seja o começo do fim de uma carreira meteórica que surgiu do nada e parece retornar à origem.
O advogado Renan Albernaz que acompanha o trabalho dos deputados neste processo, analisa que a Assembleia Legislativa é autônoma e poderia prosseguir ou não com o processo. Segundo ele, já há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que a renúncia não ordenaria o automático arquivamento do processo, como no caso do presidente Collor, em que a renúncia não evitou o prosseguimento do impeachment. O advogado que previa a possibilidade de negociação política avalia que foi isso que terminou prevalecendo. “Parece haver um entendimento político no sentido de receber a renúncia num prisma de perda do objeto e arquivamento do processo”, observa.
Como diz seu ídolo e modelo inspirador, Jair Bolsonaro (PL), em seus rompantes autoritários, não tem nada tão ruim que não possa piorar. Depois de duas operações da Polícia Federal que levaram a seu afastamento por seis meses, por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se não bastasse, Carlesse teve que enfrentar o impeachment, e, decorrência deste, a renúncia ao mandato do qual lhe restavam nove meses. O que já era muito ruim acaba de piorar bastante.
Em seu parecer, Júnior Geo mencionou crimes de uso da máquina pública para interesses particulares, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, envolvimento em ações criminosas na área da saúde, desvio de recursos do PlanSaúde e Igeprev e crimes contra a segurança pública. A fundamentação, segundo o parlamentar, foram as investigações da Polícia Federal, que culminaram com o afastamento do governador pelo STJ, no dia 20 outubro de 2022.
Ressalte-se que as operações da PF foram complementares. A primeira, chamada Éris, buscou desarticular uma suposta organização criminosa, com atuação na Secretaria de Segurança Pública, que obstruía investigações e vazava informações aos investigados. A segunda, denominada Hygea, buscou desmantelar um suposto esquema de pagamento de vantagens indevidas relacionadas ao Plansaúde, plano de saúde dos servidores do Estado.
A aprovação por unanimidade do parecer do relator, deputado Júnior Geo (Pros), favorável ao prosseguimento do impeachment, representou um duro golpe nas pretensões do governador, que já contava como certo o retorno ao comando do Palácio Araguaia no dia 20 de abril. O ex-governador queria ter a oportunidade de encerrar o seu mandato, podendo agradecer o apoio que recebeu durante os quatro anos em que esteve à frente do Palácio Araguaia. Mas é certo que aproveitaria também para se vingar dos que chama de “traidores”, deputados e auxiliares que lhe foram leais até o dia em que deixou de ocupar a cadeira de chefe do Executivo estadual. Depois da votação por unanimidade Carlesse sentiu que está sozinho. Neste caso, a renúncia embola o meio de campo, frustra o impeachment e pode criar novas perspectivas.
No documento Carta de Renúncia de Mandato Político o ex-governador declara que “a renúncia ao mandato de governador do Estado do Tocantins tem por finalidade precípua apresentar a forma tranquila e serena sua defesa junto ao Poder Judiciário em relação às injustas e inverídicas acusações que lhe foram imputadas sempre se apoiando em fundamentos constitucionais que asseguram em primeiro lugar o princípio da presunção de inocência e de não culpabilidade, e, em segundo plano, a estrita observância ao princípio do devido processo legal, de que a ampla defesa e o contraditório constituem projeções nucleares”.
O ex-governador, em sua carta, “declara ainda, que a renúncia, ao mandato de governador do Estado do Tocantins é prova não somente de abnegação ao cargo público, mas também de postura voltada à estabilidade política, econômica, fiscal e jurídica para o Estado do Tocantins, marcas dominantes de toda a sua gestão enquanto governador”, frisa.
Por fim o ex-governador faz um agradecimento as todos os cidadãos do Estado do Tocantins, auxiliares diretos, indiretos, outros poderes e imprensa, pela colaboração durante os três anos e 10 meses que esteve à frente do governo do Tocantins em que segundo ele “recolou o Tocantins nos trilhos do equilíbrio fiscal, financeiro e administrativo”.
Trajetória
O governador Carlesse enfrentou uma eleição relativamente fácil por conta da situação de instabilidade política, provocada pela cassação, pela segunda vez, do mandato do governador Marcelo Miranda (MDB) e da vice-governadora Cláudia Lelis (PV), em 2018. Carlesse era o presidente da Assembleia Legislativa na ocasião, e, por direito constitucional, caberia a ele assumir o comando do governo. Convocou eleição suplementar para junho, 2018, concorreu e venceu. Em outubro, concorreu à reeleição e venceu no segundo turno.
Carlesse teve uma ascensão política meteórica. Em 2012, disputou as eleições de Gurupi, em sua estreia política avalizada pelo siqueirismo, e perdeu. Em 2014, foi candidato a deputado estadual e conseguiu se eleger. Na eleição da mesa diretora da Assembleia virou o candidato ideal para vencer um candidato governista. Carlesse foi o nome apontado pelo deputado Eduardo Siqueira Campos, que articulou a eleição. Sua qualidade era ter dinheiro para se bancar. E foi assim que conquistou a presidência da Casa, tornando-se substituto do governador em caso de vacância.
Carlesse se considerava um vitorioso. Dizia que tinha disputado quatro eleições em um ano e vencido as quatros. Contando a eleição suplementar em dois turnos e a eleição de 2018 em dois turnos. Disputou, de verdade, apenas uma eleição. Assim mesmo, como favorito do começo ao fim da corrida, pela força da máquina administrativa. O empresário-fazendeiro paulista, um ilustre desconhecido no Tocantins, viu o poder cair em seus braços e deixou-o subir à cabeça. Era um homem simples e até meio rude; com o poder, passou a ser grotesco e arrogante. Deu no que deu.