“Privatização da Celtins foi um grande equívoco do governo”

15 março 2014 às 10h34

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Presidente da CPI da Celtins, que investiga rombo de R$ 50 milhões que levou a empresa à falência, afirma que a privatização foi lesiva ao patrimônio público e é a principal responsável pelos tocantinenses pagarem uma das energias mais caras do País

Ruy Bucar
O deputado José Roberto Forzani (PT), que preside a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Celtins, que investiga um rombo de mais de R$ 50 milhões que levou a empresa de energia elétrica do Estado à falência, está convicto de que a privatização da companhia foi um equívoco do governo. O deputado explica que o modelo da privatização é altamente lesivo ao patrimônio público do Estado e que levou a um prejuízo incalculável, que além do rombo inclui o pagamento da segunda energia mais cara do país.
“O Estado, que é dono de 49% da Celtins, não tem nenhum poder dentro da empresa, isso é um absurdo”, denuncia o parlamentar, que diz que o grande problema da Celtins é o defeito de origem. A privatização seguiu um modelo ultrapassado que atribui todo poder à empresa privada e nenhum ao sócio público. “Como você é dono praticamente da metade da empresa e não manda em nada? Isso é o erro que permitiu o Grupo Rede fazer o que quis com o dinheiro, fazer o que quis com os investimentos, não discutiu com o Estado, tomou as decisões e levou a Celtins à bancarrota”, ressalta o deputado, atribuindo ao governo a responsabilidade por todo o processo.
No campo político, o deputado observa que o quadro das eleições ainda está indefinido. Avalia que nem governo nem oposição têm candidato. “Eu creio que o governo do Estado não tem candidato. O secretário Eduardo Siqueira Campos, pela sua rejeição, não demonstra nenhuma possibilidade de candidatura. O governador Siqueira Campos, que na minha visão seria o candidato, parece-me que também não está em condições”, avalia, incluindo o deputado Sandoval Cardoso como válvula de escapa do siqueirismo no caso de desistência de pai e filho.
José Roberto reitera que o PT terá candidato próprio ao governo e o nome referendado pelo diretório depois da desistência do empresário Nicolau Esteves é do ex-prefeito de Porto Nacional, Paulo Mourão. O deputado descarta aliança com o PMDB e nega que a direção nacional do PT tenha feito exigência de coligação no Estado, a não ser a recomendação de composição com partidos da base da presidente Dilma Rousseff.
O que já foi possível à CPI da Celtins levantar em relação ao rombo de R$ 42 milhões que levou à falência da empresa?
Estamos na reta final, fizemos bastantes oitivas e análise de documentos e já temos algumas conclusões. Primeiro, a maneira como foi feita a privatização trouxe grandes prejuízos para o Estado, que é dono de 49% da Celtins, mas não tem nenhum poder de voto, no máximo de opinião. O Grupo Rede, que era dono de uma série de concessionárias de energia e de outras empresas, administrou a Celtins como sendo parceira ou muita das outras empresas, e muito dinheiro da Celtins foi colocado para outras empresas, o que trouxe prejuízo para a companhia do Estado do Tocantins. E esse patrimônio não é do grupo Rede, é um patrimônio do governo do Estado, ou seja, do povo tocantinense. Então há dívidas de outras cessionárias com a Celtins que até hoje não foram pagas e muito provavelmente não serão pagas, e outras serão pagas a longo prazo. É uma gestão temerária no nosso entender, que traz grandes prejuízos.
Outra coisa que é importante afirmar é sobre as taxas da energia, a Celtins adquire energia mais cara que as outras e essa é a principal razão para que a energia seja cara aqui no Estado. Ela adquire no mercado porque o governo coloca o teto máximo das aquisições através dos leilões e a Celtins sempre está no teto máximo. Em média, o que a gente pode analisar, a Celtins paga pela energia 20% mais caro que os outros e não deu para ter certeza se isso faz parte de um jogo contábil ou não, mas o fato é que paga mais caro que os outros e esse é um dos motivos que faz com que a nossa energia seja mais cara.
Isso tem relação com o fato do grupo ter empresa que comercializa energia?
Há indicativos nesse sentido. Nós não conseguimos aprofundar nisso, mas o preço da energia é composto por essa energia comprada mais cara e por uma despesa operacional, o que é muito confusa, nem o técnico do TCE conseguiu decifrar, que também eleva a nossa energia. Então uma das recomendações que vamos fazer para a Aneel [Agência Nacional de Energia Elétrica] é que essa fórmula, que são diversos itens a compor o preço, seja mais clara, diminua isso para que a gente tenha uma clareza. Não tem como justificar na economia de hoje uma inflação de 4 a 6% no máximo e todo ano um aumento de 12, 13%. Não há custo operacional, não há preço de energia que justifique. Então detectamos isso e vamos fazer essas recomendações, vamos encaminhar para o Ministério Público e fazer as recomendações à Aneel para que mude essa maneira de calcular, porque fica difícil acompanhar e fica muito na mão das empresas essa composição da Aneel.
E em relação ao sumiço de R$ 42 milhões, motivo da apresentação da CPI? Qual foi o destino deste dinheiro?
Na realidade foram mais de 42 milhões. São dois depósitos que a Celtins tinha, R$ 10,5 milhões no Banco Daicoval e R$ 41,5 milhões no Big Banco de Investimentos. Esse dinheiro foi tirado por esses bancos exatamente por causa da holding. O Grupo Rede dava uma carta branca para os bancos para poder cobrar o dinheiro de quem tinha. A Celtins não tinha dívida, a Celpa (Cia de Energia Elétrica do Pará) tinha dívidas, o banco foi lá e pegou o dinheiro. A própria Celtins, depois da intervenção, entrou na Justiça, não recebeu o dinheiro ainda, mas já tem a primeira decisão favorável do Tribunal Regional para que o Banco Daicoval devolva esse montante corrigido, esses R$ 10,5 milhões. E o maior, os R$ 41,5 do BIG Banco, também deve trilhar por esse caminho. Esse dinheiro foi retirado para pagar a conta da empresa no Pará e não podia fazer isso. A lei não permite esse tipo de coisa. Conseguimos identificar, foi esclarecido. Então a intervenção na Celtins entrou com a ação e a gente espera este ano ainda receber o dinheiro de volta.
O Tocantins foi o primeiro Estado a privatizar a energia elétrica e 20 anos depois o que foi vendido como medida estratégica para alavancar investimentos para o setor virou rombo que levou a empresa à falência. Faltou fiscalização, ou foi algo criado para transferir dinheiro público para particulares, ou seja, com defeito de origem?
Eu creio que na origem foi feito tudo errado. O Estado, que é dono de 49% da Celtins, não tem nenhum poder dentro da empresa, isso é um absurdo. Como o Estado, há 20 e tantos anos, faz uma privatização e não tem poder? Delegam o patrimônio público a empresas (privadas) e outras pessoas fazem o que querem? Não tenho dúvida que a privatização trouxe grande prejuízo para o Estado. E não era foco dessa CPI, mas nós vamos fazer uma recomendação para reavaliar esse processo de privatização. Ele foi equivocado, trouxe prejuízo para o Estado, que não tem condições de fazer nada porque o Grupo Rede domina tudo. Como você delega, se você é dono praticamente da metade e não manda em nada? Isso é um erro e o Grupo Rede fez o que quis com o dinheiro, fez o que quis com os investimentos, não discutiu com o Estado, tomou as decisões e levou a Celtins à bancarrota, levou a Celtins ao prejuízo. Hoje é uma empresa quebrada e está funcionando por causa da intervenção. Com a venda agora, que provavelmente vai ser consolidada para a Energiza, vai ter incremento de dinheiro para retomar a Celtins. Se não tivesse ocorrido a intervenção talvez estivéssemos sem energia, porque a empresa não tinha nenhuma condição de cumprir o trabalho mínimo de manutenção da rede de energia elétrica nas nossas casas.
O que o sr. espera de resultado da CPI?
Muitas vezes as pessoas pensam que a CPI pune, a CPI não pune. Ela só faz o levantamento e encaminha as conclusões para o Ministério Público, que tem condições de levar as ações. A CPI fez esse levantamento e eu achei muito interessante, nós escutamos bastante e através da CPI temos muito mais conhecimento de como funciona o sistema elétrico do Estado, a maioria das leis são federais, mas que dá base para discutirmos um modelo do Estado, um modelo que seja menos traumático e menos prejudicial à população. Isso é um enriquecimento que fica para a Assembleia e para o povo tocantinense e eu creio que a CPI cumpriu o que ela se propôs a fazer. Descobrir desvios, compreender um pouco, ver a questão das tarifas, ver o impacto disso nos programas do governo federal. Vamos chegar a conclusões em todos os pontos e encaminhar para que o Ministério Público tome as ações, para a Aneel, e a gente vai ajudar o Ministério Público para resolver o problema grave da Celtins.
Como o sr. avalia a promessa do governador Siqueira Campos de reduzir o preço da tarifa de energia? Se quisesse teria condições ou não é tão fácil assim?
Quando falou isso, o governador falou por ignorância ou para enganar o povo do Tocantins, só existem essas duas opções. Mas só há uma razão já que o Estado não tem nenhum domínio sobre a Celtins, se tivesse poderia estar contribuindo para abaixar os preços, como ele não tem controle nenhum pela privatização a única maneira seria reduzir o ICMS e isso parece que ele se nega a fazer. Então como ele não controla a empresa, ela quem fala quanto é o custo o Estado ele só tem um jeito, diminuir o ICMS, que é um dos itens que compõem o preço da energia.
Mudando para política, como estão as articulações do PT, o primeiro partido a ir para as bases, ouvir, consultar, mas está hoje sem candidato depois que o empresário Nicolau Esteves saiu da disputa?
O PT nesses últimos oito meses tem discutido e é decisão partidária a candidatura própria. Essa decisão já foi tomada pela grande maioria, quase 100% do partido. Nós temos dois pré-candidatos, o Nicolau (Esteves) e o Paulo Mourão. Se o Nicolau não for candidato por razões pessoais, o nosso será o Paulo Mourão. E queremos levá-lo até a eleição e buscamos acertar isso antes, e o PT não vai esperar julho. Na reunião da Executiva e os movimentos sociais que vamos fazer este mês é exatamente para decidir a nossa posição e para trabalharmos. Visitamos 74 municípios pela caravana e partir das decisões que vamos tomar reiniciaremos as visitas os outros municípios que faltam.
A direção nacional tem recomendado não só para o Tocantins, mas no Brasil todo que nos Estados a preferência é o PT fazer uma aliança com o PMDB. Aqui a direção tem dito que não é possível, mas dentro do diálogo ainda é viável falar dessas possibilidades, ou está definitivamente descartado?
Não, não, o que há são conversas, mas a direção nacional em nenhum momento colocou que o PT daqui tem de coligar com o PMDB. Dirigentes nacionais conversaram com dirigentes do Estado, estamos agendando uma reunião e aí se saberá a posição daqui. O Tocantins é uma célula do tecido petista e nós estamos dentro da mesma estratégia. As conversas que estamos tendo são com partidos da base da presidente Dilma. Temos grandes dificuldades em nos aproximar do PMDB pela presença da senadora Kátia Abreu e pela bagunça que está o partido, o clima de indefinição lá. Agora está o Leomar Quintanilha na presidência, não sei como ele está conseguindo conduzir, mas o PT daqui não tem nenhum contato com o PMDB. Nós temos muitas dificuldade e diria que quase 100% do partido tem forte resistência em ter qualquer aproximação com senadora Kátia Abreu.
Como vai ser a disputa eleitoral?
O governo do Estado não tem candidato. O secretário Eduardo Siqueira Campos, pela sua rejeição, não demonstra nenhuma possibilidade de candidatura. O governador Siqueira Campos, que na minha visão seria o candidato, parece-me que também não está em condições. Por parte do governo o candidato será o governador Siqueira ou o Sandoval Cardoso. Dos outros partidos devem sair mais uns dois ou três candidatos. Posso afirmar é que o PT terá candidatura própria e nós iremos com essa candidatura com partidos aliados. Talvez a configuração colocada hoje não seja a que vai se dar em julho, mas uma coisa é certa: o nosso partido terá candidatura própria.