Odir Rocha, o mineiro-goiano de alma tocantinense
08 maio 2022 às 00h01

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Um médico que sabia como ninguém auscultar o povo simples à sua maneira, às vezes ingênua mas sempre verdadeira, de se comunicar

Médico dedicado, de visão humanista e alma generosa. Um líder político coerente, gestor sensível e criterioso que sabia dizer “não” com tal firmeza e sinceridade que deixava o interlocutor satisfeito. Um estudioso, leitor voraz, observador atento. Um escritor que soube como ninguém tocar a alma da tocantinidade.
Manuel Odir Rocha, um homem simples, metódico, apegado à natureza, vivia de bem com a vida em seu refúgio encantado, uma propriedade rural em Taquaruçu Grande – o Sítio Shangri-lá, encravado na Serra do Carmo. Lá cultivava, livros, amigos, flores e plantas.
Contava com empolgação que encontrara vestígios de civilizações antigas no quintal de casa, pinturas rupestres e artefatos líticos, e que Taquaruçu Grande tinha sido paradeiro de povos antigos. Odir tinha razão. Estudos recentes realizados por arqueólogos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) encontraram sítios arqueológicos em sua propriedade e pinturas rupestres na região.
Entusiasmado mesmo Odir era com uma onça que esturrava na serra ao fundo do Sítio Shangri-lá. Nós éramos vizinhos e sempre que nos encontrávamos ele tinha algo novo para contar das presepadas da “nossa onça”, como ele dizia, já que ele me incluía entre os criadores do felino. Uma vez, seu criatório de bodes amanheceu uma carnificina só, com animais mortos e outros desaparecidos. Para ele, era confirmação das suspeitas de que havia onça na região. Não parecia chateado com os prejuízos; pelo contrário, estava feliz da vida por morar numa região habitada por onças.
Odir era um intelectual crítico, inconformado e sempre disposto a botar a boca no trombone para expor o que chamava de absurdo e falta de compostura de determinadas figuras públicas que não faziam por merecer serem chamadas de autoridades.
Foi um dos incentivadores da criação do Movimento de Proteção ao Córrego Taquaruçu, que deu origem à criação da ONG Água Doce, que luta pela salvação das nascentes que abastecem Palmas de água potável. Também era entusiasta da ideia de estruturação do Polo Turístico de Taquaruçu, que consolidou o distrito com um destino turístico brasileiro.

O primeiro contato que tive com Odir Rocha foi numa manhã de setembro de 1989, em Colinas do Tocantins. Era uma audiência pública da Constituinte do Tocantins. Em seu discurso de abertura da sessão, o então prefeito o registrou. Estavam ali em sua cidade 11 deputados, juntos, numa mesma ocasião. Um fato histórico. Nunca antes Colinas tinha recebido uma caravana de parlamentares tão numerosa.
“Agora sim, acredito que o Tocantins foi criado, a história mudou”, exclamou o jovem prefeito, entusiasmado com a presença de tantos parlamentares. Era o registro de uma percepção clara da transformação do norte de Goiás em Tocantins.
Em 1996 tive a oportunidade de participar de seu palanque como candidato a prefeito de Palmas. Eu era presidente do PDT metropolitano e o partido, que já se posicionava contra o siqueirismo, aceitou apoiar o candidato da coligação siqueirista num gesto de confiança ao candidato e não ao seu grupo de apoio. Odir foi eleito e nascia ali uma amizade que duraria até seus últimos dias.
Odir era acima de tudo um exímio contador de história. Adorava contar causos vividos nos ambulatórios da vida ou nos palanques e bastidores do poder. Deixo aqui alguns trechos dos seus contos, que integram a bela obra, Auscultando a Vida (2008, 2ª edição):
O delegado Bonifácio, tanto era preguiçoso quanto obeso. Fora nomeado pelo famoso QI, não do que possuía, que deveria ser baixíssimo, mas do que Quem Indica, já que o costume da época era utilizar exclusivamente o critério de indicação”. (Um tiro, na bestunta)
Vez por outra, alguém lembrava de um fato ou de uma situação vivida pelo grupo, na juventude.
– Vocês se lembram dos furtos das carambolas na casa do Padre Flório? Professor Pitágoras tentava amainar a pesada atmosfera reinante.
– E da noite em que trocamos as placas da cidade: a do açougue foi parar no consultório do dentista; a da padaria, no açougue; e da farmácia, na casa do Jacinto sapateiro – relembrou Maneco.
Risos, não tão convincentes, descontraíram timidamente aquele ambiente constrangedor. (Mascotinha).
Mulherzinha franzina, anêmica que só. Branca que nem vela de estearina, oriunda de sebo ruim. Pirracenta e teimosa, igual cururu do brejo. Nunca deixava a farinha por menos. Se fosse nos tempos de hoje, dir-se-ia que rodava a baiana por qualquer não sei o quê.” (Mariinha do Lau)