“Há muito a ser feito, mas não estamos parados”
17 março 2019 às 00h00

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Secretário executivo da Secretaria de Saúde fala dos avanços no atendimento e admite que ainda há problemas a resolver

O médico Edgar Tollini foi convocado pelo governador do Estado do Tocantins, Mauro Carlesse, tão logo assumiu a gestão, em abril de 2018. O objetivo era claro: aproveitar toda sua experiência para auxiliar na condução da Secretaria de Saúde. Inicialmente nomeado subsecretário da pasta, cargo que teve sua nomeclatura posteriormente alterada para secretário executivo. Em janeiro de 2019 recebeu nova missão do Palácio Araguaia, desta feita para gerir e responder cumulativamente pela Direção do Hospital Geral Público de Palmas (HGPP).
O currículo de Luiz Edgar Leão Tollini não poderia ser mais apropriado para as funções. Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Goiás em 1989, exerceu cargos de gestão em tecnologia, administração e saúde, entre 2004 e 2010 no Governo do Estado de Goiás. Entre 2012 e 2013 serviu ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), no Rio de Janeiro. A partir de 2016, assumiu a direção do DAHU do Ministério da Saúde em Brasília-DF. Já em 2017, voltou a Goiás para exercer as funções de secretário da Saúde de Aparecida de Goiânia-GO.
Como foi sua experiência de gestão em saúde no Estado de Goiás, ainda no governo de Alcides Rodrigues, iniciado em 2006?
Trabalhei, naquela época, na gestão dos medicamentos de alto custo. Gastava-se R$ 120 milhões por ano para atender 22 mil pacientes, que utilizavam cerca de 100 fármacos desta natureza. Finalizamos o trabalho, um ano e meio depois, economizando – comprovadamente – R$ 39 milhões por ano.
É que quando assumi o cargo, o Governo do Estado estava desmoralizado e sem crédito. Por tal razão, não comprávamos diretamente dos laboratórios de grande porte e este fator majorava o preço do produto final, na medida em que adquiríamos os medicamentos de distribuidores. Estávamos entre os piores compradores de medicamentos de alto custo no Brasil, figurando em 23º lugar entre todos os entes federados. Quando deixei o cargo, o Estado de Goiás era o melhor comprador – reconhecido pelo Ministério da Saúde – como aquele que mais evoluiu, economizou e quitou regiamente os empenhos assumidos com dezoito laboratórios cadastrados. Muito além de eliminarmos a aquisição por intermédio de distribuidores, contávamos com 90% dos medicamentos de alto custo, em estoque.
Por quais razões o Sr. deixou o cargo no Governo de Goiás?
Tenho cidadania italiana e, no final de 2007, havia feito projetos de me aperfeiçoar, no ramo da Medicina, em Milão. Contudo, após novo convite do governador Alcides Rodrigues, assumi outro cargo na gestão na extinta Agência Goiana de Negócios Públicos, que hoje é a Secretaria de Administração. Permaneci no cargo até meados de 2010, exercendo as funções e atribuições voltadas para a gestão da folha de pagamento, empréstimos consignados – que também se tornou referência em adimplência – além de recadastramento de mais de 160 mil servidores e, por fim, a implementação dos Planos de Cargos, Carreiras e Salários dos servidores públicos, promulgados no governo anterior de Marconi Perillo, contudo, ainda sem efetividade, à época. Foi uma árdua tarefa colocar os referidos planos em ação, contudo, conseguimos fazê-lo sem greves ou outros percalços.
E quanto aos serviços prestados como membro do Comitê Olímpico Brasileiro?
Isto ocorreu a partir de 2012 no Rio de Janeiro. Houve uma seleção pública e eu fui um dos médicos qualificados entre os mais de 150 concorrentes. Foi um período muito curto – apenas um ano –, entretanto, muito proveitoso e de muito aprendizado. Tive que retornar a Goiânia em 2013 por questões pessoais.
E a sua experiência junto ao Ministério da Saúde?
Riquíssima, sem dúvida. Recebi o convite do então ministro Marcelo Castro, antes do impeachment ocorrido em abril de 2016. A instabilidade política atrasou um pouco a posse, todavia, em junho assumi as funções de diretoria no Departamento Hospitalar de Urgência e Emergência do Ministério da Saúde, conhecido popularmente como DAHU, um dos setores mais importantes daquela Pasta.
Tive uma experiência exitosa, pois deixei como legado a Portaria nº. 10, que tratou da flexibilização e redução da exigência quanto ao número de médicos das UPAs [Unidade de Pronto Atendimento]. Naquela época, havia cerca de 1.150 UPAs e 200 delas fechadas, visto que muitos prédios estavam construídos, contudo, as prefeituras não tinham condições de colocá-las em funcionamento, face ao alto custo operacional dos profissionais e da própria unidade, como também o valor dos equipamentos médicos.
Inobstante a isso, consegui, após muitos esforços, renovar a frota de mais de 1000 unidades do Samu [Serviço de Atendimento Móvel de Urgência]. O ministério fornecia o veículo, entretanto, a comprovação do quadro técnico de médicos, motoristas e operadores, manutenção, seguros, etc, ficavam a cargo do município. Muitas vezes esses requisitos não eram preenchidos pelos gestores. Neste caso, as cidades, acabavam por ficar sem uma nova ambulância de Samu, mesmo havendo disponibilidade delas, por parte do Ministério da Saúde.
Por fim, ao final de 2016, o grande legado foi mesmo a habilitação dos leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva], bloqueadas desde 2015 pela ex-presidente Dilma [Rousseff]. Habilitamos uma grande quantidade, entre as quais, muitas para o Estado do Tocantins. Este foi um fator que modificou e humanizou o atendimento da saúde no Brasil.
A boa relação e o protagonismo no Ministério da Saúde o levaram a ser indicado para ser o médico do governo brasileiro responsável por ajudar no resgate dos sobreviventes do fatídico acidente aéreo da Chapecoense, ocorrido na Colômbia…
Sim, fiz este trabalho com muita tristeza, apesar da repercussão do lamentável acontecimento. Fui convocado pela presidência da república e pelos Ministros da Defesa e da Saúde para assumir a coordenação médica daquele resgate. Conseguimos liberar o atleta Alan Ruschel e o jornalista Rafael Hanzel, uma verdadeira comoção nacional. Foi uma experiência ímpar, mas, convém aqui ressaltar o comprometimento da classe médica colombiana, que tudo fez para que a vida dos seis sobreviventes [quatro brasileiros e dois bolivianos] fosse preservada.
Por que esse trabalho no Ministério não teve sequência?
Fui praticamente intimado pelo prefeito de Aparecida de Goiânia, Gustavo Medanha, para assumir o cargo de Secretário Municipal da Saúde no início de 2017. Ele fez uma gestão junto ao ministro e conciliamos no sentido de voltar para Goiás.
Permaneci por um ano e meio na direção da pasta. Conseguimos obter R$ 1,5 milhão a mais – a título de custeio – junto ao Ministério da Saúde, através da qualificação das UPAs, inaugurando-as sob a insígnia e habilitação de Porte 03, um feito inédito para uma cidade do interior de Goiás. Apenas três cidades do Brasil, que não são capitais, contam com UPAs Porte 03: Jaboatão dos Guararapes-PE, Juiz de Fora-MG e Aparecida de Goiânia-GO.
O Hospital Municipal da cidade também foi prestigiado, após fazermos gestão e obtermos o custeio dele junto ao Ministério da Saúde. Ele foi inaugurado em dezembro de 2018, diga-se de passagem, pelo presidente Michel Temer.
Houve também outros avanços na área da saúde básica municipal, todavia, é importante frisar que em todos esses anos de vida pública e ordenador de despesas, não respondo a nenhum processo sequer, no que concerne à minha conduta como gestor.
Enfim, em Abril de 2018, recebi o convite para ser subsecretário da Saúde do Tocantins.
Na sua visão, quais foram os avanços na saúde que o Estado do Tocantins experimentou após a gestão do governador Mauro Carlesse, auxiliado pelo secretário Renato Jaime e pelo Sr., na condição de subsecretário?
A rede pública de saúde do Tocantins não possui médicos qualificados para cirurgias cardiopediátricas, em que pese alguns profissionais terem participado de uma capacitação multiprofissional no HGP. Contudo, a falta de alguns requisitos, como leitos pediátricos, além da complexidade da cirurgia, por exemplo, inviabiliza tais procedimentos. Pactuamos com hospitais privados, portanto, localizados em outros Estados da Federação, tais como Minas Gerais, Santa Catarina, Goiás, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os mais de 40 pacientes de 2018 foram encaminhados para essas unidades hospitalares e conseguimos salvar muitos. Porém, houve alguns óbitos em razão das patologias serem graves e severas, normalmente associadas a outras doenças degenerativas, que culminam com o alto risco de morte. Mesmo com a melhor assistência e o melhor serviço, além de boas instalações para recuperação pós-operatória, há uma taxa de mortalidade muito alta.
Nossa obrigação, enquanto Estado, é prestar assistência, mesmo que através de judicialização, e isso, estamos fazendo. Não temos medido esforços, mesmo diante do alto custo do próprio tratamento e do transporte aéreo.
Temos discutido muito, tanto com o secretário da pasta, quanto com o governador, a repactuação dessas cirurgias com o Hospital Municipal Infantil de Araguaína – onde já existe uma contrapartida estatal. Também há conversações, bastante adiantadas por sinal, para pactuarmos com unidades hospitalares privadas estabelecidas em Palmas. O desafio é grande para implantar esse serviço em mais uma capital da região norte do país, hoje disponíveis apenas no Pará e Amazonas. Não poderemos evitar todos os óbitos, infelizmente. Mesmo que os casos mais graves sejam encaminhados aos grandes centros, o risco é alto e iminente.
Enquanto subsecretário, como é possível contribuir ainda mais para a gestão da saúde estadual?
A função principal do sub é substituir o secretário em seus impedimentos e ausências. Contudo, é possível trabalhar e resolver questões prioritárias que, muitas vezes, o titular da pasta atribui ao seu auxiliar direto. Pude contribuir, por exemplo, com substancial melhora da ala de oncologia do HGP, oferecendo melhores condições aos pacientes, como também, a articulação para retomada das cirurgias neurológicas que estavam paralisadas, com mais de 140 pessoas na fila de espera. Realizamos mais de 60 cirurgias de dezembro até fevereiro, contudo, a fila ainda conta com 100 Pacientes, ante a constante chegada de novos casos. Talvez daqui a quatro ou cinco meses esse número já esteja bem reduzido. Essa é a minha esperança, mesmo porque vamos viabilizar as embolizações em pactuação com a rede particular e isso pode nos ajudar muito. Também foi possível viabilizar o transplante de córnea e temos apenas 50 pacientes na fila de espera.
O governador tem tentado viabilizar recursos para ampliação de mais dez centros cirúrgicos no Hospital Geral de Palmas, uma vez que contamos com apenas seis centros cirúrgicos e quatrocentos leitos. Creio que brevemente conseguiremos implantá-los, visto que é prioridade absoluta desta administração e compromisso do governo. Essa unidade hospitalar é referência para a região norte, na medida em que atendemos 37 especialidades e realizamos mais de 800 cirurgias por mês.
Além disso, acompanhei de perto a retomada dos serviços realizados no acelerador linear em Araguaína, visando prestar tratamento digno de radio e quimioterapia aos pacientes oncológicos, que já foram submetidos à cirurgia e residem naquela região. O equipamento foi recentemente vistoriado pela Comissão de Energia Nuclear (CNEN) e, após as adequações recomendadas, em breve espaço de tempo voltaremos a atender os pacientes diagnosticados com câncer e que estão desassistidos neste momento.
Qual a sua percepção acerca da judicialização da saúde no Brasil?
Acompanho o tema desde 2006, quando se iniciou a judicialização no País. A primeira grande bolha foram os biológicos artrite reumatóides. Sou partidário da instalação das Câmaras Técnicas de Discussão dos Núcleos de Demandas Judiciais, a exemplo dos Estados da Bahia e do Paraná. Mas para isso, os três poderes, como também o Ministério Público, devem se unir para discutir o tema.
Creio que a judicialização é pertinente, mas há que se ressaltar que existem certos exageros. A verdade é que há alguns excessos mesmo. Sou contra, por exemplo, a ordem judicial para adquirir fármacos que ainda não foram registrados e homologados pela Anvisa, porque estão em caráter experimental. Todos têm direito a um tratamento digno, contudo, essa questão da judicialização precisa ser melhor discutida pelas partes envolvidas. Não posso concordar que a força de uma caneta possa salvar pacientes. O que salva mesmo as pessoas são as políticas públicas de saúde implantadas e geridas com responsabilidade. Muitas vezes, a própria judicialização e o bloqueio vultoso de recursos fazem cair por terra o planejamento que evitaria o desabastecimento de medicamentos.
Na direção do HGPP, quais os maiores desafios enfrentados após assumir a missão?
A saúde é direito do cidadão e dever do Estado. Está previsto na Constituição Federal. Um hospital de porta aberta e de alta complexidade como o HGPP atende pacientes de todos os Estados circunvizinhos, mesmo que a verba SUS [Sistema Único de Saúde] seja encaminhada para aquele ente federado. Há pactuação das verbas, mas não há como evitar ou bloquear o atendimento. Estamos tentando provar ao Ministério da
Saúde que prestamos serviços para pacientes de outros Estados em nossas três unidades, em Palmas, Gurupi e Araguaína e, com isso, aumentar o chamado teto MAC [Média e Alta Complexidade], contudo, não é uma tarefa simples.

Quanto aos desafios, o maior sem dúvida, foi o enfrentamento da homologação judicial da Justiça Federal para cumprimento da portaria que regulamenta a carga horária dos médicos, em 15 plantões por mês, cada um de 12 horas. Muitos pediram exoneração, em razão de compromissos em consultórios particulares, mas o certo é que ficamos, a princípio, desfalcados em algumas especialidades. Conseguimos, a muito custo, manter os plantões presenciais e o pronto atendimento aos Pacientes.
Hoje, a hemodinâmica tem fila zero e mesmo diante dessa redução de médicos, diminuímos o número de pacientes nos corredores, como também os plantões médicos, que consumia mais de R$ 1 milhão por mês e, atualmente, gastamos pouco mais de R$ 400 mil com esta despesa.
Há uma inegável realidade: resolvemos mais de 60% dos problemas da saúde do Estado, quando se trata de alta complexidade. Há problemas, não vamos negar, principalmente no concerne a ortopedia. São vários pacientes internados, aguardando cirurgia, entretanto, é preciso ressaltar que há um gargalo que precisamos solucionar. É inadmissível que em um determinado plantão, um ortopedista realize oito ou dez cirurgias, enquanto que noutro plantão, outro médico não consiga fazer duas intervenções cirúrgicas.
Há algo muito errado neste particular, contudo, estamos trabalhando para identificar essas condutas e, efetivamente, corrigir. Se alguns operam e outros não, o problema não pode ser material cirúrgico, não é mesmo? Há muito a ser feito, mas não estamos parados. Ao contrário, a tentativa de contratar especialistas ou com residência médica, como também remunerá-los de forma diferenciada, é uma luta constante, tanto junto ao próprio secretariado, como também junto ao governador.