Advogado avalia que o impedimento é uma das melhores opções para o governador afastado do Tocantins, Mauro Carlesse

Advogado Renan Albernaz: “O que pode acontecer é o ministro determinar o retorno do governador e a Assembleia analisar a permanência dele num outro aspecto” | Foto: Divulgação

O governador afastado Mauro Carlesse (PSL) tem algumas opções a fazer se decidir agir, em vez de ficar esperando o julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no processo de investigação por crime de responsabilidade que teria cometido: ele pode renunciar ao mandato; pode aceitar o impeachment e solicitar preservação dos seus direitos políticos; ou, ainda, pode esperar o retorno ao cargo de onde pode comandar a sua defesa.

Para o advogado Renan Albernaz, estudioso do assunto, a opção mais favorável para o governador é o impeachment. Segundo o jurista, o impeachment pode retirar do STJ as investigações de crimes de responsabilidade, trazendo a investigação para a justiça local, para um juiz de 1ª instância, e poderia preservar os seus direitos políticos, podendo até ser candidato ao Senado nestas eleições. Se eleito, contaria com a imunidade parlamentar.

Contudo, o jurista diz que o governador não vai fazer essa opção, por uma simples razão: na 1ª instância quem investiga não é a Polícia Federal, mas a Polícia Civil. Um dos motivos que levaram ao afastamento do governador foi justamente a adoção de medidas que cercearam o trabalho da polícia no Tocantins.

Renan Albernaz avalia, ainda, que o governador pode até voltar a assumir o cargo, mas dificilmente concluirá o mandato. O que pode acontecer é o ministro determinar o retorno do governador e a Assembleia analisar a permanência dele num outro aspecto, agora dentro do processo de impeachment, plenamente possível. Como parece ser o caso do governador (Wilson) Witzel no Rio de Janeiro”, exemplifica o advogado, chamando atenção para um dado preocupante para os carlessistas: todos os processos de impeachment instalados no país concluíram pela cassação dos investigados.

Renan Albernaz é advogado e professor, mestre em Direito Constitucional, autor do livro Impeachment visto a partir do presidencialismo de coalização, lançado pela editora Lumen Juris Direito. Preside a Comissão de Direito Municipalista da OAB-TO. O advogado acompanha o impeachment do governador Carlesse com o interesse de compreender as motivações desse instituto que tem se popularizado no Brasil. Renan concedeu entrevista ao Jornal Opção em seu escritório em Palmas, nesta terça-feira, 15.

Tramita na Assembleia Legislativa o pedido de impeachment do governador afastado Mauro Carlesse (PSL), é possível prever como vai ser o desdobramento desse processo de investigação?

O impeachment é um instituto que se sedimentou a partir do direito americano com a Constituição dos EUA, é típico do sistema presidencialista. O modelo brasileiro utiliza da submissão das constituições estaduais e constituição federal do que chamamos do princípio da simetria: muitas regras que são aplicadas pela Constituição Federal se refletem em nível estadual e também em nível municipal. No que diz respeito ao impeachment a Assembleia Legislativa do Tocantins tem um regimento próprio, um regramento próprio de processamento do impeachment, tem uma lei estadual que trata disso e a Assembleia fixou um rito de como esse processo se dará.

E como se dará esse processo, provocado pelo afastamento do governador pelo Superior Tribunal de Justiça? 

Aqui foi feita uma medida que entendo bem democrática. O pedido de recepção do impeachment foi submetido a votação prévia. As assembleias têm esse poder de regulamentar de como será o procedimento. A partir da recepção do pedido de impeachment, o governador, se eventualmente estivesse no cargo, poderia ser afastado, da mesma forma que se procede na orla federal, em recebendo o processo de impeachment você discute o afastamento ou não do investigado. O processo vai analisar se o governador, que está afastado por decisão judicial e não da Assembleia, caso volte ao cargo, se vai poder ou não concluir o seu mandato.

O impeachment é um complicador adicional na vida difícil do governador, que já responde na justiça pela prática de crime de responsabilidade. É um freio político que pode levar a cassação do seu mandato?

Na prática não tem uma vinculação específica do processo judicial com o processo de impeachment. Até porque o processo judicial se rege por princípios próprios, por regramentos próprios e pressupõe investigação e individualização de conduta e tem que se evidenciar resultados contrários à legislação. O impeachment é um processo de base jurídica, mas político. Com preponderância política. Para se abrir um processo de impeachment pressupõe a prática de um crime de responsabilidade. Os crimes de responsabilidades são previstos na Constituição e na lei do impeachment que é uma lei bastante antiga, inclusive o ministro Lewandowski (Ricardo) está encabeçando um grupo de estudos para revisar esta lei até para se equalizar o entendimento de impeachment em nível de mundo. A experiência mostra que a afetação política importa muito no resultado do impeachment.

O Parlamento tocantinense tem legitimidade para cassar o mandato do govenador, já que foi conivente com as práticas políticas do governador, aprovando seus projetos sem questionar?

Há uma responsabilidade política da Assembleia perante a população. É um fator que é dado pela própria Constituição Federal, não é um direito comum, é um direito fixado pela Constituição que prevê que na existência de indícios de crime de responsabilidade precisa que o Parlamento, que no caso é um órgão eleito pelo povo, possa avaliar as condições de prosseguimento do mandato dado pelo povo. No caso, os deputados são os representantes. Essa análise vai passar por requisitos próprios. O processo foi aberto a partir do afastamento dado pelo STJ, a Assembleia tem total autonomia para analisar este fato a partir de provas trazidas até para assegurar o contraditório com ampla defesa e enquadrar essas provas no caso de absolvição ou de condenação, a depender da dinâmica do fato.

A instalação do impeachment pressupõe a perda de maioria no Parlamento. A partir daí dá para prever o resultado final?

É um fator. A abertura de impeachment pressupõe diversos fatores. Tanto de ordem jurídica quanto política. Do ponto de vista jurídico, basicamente precisa do enquadramento do fato a uma conduta política, o que se entende é que há um crime de responsabilidade. Do ponto de vista político há sim uma espécie de vinculação com a perda de sustentação parlamentar. Se analisarmos os casos do Collor e da Dilma nós vamos ver que o Collor foi um governo eleito sem base de coalizão; um governo eleito de forma independente e que não optou por adesão ao sistema de coalizão, o que também se reflete no nível estadual. O governo Dilma teve muita coalizão que se dissolveu. Então a coalizão, no caso, o apoio parlamentar, ao meu sentir, afeta na recepção do processo de impeachment. Quando se tem uma base, sustentação política interessante, os casos já nos mostraram que, exemplo do Michel Temer, foram diversos pedidos, todos foram rejeitados de pronto. Não foram nem ignorados, foram rejeitados. Se usou o recurso da coalização para que fossem rejeitados. É um fator, não é preponderante, mas que conduz a um resultado que para os interesses do governador (Carlesse), talvez não seja dos melhores.

Em abril encerra o prazo do afastamento. De volta ao cargo o governador tem forças para minar o processo?

Em abril encerra a cautelar dada pelo ministro (Mauro Campbell), ela pode ser prorrogada e inclusive o Ministério Público Federal (MPF) já pediu a prorrogação.  Está pendente de análise pelo ministro que pode prorrogar ou não. O que pode acontecer é o ministro determinar o retorno do governador e a Assembleia analisar a permanência dele num outro aspecto, agora dentro do processo de impeachment, plenamente possível. Como parece ser o caso do governador [Wilson] Witzel no Rio de Janeiro. Apesar de que lá a medida foi prorrogada e não houve retorno ao cargo. Então ele foi processado e julgado fora do cargo, a nível de impeachment, nível político. Tem estes dois cenários: a Assembleia, no caso de o ministro revogar, determinando o retorno, pode analisar e inclusive, afastar depois dentro do processo do impeachment. Isso é tranquilo, até porque nos estados não tem o sistema bicameral como tem a nível federal. A Câmara abre, o Senado julga. Aqui o Parlamento analisa e julga.

Depois do impeachment a situação do governador Carlesse que já não era boa, ficou pior. Fica impossível do governador salvar o resto de mandato que lhe resta?

Precisará ter uma articulação política bem interessante para se manter no mandato.  Contando com um fator de uma autorização judicial ainda neste sentido. O arquivamento do processo de impeachment, no caso de arquivamento com absolvição do governador não automaticamente o torna absolvido no processo judicial e vice-versa. Apesar de que a recíproca não é verdadeira. Na absolvição de um processo judicial por se tratar de um órgão independente e com um rito de imparcialidade mais fixado, se tem a tendência de acolhimento na esfera do impeachment. Mas a recíproca não é verdadeira, justamente porque ambos tratam de processos diferentes, um de natureza política e outro de natureza jurídica.  Uma boa defesa jurídica neste caso não é suficiente. Entendo que deve haver ainda uma articulação política para que se tenha um resultado estimado.

Diante de um cenário que aponta para uma possível cassação do mandato do governador, o que ele pode fazer para tentar salvar alguma coisa do seu patrimônio político, poderia renunciar para tentar manter direitos políticos?

O pedido de renúncia não importa no arquivamento de impeachment necessariamente. Politicamente a Assembleia pode entender pela aceitação e arquivamento. Exemplo disso é o presidente Collor. O presidente renunciou, viu que não tinha condições políticas de reverter o caso, ele renunciou e solicitou ao Parlamento que arquivasse o processo. Judicializou, a matéria chegou ao Supremo que disse que se tratava de uma questão política. No caso Collor não fez diferença.

A renúncia sim teria repercussão nas eleições. Então em tese o processo sairia do STJ e iria para uma outra instância, no caso a instância local, juiz de primeira entrância em razão da perda do foro. Recentemente o STF [Supremo Tribunal Federal] decidiu sobre a matéria. O ministro Barroso, analisou a matéria da questão do foro. Ele disse que só se manteria o foro na instância superior se o processo já estivesse na fase de julgamento, na fase de alegações finais. Depois de instruído o processo, não é o caso, o processo ainda se encontra em medidas cautelares. Já existem algumas denúncias tramitando, mas o foro ainda atrai o STJ, em razão do foro o STJ é o órgão competente. Em caso de renúncia ou de impeachment esse processo viria para a primeira entrância. No caso do impeachment teria a cassação do mandato, portanto não teria razão do processo permanecer no STJ. Resumo: em caso de pedido de renúncia é inexigibilidade automática. Em caso de cassação por meio de impeachment pode ou não haver a suspensão do direito político. A Assembleia Legislativa vai deliberar ou de forma conjunta ou por fases como fez o Congresso Nacional quando analisou o caso Dilma Roussef.

Resumindo, a melhor entre as piores opções para o Carlesse seria o impeachment, justamente por essa possibilidade de preservar os direitos? 

É uma estratégia política e jurídica que é de se considerar. Porque por mais que se haja um impeachment e a declaração de perda do mandato, poderia preservar os direitos políticos. Através de uma articulação política perante a Assembleia que tem total autonomia para decidir sobre este fator. Agora, da mesma forma o pedido de renúncia, talvez resolveria bastante coisa, inclusive a lógica de retirar o processo do STJ, e trazer o processo para a primeira instância, mas atrairia um prejuízo que seria a suspensão automática dos direitos políticos. Dentro desta celeuma ainda se pode tirar algumas estratégias que podem beneficiar o resultado desse processo.

Mudando de assunto, o Manual de Procedimento da Polícia Civil, chamada de Lei da Mordaça, foi tão contestada, motivando inclusive o afastamento do governador. Por que essa lei ainda está vem vigor?

A repercussão política dessa lei foi extremamente problemática. A ideia que se tem é que uma lei ao ser editada deva seguir os princípios da administração pública, que em síntese está no artigo 37 da Constituição. O uso dessa lei se revelou que não foi essa a motivação, existem outras motivações que estão sendo investigadas. A questão é que uma lei depois de aprovada, da mesma forma que para aprovar também precisa cumprir um rito para ser retirada do mundo jurídico. Esse rito não passa pela lógica do Judiciário a não ser que este poder promova a declaração de inconstitucionalidade dessa lei, o que a gente chama de controle repressivo. O governador não pode na canetada declarar inconstitucional e retirar a lei do mundo jurídico, precisa do Judiciário ou de uma nova lei, revogando a antiga. Aparentemente a lei seguiu um trâmite que dá sustentação jurídica a ela até hoje. A questão são as motivações que me parece não foram as mais republicanas. Tem essa questão que está sendo discutida. Penso que a existência dela ainda é uma questão de conveniência política. Sabe-se que realmente ela afetou uma determinada categoria da segurança pública. A questão é política, tem que envolver um debate sobre a revogação ou inconstitucionalidade dessa lei, é o melhor que pode acontecer para encerrar essa discussão sobre perseguições, isso do ponto de vista jurídico.