Polo de Tecnologias Sociais e Sustentabilidade, idealizado pela UFG, vai agregar valor a recicláveis e dar renda e dignidade a catadores

No dia a dia descartamos na lixeira diversos materiais, como plástico, metal, vidro, papel e papelão. Muitos desses resíduos podem ser reaproveitados com a devida separação, manuseio e destinação adequada. Os recursos naturais empregados na fabricação dessas peças são finitos, por isso é importante promover a valorização dos processos ambientais e soluções destinadas a proteger o meio ambiente e o bem-estar das pessoas envolvidas nesse processo.

Existem diversos meios para reciclar os mais variados materiais para que possam, dessa forma, ser devolvidos como produtos comercializáveis e lucrativos. Esses processos contribuem para a economia circular e, também, para o meio ambiente.

Em maio de 2021, a Universidade Federal de Goiás (UFG) lançou uma proposta que colabora com a reciclagem, o Polo de Tecnologias Sociais e Sustentabilidade. De acordo com um dos coordenadores do projeto, o professor Carlos Hoelzel, a iniciativa trabalha três eixos da sustentabilidade: econômico, social e ambiental. Atualmente, as cooperativas só conseguem separar, limpar e repassar os resíduos recicláveis para outras indústrias de transformação desse material, quase sempre fora do Estado de Goiás.

De acordo com o Relatório da Atualização do Diagnóstico para a Coleta Seletiva (setembro/2020), produzido pela Ampla – Consultoria em Planejamento para atender o Plano de Coleta Seletiva de Goiânia – PCSG da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Amma), a cidade de Goiânia possui 257 trabalhadores de reciclagem cooperados, que comercializam 320 toneladas de materiais recicláveis por mês, e outros 555 catadores informais ou que trabalham por conta própria.

As condições de trabalho são, na maioria dos casos, pouco dignas e arriscadas. A maioria dos galpões de triagem das cooperativas e/ou das associações de catadores não possui licenças ambientais válidas, alvarás do Corpo Bombeiros e/ou de funcionamento emitidos pela Prefeitura, estando em desconformidade com a legislação vigente (ambiental ou de segurança e prevenção contra incêndios). Durante nosso encontro, o professor, empolgado com os níveis que a proposta pode alcançar, explicou o projeto com o exemplo do “problema do vidro”, o qual demora 4 mil anos para se desintegrar na natureza.

“Para exemplificar, pensemos no vidro. Se tivermos uma garrafa inteira, com seu espaço oco por dentro, além dela ocupar um espaço grande nos caminhões de transporte, seu valor é pequeno para nós. A partir do momento que você tritura esse vidro, nós conseguimos aumentar em cinco vezes o valor desse material. Você pode ter toneladas de vidros quebrados em um dia e aí, ao vender para as fábricas de fundição, você passará um produto no tamanho exato para as caldeiras. O resultado? Um valor maior, que será revertido ao cooperado e ao coletor que trabalha nas ruas. É uma reação em cadeia. Isso está dentro da sustentabilidade econômica, ajudando as pessoas a recuperarem sua dignidade, que fica perdida a partir da não valorização do trabalho”, explica o professor.

Já a sustentabilidade ambiental, segundo o professor, está relacionada com as cooperativas e, fundamentalmente, com o processo de educação. “Não se faz sustentabilidade ambiental sem consciência do que se faz do ponto de vista ambiental. Para isso, você precisa saber que boa parte do que a gente não faz é porque a gente não sabe. A gente não sabe o valor e o tempo que se gasta separando plástico de outros materiais. Mas os coletores precisam separar tudo e não nos custa fazer isso”, pontua o especialista. Nesse momento, o professor comenta que já é automático para ele separar as tampinhas das garrafas pet, pois ele sabe que a tampinha servirá para fazer baldes e as garrafas pets resultarão em novas garrafas.

No aspecto social, o professor pontua que os coletores de recicláveis são os maiores agentes ecológicos, mas não são devidamente valorizados. Nesse ponto, Hoelzel acredita que o projeto entra com a função de promover a melhoria de renda para essas pessoas. “A sustentabilidade do ponto de vista social é promover a dignidade e identidade. Esse é talvez o ‘filé’ de todo o projeto: promover o direito à comida, saúde, uniforme para trabalhar, renda adaptada e boa”, ressalta.

Para o professor, o polo deverá ser construído por meio de uma série de tecnologias disponíveis, com iniciativas sociais para desenvolvimento de renda e dignidade. Em todo momento, Hoelzel ressalta que uma das coisas mais importantes nessa ação é a replicação desse projeto em vários cantos, não só de Goiás, mas de todo o País.

Atualmente, um dos braços desse projeto já está em pleno vapor com a Central de Cooperativas de Trabalho dos Catadores de Materiais Recicláveis (Uniforte), presidida por Dulce do Vale. O espaço, localizado no Setor Santa Genoveva, funciona desde 2019 e é fruto de verba do Ministério Público de Goiás. No local há pá carregadeira, esteira, balança e máquina para trituração de vidro, sendo uma tecnologia pensada pela UFG.

Hoje, o vidro é o segundo maior volume de material comercializado pelas cooperativas, representando cerca de 25% a 30% do que chega ali. Entretanto, em termos de receita, representa menos de 3%, por isso a necessidade em agregar valor a esse produto, para que sua comercialização seja viável. Após a construção do polo na UFG, a Uniforte se estabelecerá dentro do Campus da Universidade. A presidente reforça que a iniciativa deverá melhorar exponencialmente a renda dos catadores.

“A partir do momento que você sai da ‘catação’,  e vai para a coleta e separa os materiais, você está agregando valor a isso e, a partir daí, aumenta o rateio entre os cooperados. Além disso, aliado à questão social, temos uma maior oportunidade de trabalho para quem está fora do mercado de trabalho, trazendo mais dignidade para aqueles que não estão conseguindo um emprego e dando qualidade de vida para essas pessoas”, ressalta.

Segundo Dulce, hoje na Uniforte, o caminhão que antes poderia carregar oito toneladas de vidro – antes do processo de moeção – agora consegue carregar até 22 toneladas, diminuindo o frete do produto. Com essa alteração, o quilo do produto passou de R$ 0,05 para R$ 0,10 centavos e ainda pode melhorar.

UFG e a cidade
A reitora da Universidade Federal de Goiás, Angelita Pereira de Lima, avalia que, com a aprovação do novo Plano Diretor de Goiânia, o qual prevê o Parque Tecnológico Samambaia como um dos polos de tecnologia que integra a cidade, é também colocar, de fato, município e academia em um mesmo nível, aproximando a universidade da comunidade, e tendo o governo estadual como mediador, a partir de verba do Protege, setor responsável pela captação e repasse de recursos financeiros para programas que visam a melhoria da qualidade de vida das pessoas menos favorecidas socialmente em Goiás.

“A ideia é trabalhar com a reciclagem de matéria orgânica, plásticos, papel, vidros, embalagens, metais e também na parte têxtil. Este trabalho aponta para uma UFG que tem compromisso social, integrado com a sustentabilidade e totalmente focado na inovação”, explica a reitora.

Para executar o projeto, a UFG aguarda a aprovação do convênio com o Estado, por meio do Protege Goiás (ProGoiás). O secretário da Retomada, César Augusto Sotkeviciene Moura, responsável pelo ProGoiás, pontua que a proposta está em análise e a expectativa é que o convênio do Estado com a UFG esteja em vigência a partir do próximo semestre. “A gente tem quatro projetos em andamento com a UFG. O processo do polo deverá ser apresentado logo na reunião do próximo mês para começar a execução no segundo semestre”, explica o secretário.

Como vai funcionar?
Inicialmente, em uma área de 35 mil metros quadrados, a proposta visa construir quatro galpões e equipá-los para funcionar uma unidade de reciclagem e compostagem de resíduos sólidos urbanos – a qual terá capacidade para produção de fertilizantes –, uma para reciclagem de papel, uma para plástico e, por fim, uma para unidade de processamento, análises, testes e  desenvolvimento de produtos e equipamentos.

Também serão construídas unidades de formação/capacitação profissional, uma unidade social de produção de alimentos, têxtil, de saúde integral, de administração e apoio do polo. É previsto uma área para cuidado de crianças e adolescentes, filhos dos trabalhadores do polo, mas, que ainda não tem recurso alocado. 

A formação continuada do trabalhador é um dos pilares dessa proposta. Segundo o professor Hoelzel, o lema é “todo mundo precisa aprender e, quando aprender o bastante, passar para o outro”. “Essa é uma regra básica.” A ideia é que o cooperado aprenda a mexer nas máquinas, conheça a legislação trabalhista e questões de segurança e saúde no trabalho. Além disso, a parte têxtil tem o objetivo de reduzir ao máximo possível os resíduos têxteis. “É quase impossível juntar todo o resíduo têxtil de Goiânia, mas podemos ensinar como não fazer resíduo e, de quebra, produzir uniformes para trabalhadores, escolas… Imagina quanta renda colocamos?”, diz o professor.

Outro ponto importante, é a parte de produção de alimento e que estará alinhada com a parte social. No refeitório, o cooperado terá um espaço dedicado à alimentação. “Já vimos muitas vezes o trabalhador comendo ao lado de uma montanha de rejeitos. Não será assim. Ele terá um lugar para comer, pois isso é dignidade”.

Na parte social, tem-se o princípio de que “mãe não trabalha sem filho cuidado”. O professor diz que é interessante para o projeto que toda a família esteja envolvida, pois o Polo ancora-se na busca pela diminuição da vulnerabilidade social e dos impactos ambientais, promovendo o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável e a cultura empreendedora e inovativa na perspectiva da economia circular.

Hoje em dia, apesar do grande desenvolvimento de tecnologias para o reaproveitamento e reciclagem dos resíduos sólidos urbanos, é percebido  que algumas delas não chegam aos trabalhadores de materiais recicláveis. Tais tecnologias encontram-se aplicadas aos elos mais avançados da cadeia produtiva, como nas intermediações beneficiadoras e indústrias transformadoras. O quadro atual da cadeia produtiva da reciclagem ainda apresenta estágios desnivelados entre a coleta até a indústria de transformação, assim como os valores comerciais de tais produtos no percurso do ciclo produtivo.

A adoção de tecnologias pelas cooperativas de catadores limita-se ao uso de equipamentos mais simples, como prensas, balanças e esteiras, que são suficientes apenas para a permanência do processo básico de produção, que envolve a segregação e enfardamento dos materiais dispostos à comercialização. Isso faz com que o produto seja comercializado, na maioria das vezes, por intermediários, que pagam preços muito aquém dos praticados na porta das indústrias.