Apesar dos cortes de verbas, instituição se consolida na área e produz trabalhos que impactam a sociedade na prática

UFG Campus Samambaia, em Goiânia | Foto: Reprodução

Quem se predispõe a seguir carreira científica no Brasil tem conhecimento das dificuldades pelas quais irá trafegar. Afinal, pesquisar no País não é tarefa fácil. Falta valorização por partes dos governos, que não têm a ciência como prioridade e costumam não pensar duas vezes ao cortarem repasses para esta área.

Com a queda nos investimentos, os pesquisadores passam a ficar menos atraídos em continuar seus estudos em terras brasileiras, fazendo com que muitos busquem cenários que lhes rendam maior remuneração e melhores condições de trabalho, notadamente nos Estados Unidos e na Europa.

Dessa forma, o desenvolvimento científico brasileiro tende a ficar cada vez mais atrasado na com­paração com países desenvolvidos. E quem vê de fora também se preocupa. Um grupo de 23 vencedores do Prêmio Nobel, li­derado pelo físico francês Claude Cohen-Tannoudji, enviou, em se­tembro, uma carta ao presidente Michel Temer (PMDB-SP) repudiando o corte de 44% no orçamento do Mi­nis­tério da Ciência, Tecnologia, Ino­vações e Comunicações (MCTIC).

De acordo com o grupo, a medida compromete o futuro do País. “Isso danificará o Brasil por muitos anos, com o desmantelamento de grupos de pesquisa internacionalmente reconhecidos e uma fuga de cérebros que afetará os melhores jovens cientistas”, diz a carta, obtida com exclusividade pelo jornal “Estadão”.

Orlando Amaral: “A UFG tem uma estrutura de pesquisa invejável” | Foto: Reprodução

Além disso, pesquisas de diversas áreas do conhecimento, como medicina, com capacidade de surtir efeito prático, às vezes até mesmo imediato, na população — e não só dentro da academia — podem deixar de ser concluídas, prejudicando, assim, toda a sociedade.

Para o reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Orlando Afonso Valle do Amaral, o mo­men­to atual, no que tange aos in­vestimentos, é tido como uma regressão. “Temos observado que os orçamentos de agências como CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e Finep [Fina­cia­dora de Estudos e Pro­je­tos] foram muito reduzidos.”

No entendimento do pró-reitor de pós-graduação da UFG, Jesiel Freitas Carvalho, o Brasil possui uma atividade tecnológica recente e o investimento tem sido marcado, historicamente, por períodos com condições melhores e, outros, com situações mais difíceis. “Isso é danoso porque prejudica a manutenção de equipamentos e o desenvolvimento do trabalho dos pesquisadores, que, em caso de retomada dos investimentos, precisam recomeçar praticamente do zero.”

Contudo, pode-se dizer que a UFG passou, na última década e meia, por uma transformação importante no campo da ciência, apesar do impacto negativo dos últimos anos. A universidade conta com um parque tecnológico sofisticado que atende a todas as áreas do conhecimento, resultando em um crescimento exponencial no número de pesquisas.

“Graças aos investimentos do passado, a UFG tem, hoje, uma es­trutura de pesquisa invejável”, ressalta o reitor Orlando Amaral. Não é à toa que a Federal de Goiás está entre as 40 mais importantes em termos de oferta de pós-graduação stricto sensu no Brasil e entre as 15 em relação à qualidade dos cursos ofertados.

Fapeg

Jesiel Freitas: “É necessário que haja continuidade nos investimentos” | Foto: Reprodução

Jesiel Freitas argumenta que, para melhorar a ciência no Brasil, é necessário que haja continuidade nos investimentos e pensamento a longo prazo. Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), Maria Zaira Turchi vai na mesma linha de raciocínio do pró-reitor de pós-graduação da UFG. “Uma nação não pode pensar apenas no momento imediato. A ciência tem que ser entendida como uma prioridade e investimento no futuro.”

Tanto Orlando Amaral quanto Jesiel Freitas destacam o papel fundamental Fapeg, que, na atual crise, tem se apresentado como alternativa para o financiamento de pesquisas. De acordo com Maria Zaira Turchi, uma das contribuições mais significativas da fundação é ter programas regulares que possibilitem o investimento na formação de recursos humanos altamente qualificados por meio de bolsas em diferentes modalidades e articuladas a programas internacionais.

Ademais, a Fapeg tem o papel de fomentar projetos de pesquisa científica, tecnológica e de inovação através de Núcleos de Inovação Tecno­ló­gica (NITs) e incubadoras de em­presas, além de estruturar parques tecnológicos, como, por exemplo, o Centro Re­gional para o Desen­volvimento Tecnológico e Inovação (CRTI), da UFG.

Legado

O mandato de Orlando Amaral se encerra no início do ano que vem. Um balanço geral será apresentado no próximo dia 14, mas, ao Jornal Opção, o reitor adianta que, apesar das dificuldades, a universidade tem avançado. “Tenho certeza que, na próxima gestão [de Edward Madurei­ra, eleito para o quadriênio que vai de janeiro de 2018 a janeiro de 2022], esse processo vai continuar.”

Enquanto Amaral esteve à frente da reitora da UFG, a universidade conseguiu atingir o maior nível de conceituação da Coor­denação de Aperfeiçoa­mento de Pessoal de Nível Supe­rior (Capes) em cursos de doutorado e o número de pesquisadores vinculados ao CNPq, bem como quantitativo de trabalhos publicados, cresceu consideravelmente.

O novo campus em Apa­re­cida de Goiânia, a iminente inauguração do segundo prédio do parque tecnológico e os cursos de medicina em Jataí e Catalão previstos para serem iniciados em 2018 são outros pontos que serão deixados como legado. Entretanto, o reitor não esconde a frustação com o que poderia ter sido feito caso houvesse condições financeiras melhores. “Daria para crescer muito mais, abrir mais magas e ter uma atuação ainda mais relevante nas áreas de pesquisa e inovação.”

Maria Zaira Turchi: “Uma nação não pode pensar apenas no momento imediato” | Foto: Reprodução

Resultados práticos

Orlando Amaral sublinha que a universidade busca sempre atingir resultados práticos na sociedade e, em algumas áreas, como agronomia e veterinária, a aplicação é imediata, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico de Goiás.

Segundo Maria Zaira Tur­chi, nem sempre a cidadão tem a clara noção da importância da pesquisa científica, tecnológica e de inovação e, por isso, o investimento na ciência não é prioritário na agenda de governos. “Isso mostra que é necessário investir em comunicação, fortalecendo a difusão científica e aproximando sociedade e a ciência.”

É nesse sentido que o Colégio de Pró-Reitores de Pesquisa, Pós-Gra­­duação e Inovação das Ins­ti­tuições Federais de Ensino e do Fórum de Pró-Reitores de Pes­qui­sa e Pós-Graduação (Foprop) realiza mobilização para comemorar o Dia C da Ciência, celebrado toda quarta-feira da Se­ma­na Nacional de Ciência e Tec­no­logia Brasileira, promovendo atividades em escolas, mu­seus, espaços públicos e institucionais para evidenciar a im­portância das pesquisas no dia a dia.

Na 2ª parte desta reportagem, a ser publicada na próxima edição, o Jornal Opção irá tratar sobre pesquisas da UFG que já tiveram ou ainda prometem ter um impacto prático na sociedade.