No dia 30 de janeiro, a morte do motociclista Warley Melo Adorno, de 22 anos, durante tempestade em Goiânia, serviu como estopim para discussão sobre drenagem urbana, impermeabilização do solo, combate aos desastres naturais e reforço da Defesa Civil. Essa não foi a primeira morte de um motociclista em Goiânia por conta das enchentes – uma quase idêntica aconteceu em 2018 –, mas foi a primeira morte por essa causa filmada e viralizada nas redes sociais. 

Em 31 de janeiro, dia em que o corpo de Warley Adorno foi encontrado pelos bombeiros, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) anunciou R$ 67,8 milhões em obras específicas de drenagem – a quantia foi aumentada em 40% no dia 15 de fevereiro. A Defesa Civil Municipal atualizou o número de pontos de alagamento na cidade, totalizando 99 regiões de risco. A última lista era de 2016. Se espera que o Plano Diretor de Drenagem Urbana de Goiânia apresente novas soluções.

Consequências previsíveis

André Amorim, diretor do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), afirma que no ano de 2023 não estamos vendo mais chuvas do que o normal, mas algo atípico está acontecendo. Reforçando a tendência registrada em 2020 pela coordenadora do Laboratório de Climatologia (Climageo) da Universidade Federal de Goiás (UFG), Gislaine Cristina Luiz, as chuvas são mais breves, mas muito mais fortes. “As chuvas estão mais intensas e ocorrem em pouco espaço de tempo entre uma e outra. Há também chuvas mais isoladas, ou seja, chove muito mais intensamente em certas regiões do que em outras.”

Em reportagem do Jornal Opção que já completa três anos, a professora da UFG afirmou: “As chuvas fortes apenas dão a falsa ideia de que os níveis dos rios, lagos e reservatórios se elevam. Na realidade, as chuvas fortes criam problemas como inundações e, cessado o efeito do pico de vazão, o nível da água pouco se altera. O que garante que os reservatórios atinjam níveis mais altos é o processo de infiltração. O problema é que a infiltração não está ocorrendo porque as superfícies foram alteradas de tal forma que a água das chuvas tem sido impedida de atingir o lençol freático”.

André Amorim, gerente do Cimehgo | Foto: Reprodução

A Sala de Situação de Monitoramento de Riscos e Desastres Naturais Climatologia, do Cimehgo, registra uma média de precipitação durante fevereiro deste ano de 235 mm – muito menos do que os 400 mm registrados em 2022. Entretanto, André Amorim ressalta uma forte concentração de chuvas em determinados pontos. Enquanto na região Noroeste de Goiânia (setor Perim), houve elevação de 197,0mm de água por metro quadrado; na região central a elevação foi de apenas 81,9mm. 

As chuvas intensas, localizadas e passageiras são características de dois fatores combinados, explica André Amorim: o verão e o La Niña. La Niña é o nome dado ao fenômeno climático marcado pelo resfriamento anormal das águas do oceano Pacífico. Ele tem origem na região do Pacífico Equatorial, na zona intertropical do planeta, e provoca alterações sazonais na circulação geral da atmosfera, podendo durar de nove a 12 meses. Ele é responsável por chuvas fortes no Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil e secas no Sul.

Tragédia recorrente

A solução tradicional de cidades brasileiras para lidar com o volume das chuvas é a canalização da água em galerias. Entretanto, com a urbanização, os cursos dos rios costumam ser pavimentados – como o Córrego dos Buritis, que nasce no Clube de Engenharia, no Setor Sul em Goiânia, e corre subterraneamente até o setor Marechal Rondon; ou o córrego da Traição, sob a Avenida Bandeirantes em São Paulo. Com precipitações extremas se tornando a nova média, dispositivos de drenagem tornaram-se subdimensionados.

Canais subterrâneos e piscinões tornaram-se soluções paliativas, segundo Luiz Pladevall, presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente (Apecs) e vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES-SP). “O que precisamos fazer é permeabilizar o solo com calçadas ecológicas, com parques lineares ou com incentivos de redução de IPTU para os moradores manterem áreas permeáveis nos seus imóveis”.

O engenheiro explica que estas medidas, associadas à áreas preservadas ao longo de córregos, retardam a velocidade das corredeiras e impedem enchentes e deslizamentos. “Infelizmente, nós da Apecs percebemos que o poder público investe muito pouco em planos diretores”, diz Luiz Pladevall. “O plano diretor é importante porque liga as áreas que podem tornar uma cidade urbanística e ambientalmente congruente. A drenagem tem de ser respeitada na parte de verticalização, e isso integrado com a parte viária”.

Defesa Civil

O coordenador Municipal de Proteção e Defesa Civil, Robledo Mendonça de Farias, afirma que, a partir de 2021, a Defesa Civil em colaboração com a Seinfra apontou 99 pontos críticos de alagamentos e desde então a Seinfra vem trabalhando nesses locais com prioridade para minimizar ao máximo os riscos e transtornos. “Agora ao final de 2022 finalizamos um grande trabalho de mapeamento das áreas de risco de Goiânia, o último levantamento era de 2016. Já encaminhamos as secretarias pertinentes para intervenções cabíveis nesses locais”, diz o coordenador.

O coordenador Municipal de Proteção e Defesa Civil, Robledo Mendonça de Farias, destaca crescimento do órgão | Foto: Reprodução

“Queremos destacar também o trabalho integrado com o serviço operacional da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de Goiânia, cerca de mil agentes receberam curso básico de defesa civil e atuam em conjunto conosco, principalmente em dias de chuvas fortes, nas situações extremas. Todas as mais de 90 viaturas da GCM se somam com as da defesa civil e percorrem toda a cidade realizando os monitoramentos. Quando se deparam com situações de risco, já fazem os procedimentos preventivos e acionam os órgãos pertinentes para devolução da normalidade do local.”

“Vale ressaltar que antes de 2021 a defesa civil contava apenas com uma viatura e cerca de 10 agentes. Hoje temos três viaturas novas, além das mais de 90 viaturas da GCM que nos apoiam quando necessário. Temos hoje cerca de 30 agentes específicos de Defesa Civil.” 

Problema nacional

A Confederação Nacional de Municípios (CNM) compilou dados das defesas civis municipais para gerar um relatório sobre as situações de emergência declaradas em dezembro de 2022. Segundo o documento:

“Em decorrência dos desastres causados pelo excesso de chuvas, entre 1o e 31 de dezembro de 2022 em todo o Brasil, ocorreram 245 decretações de situação de emergência, com o objetivo de estabelecer uma situação jurídica especial para execução das ações de socorro e assistência humanitária à população atingida. O excesso de chuvas deixou mais de 15,6 mil pessoas desabrigadas e mais de 72,3 mil desalojados em todo Brasil. Os prejuízos causados pelas chuvas contabilizaram R$ 931,4 milhões nos Estados afetados.”