Desde 1945, a economia mundial opera em um sistema guiado pela diretriz americana de integração global dos mercados e das cadeias produtivas. O crescimento proporcionado por este modelo tirou centenas de milhões da pobreza e ajudou o Ocidente a prevalecer contra a Rússia soviética na Guerra Fria. Entretanto, segundo economistas ouvidos pelo Jornal Opção, este sistema está ameaçado. Hoje, governos subsidiam indústrias verdes, restringem o fluxo de bens e capital, protegem seus mercados de manufaturas e tecnologias importadas – características que conflitam com a integração econômica que regeu o cenário global nas últimas décadas. 

A ameaça à lógica do benefício mútuo em detrimento do benefício nacional pode ter se iniciado com a crise imobiliária americana de 2008, mas foi recentemente aprofundada com as políticas industriais de Joe Biden. Em janeiro de 2023, os Estados Unidos anunciaram a liberação de US$ 465 bilhões em subsídios para energia não-poluente, carros elétricos e semicondutores; a União Europeia prometeu investimento semelhante condicionado à destinação de fundos existentes para a economia verde. Estes vêm com requisitos de que a produção deve ser local. 

No Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem defendido a reindustrialização e a oferta de serviços e insumos no País. Para muitos, a promessa de se tornar autossuficiente em setores vitais por meio da intervenção do governo é crucial. Entretanto, o desenvolvimento de uma indústria nacional será vantajoso para o Brasil apenas caso a onde protecionismo não prive o país de seus acordos e relações, diz Moisés Ferreira da Cunha, professor da Faculdade de Administração, Ciências Econômicas e Ciências Contábeis (Face) da Universidade Federal de Goiás (UFG).

A espiral de protecionismo em todo o mundo fez com que países que possuem as matérias-primas necessárias para fabricar baterias controlem suas exportações. A Indonésia proibiu as exportações de níquel; Argentina, Bolívia e Chile poderão em breve cooperar no estilo da OPEP na produção de suas minas de lítio. O governo de Biden se preocupa com o risco de depender da China para obter baterias, assim como a Europa dependia da Rússia para obter gás antes de invadir a Ucrânia. 

Para o Brasil, isso significa um risco econômico adicional. Moisés da Cunha diz: “Principalmente na pandemia, o mercado globalizado perdeu força. Hoje, o Brasil pode crescer se voltando para seu mercado interno pujante justamente porque tem boas relações com Estados Unidos, Europa e China. Não podemos nos fechar para blocos. O isolacionismo para o Brasil é ruim, então o que se anuncia com a diminuição da integração global é um momento difícil. Reindustrializar o país seria estratégico para criar independência dessa conjuntura mundial cada vez mais isolacionista, mas isso é um plano para o futuro; em curto prazo não temos condições de competir com a indústria chinesa.”

Moisés da Cunha acrescenta ainda que, apesar de a indústria representar parte relativamente pequena da economia brasileira (23,9% do PIB brasileiro), é uma parte da economia capaz de valorizar as demais. “Além de criar muitos empregos, transforma insumos e agrega valor em toda a cadeia produtiva. Além disso, a indústria move também o setor de serviços e é estratégica.”

“Para Goiás”, complementa Moisés da Cunha, “com nossa vocação agrária, poderíamos tornar mais valiosos as commodities da soja e milho ao transformá-las em ração e óleo, por exemplo, além de diminuir a dependência de países que processam esses insumos e favorecer a balança de exportações e importações.”

Moisés Ferreira da Cunha | Foto: Reprodução / UFG

Sobre as dificuldades para atingir esses objetivos, o economista afirma que existem pelo menos três grandes obstáculos. O primeiro, é tecnológico. “O Brasil importa praticamente 100% das tecnologias para a indústria. Não há forma imediata de se mudar isso, mas a alternativa é conviver com impactos causados por flutuação do câmbio, pelas tensões internacionais, pela demanda mundial, e outros fatores que escapam do controle do país.”

Outro desafio é a questão tributária, que envolve os impasses do protecionismo, incentivos e renúncias fiscais, reserva de mercado – todas questões longe de um consenso. Por último, o país ainda precisa adotar políticas públicas para estimular investimentos no setor de tecnologia. Segundo a The Economist, converter as fontes de energia globais para fontes verdes (não-poluentes) custaria 3,1 a 4,6 trilhões de dólares (3,2 a 4,8% do PIB global), e é improvável que estados consigam despender esses recursos sem a participação da iniciativa privada. 

Em Goiás

Flávio Rios Peixoto da Silveira é ex-ministro e um dos responsáveis pelo Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar). Segundo o Flávio Peixoto, a dicotomia entre favorecer um setor em detrimento do outro é falsa. “As pessoas têm o costume de colocá-los como áreas conflitantes na economia, mas são complementares. O estado brasileiro cuja a indústria é mais forte é também aquele com maior produção agrícola: São Paulo. Não existe nos serviços um fator que impeça o desenvolvimento da indústria e vice-versa.”

Segundo o último Boletim Trimestral da Economia Goiana do Instituto Mauro Borges (IMB), A indústria goiana cresceu 8,0% no terceiro trimestre de 2022, na comparação ao mesmo período do ano anterior. A indústria brasileira apresentou taxa de 2,8%, no mesmo período. Em Goiás, os resultados positivos ocorreram em todas as atividades que compõem a indústria (serviços industriais de utilidade pública, construção civil, indústria extrativa e indústria de transformação) e os resultados positivos são uma sequência de taxas negativas que ocorriam desde 2020, em função da pandemia. 

No estado, 20,8% do PIB vem da indústria. O setor acumular alta no ano de 1,4%, puxada, principalmente, pela fabricação de produtos alimentícios, que possui grande peso no estado. Apesar de ser conhecido por sua vocação agrária, o setor que mais contribui com a economia é o de serviços. Mais de metade (50,4%) do Produto Interno Bruto de Goiás vem de atividades ligadas à administração pública, comércio, imóveis, educação, saúde, comunicação, transporte e demais setores que compõem a atividade de serviços.

No terceiro trimestre de 2022, o setor de Serviços cresceu, em Goiás, 3,9% e, no Brasil, 4,5%, em relação ao mesmo período de 2021. Em Goiás, os principais resultados positivos foram provenientes das atividades de artes, cultura, esporte e recreação. O comércio, entretanto, encerrou o trimestre com taxa negativa de 1,3%. A queda pode ser justificada pela alta inflação, que por sua vez causada pela falta de insumos e carestia de energia – fatores que podem ser combatidos pelo fortalecimento do setor industrial.