Realidade do Hospital Materno Infantil sob a visão dos pacientes
09 fevereiro 2019 às 19h47
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Enquanto governador Ronaldo Caiado diz que situação é “algo calamitoso e inaceitável”, pacientes dizem que poucas mudanças ajudariam a melhorar eficiência do serviço
O governador Ronaldo Caiado (DEM) visitou o Hospital Materno Infantil (HMI) na manhã de sexta-feira, 8, para levar novos equipamentos que auxiliam as crianças prematuras a sobreviver. Três dias antes, o chefe do Executivo estadual considerou a situação da unidade como “inaceitável” e busca parcerias para redirecionar serviços a outros hospitais.
“Vamos achar alternativas de funcionamento com melhor qualidade para as mulheres, crianças e recém-nascidos que lá estão”, afirmou o governador na terça-feira, 5.
Alguns pacientes assíduos enxergam a realidade do hospital sob uma ótica funcional. A vendedora Patrícia Lorrane, de 19 anos, precisou de consulta para o filho de sete meses na emergência do hospital. A espera por um pediatra durou cerca de duas horas entre o atendimento no balcão de chegada, a triagem pela equipe de enfermeiros e a consulta. A jovem viajou sete horas de carro de Posse a Goiânia para dar continuidade no tratamento do filho, acometido por uma infecção bacteriana há três meses. As viagens acontecem duas vezes por mês para exames e avaliação médica. Na tarde de quarta-feira, 6, o bebê estava com febre há 24 horas.
Questionada acerca da estrutura da unidade, Patrícia respondeu que “é bom”. “Sem reclamações”, disse com a expressão de quem não se importava com as pequenas bolhas de infiltração na tinta das paredes. “O atendimento é rápido, no meu ponto de vista. Os médicos são atenciosos também.” Ela conta que não faltou medicamento para o filho quando precisou e os exames laboratoriais e de imagem foram realizados em poucas horas após o pedido médico. Mas se fosse para melhorar alguma coisa, mesmo com a satisfação da mãe, o atendimento ainda poderia ser mais rápido, segundo Patrícia.
Patrícia vai precisar voltar ao Materno Infantil mais algumas vezes até que o filho esteja totalmente livre da infecção. “Sei que quando voltar meu filho terá o bom atendimento que teve nesses últimos três meses”, se despede com o bebê no colo.
A reportagem conversou com a dona de casa Milena Gomes, de 20 anos, moradora de Cocalzinho. Ela dormiu no hospital de terça-feira, 5, para a quarta com o filho de dois anos na enfermaria. A viagem foi mais curta. Cocalzinho fica a 135 quilômetros de Goiânia. A ambulância do município chegou à porta da urgência com 1 hora e 20 minutos de viagem, às 21 horas. A criança estava desacordada por intoxicação de veneno contra formigas. O bebê ingeriu o produto acidentalmente em casa após o almoço e vomitou diversas vezes antes de perder a consciência.
Na urgência, a criança foi submetida a uma lavagem estomacal, medicamentos específicos e dormiu na enfermaria em observação. A mãe afirmou que o médico plantonista sugeriu uma noite na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas não foi preciso pela recuperação satisfatória da criança. O hospital tinha leitos disponíveis na UTI para o filho de Milena. “A enfermaria estava lotada, mas fomos bem atendidos e dormimos bem. Em uma cadeira, mas bem”, ressaltou Milena.
“Havia muitas outras crianças e bebês dormindo no colo das mães em cadeiras e em macas. O que podia mudar era isso. Dar um jeito de colocar mais macas na enfermaria”, sugeriu.
Mãe do pequeno Gabriel, de dois anos, Lenda Araújo Ferreira veio de Trindade ao Materno Infantil para que um médico examinasse a febre do filho. A criança nasceu em no município da Região Metropolitana, mas realiza consultas no HMI desde que nasceu. “As primeiras vezes que eu vim foi excelente. Agora demora mais para o médico chamar para a consulta.” Cerca de três horas, segundo Lenda. Para ela, o atendimento e a estrutura são satisfatórios.
A reportagem permaneceu por quatro horas na recepção do hospital. O ápice de espera, segundo pacientes, foi de quatro horas. A fila de espera para o pré-atendimento e a triagem na enfermaria oscilava entre três e quatro pacientes. O momento com a maior quantidade de transeuntes na recepção registrou 23 pessoas, entre pacientes e acompanhantes.
“Também vamos tentar instalar as UTIs no Hugol ou outro local para que ela saia do Materno Infantil”, disse Ronaldo Caiado na terça-feira, 5. O governador classificou como “algo calamitoso e inaceitável” a situação da enfermaria para mulheres grávidas.
A reportagem não teve autorização da Secretaria Estadual de Saúde (SES) para entrar no hospital e descreveu a situação das unidades com os relatos dos pacientes que entravam e saíam da unidade.
A SES foi procurada na quarta-feira, 6, para detalhar a situação calamitosa, as perspectivas de reforma e a urgência em transferir parte do atendimento para outras unidades de saúde (Hugol e Santa Casa de Goiânia, citadas pelo governo). Em resposta, “a Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informa que o atual momento é, exatamente, o de levantamento das informações necessárias para diagnóstico da situação do Hospital Estadual Materno Infantil Dr. Jurandir do Nascimento (HMI)”.
“Informa ainda que, apesar da apuração dos dados não ter sido concluída, já busca caminhos para solucionar as deficiências e tem adotado estratégias para garantir a continuidade da prestação de atendimento às crianças e mulheres que buscam atendimento no local. Uma alternativa foi a entrega na manhã desta sexta-feira, 8, de 15 novos berços aquecidos e 10 incubadoras para serem utilizados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e Unidade de Cuidados Intermediários Neonatal (Ucin) do Hospital. O próprio governador do Estado de Goiás, Ronaldo Caiado, esteve pessoalmente no local acompanhando do secretário de Estado da Saúde, Ismael Alexandrino.”
A nota segue com a afirmação de que, “por entender que a estrutura física necessita de melhorias, o projeto da gestão, a longo prazo, é de construir um outro hospital com o mesmo perfil de atendimento do HMI”. “A SES-GO reitera, mais uma vez, que a manutenção do atendimento é prioridade absoluta do governo desde o primeiro dia da atual administração.”
Procurado pela reportagem, o ex-secretário estadual de Saúde, Leonardo Vilela, preferiu não se manifestar. “Não sou mais secretário de Saúde. Não me cabe mais fazer comentários ou ilações sobre o assunto”, respondeu.
Comércio local vai sofrer com possível redução no atendimento
A comerciante Francilene Coutinho, 45 anos, vendia salada de frutas na porta do hospital até a fiscalização municipal retirar os ambulantes do local. Então ela alugou um pequeno comércio do outro lado da rua há dois meses e decidiu vender sorvetes.
“O movimento está ruim há alguns meses porque tem pouca movimentação no hospital. Antigamente, eu vendia para muita gente de fora de Goiás: Bahia, Maranhão, Piauí e outros estados”, conta a comerciante. “Se desativarem mais atendimento do hospital vai acabar todo o comércio aqui em volta”, lamenta Francilene sobre a notícia de transferir parte do atendimento para outras localidades.
O aposentado e comerciante José Maria de Araújo, 64 anos, tem uma loja em frente ao HMI há 20 anos. Para ele, a solução é simples. “O que a gente ouve dos pacientes é que faltam alguns equipamentos só. Isso é descaso político. Se o hospital está ruim, é só arrumar”, considera Araújo.
Um dos netos do comerciante ficou em coma por 60 dias na UTI, desacreditado por alguns médicos, e saiu vivo. “Esse hospital é uma maravilha. Milhares de pessoas dependem dele aqui. Não pode mudar.”
Governo entrega novos equipamentos ao HMI
O governador entregou 10 incubadoras neonatais e 15 berços aquecidos na manhã de sexta-feira, 8, à diretoria do Materno Infantil. Segundo o Executivo, foram gastos R$ 452 mil na aquisição destes equipamentos.
Em janeiro de 2016, o então governador Marconi Perillo (PSDB) gastou R$ 3 milhões na reforma e ampliação do hospital: um novo Pronto Socorro de Pediatria e novas estruturas para a UTI Pediátrica.
A reforma de 2016 foi a terceira pela qual o HMI passou em 35 anos de fundação. A primeira intervenção ocorreu em 1984 e a seguinte em 1998.
“O recurso é proveniente de um bloco de gestão do Ministério da Saúde chamado ‘Média e Alta Complexidade’, composto pela parte de investimento e a de custeio. Para a entrega de hoje, fizemos a alocação do recurso para investimento na estrutura do hospital”, explicou o secretário estadual de Saúde, Ismael Alexandrino.
O hospital Materno Infantil passa a contar com um total de 31 incubadoras e 33 berços aquecidos. Essa quantidade de berços é considerada quantidade ideal e atende 100% da demanda, segundo a diretora do hospital, Rita de Cássia. “Esses 10 berços e 15 incubadoras farão toda a diferença na assistência prestada pelo Materno Infantil. Isso aqui representa vida, qualidade de vida para os recém-nascidos e melhores condições de trabalho para nossos colaboradores”, explicou a diretora do IGH, que administra o Materno Infantil.
A próxima meta do governo será reestruturar o centro cirúrgico para realizar qualquer procedimento, principalmente em crianças que nascem com lesões cardíacas. “Estamos buscando alternativas rápidas para podermos dar condições para que o colega cirurgião possa desenvolver a melhor técnica. Tudo isso para mostrar que nós temos que dar atenção para as coisas que são fundamentais, como a vida. Eu não deixei de ser médico. Eu estou governador do Estado, mas eu sou médico. E quando você vê a família bem, é porque o Estado realmente está cumprindo a sua tarefa”, acrescentou o governador.
Em janeiro, o Palácio anunciou o leilão de dois carros que atendem a governadoria e a primeira-dama para investir no hospital. Os veículos foram avaliados em cerca de R$ 325 mil cada um. “Seriam em torno de R$ 650 mil que podemos arrecadar. Espero que o leilão dê um valor significativo para atendermos as necessidades das crianças que estão em situação grave”, disse Caiado na quinta-feira, 10, daquele mês.
Segundo Rita de Cássia, a unidade tem uma dívida, só em repasses atrasados, de R$ 38 milhões. O dinheiro arrecadado pelo futuro leilão será utilizado para garantir que o hospital continue em funcionamento. “A gente vai usar para custeio. Nós temos um atraso de repasse e precisamos manter o hospital funcionando dentro da sua regularidade”, afirmou a diretora, na mesma data em que o governador decidiu leiloar os carros.