Pesquisa da UFG diagnostica câncer por meio da cera de ouvido

01 setembro 2019 às 00h00

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Método desenvolvido no Laboratório de Métodos de Extração e Separação é barato e simples, com potencial para detectar o câncer precocemente

A equipe do Laboratório de Métodos de Extração e Separação (Lames) da Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolveu uma técnica para diagnosticar o câncer por meio de análise da cera de ouvido. A inovação, batizada de cerumenograma, tem potencial para se tornar um procedimento de diagnóstico barato e rotineiro. A equipe, comandada pelo pesquisador Nelson Antoniosi, publicou seus achados na revista Nature neste mês.
Nelson Antoniosi começou a investigar a composição química do cerúmen (cera de ouvido) com objetivo de diagnosticar doenças em conjunto com sua orientanda, a pesquisadora egípcia Engy Shokry, em 2014. A dupla, que trabalhou com detecção de intoxicações e diabetes, passou a apurar variações químicas presentes no cerúmen de animais com câncer. Com a evolução do estudo para humanos, um universo de 102 amostras foi analisado – 51 de indivíduos saudáveis e 51 de doentes – e a taxa de precisão com que o câncer foi corretamente apontado foi de 100%.
Além da precisão, Nelson Antoniosi enumera vantagens do cerumenograma: “Além de ser não-invasivo, não são necessários gastos com uma nova tecnologia; nós aproveitamos um equipamento que já existe em vários institutos de pesquisa e demos a ele uma nova aplicação”. O custo esperado para o procedimento, caso seja adotado em larga escala, fica em torno de R$ 400 – abaixo dos gastos atuais com diagnóstico de câncer.
Segundo o pesquisador, o próximo passo do Lames é apurar a técnica, que já é capaz de detectar qualquer tipo de câncer – carcinoma, linfoma e leucemia – em qualquer estágio. Nelson Antoniosi acredita que seja possível aprimorá-la para identificar o subtipo da doença – em qual órgão ocorrem. Para isso, os pesquisadores do Lames precisarão de muito mais do que 102 amostras. Ao fecharem uma parceria com os hospitais A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo, e Araújo Jorge, em Goiânia, os pesquisadores esperam ampliar sua base para mais de setenta mil amostras.
Conforme a publicação da revista Nature, 158 compostos voláteis foram identificados no cerúmen, sendo que 27 destes podem ser biomarcadores para o câncer. Nelson Antoniosi explica: “Isso é possível porque o metabolismo da célula cancerosa é diferente do das células normais. Algumas substâncias aumentam, surgem ou diminuem em metabolismos com a doença. Queremos caracterizar perfis químicos para cada subtipo de câncer.”
Em setembro, Nelson Antoniosi apresentará a pesquisa na Universidade de Cambridge, Inglaterra, e em breve divulgará os resultados de outra pesquisa envolvendo cerumenograma em cães. Caso a tecnologia seja de fato adotada, poderá se tornar tão corriqueira quanto hemogramas, já que sua realização depende apenas da coleta do cerúmem com haste flexível com ponta revestida por algodão.

A importância do diagnóstico precoce
O médico oncologista e cirurgião de cabeça e pescoço Antonio Paulo Gontijo atesta a importância de exames de rotina para a detecção do câncer. Para os tumores mais comuns, como os de próstata e mama, existem exames de rotina. Mas cânceres de cabeça e pescoço geralmente chegam ao médico em estágio avançado, identificados por dentistas e otorrinolaringologistas. “A saúde pública não contempla diagnóstico precoce de cânceres menos frequentes. Só o que podemos fazer é a prevenção primária: conscientizar sobre importância de boa alimentação, estilo de vida saudável, evitar cancerígenos como cigarro, bom sono, atividade física.”
Antonio Paulo Gontijo afirma que nos estágios tardios o tratamento se complica. O estadiamento tem uma escala de um a quatro – 80% dos tumores de cabeça e pescoço são detectados em estadiamento três e quatro. “Existem três tipos de tratamentos: quimioterapia, radioterapia e cirurgia. No início, você pode resolver a situação com uso de apenas uma ‘arma’. Em estágios avançados você normalmente tem de usar tudo.”
O cirurgião complementa, revelando os benefícios que um diagnóstico prático e barato poderia trazer: “Infelizmente, no Brasil, os tumores ainda são diagnosticados em estadiamento avançado, às vezes quando a cura já é impossível. É uma questão com diversos motivos: o SUS atravessa uma crise sem precedentes e, neste país continental, o paciente frequentemente tem de ir longe para receber tratamento e diagnóstico. Quando trata-se de câncer, o diagnóstico retardado em seis meses faz toda a diferença.”