Em 1999, ainda nos primórdios da internet, uma homepage (ou site ou, ainda, sítio, em português) causava um misto de sentimento mórbido e empatia em quem a acessava. Seu mote consistia em mostrar o globo terrestre em forma planisférica e destacar de segundos em segundos um determinado país, alterando sua cor para preto. Abaixo da imagem animada, um pequeno texto dizia, em inglês, que, cada vez que um território “piscava” mudando de cor, aquilo significava uma morte por fome naquela nação.

O nome da página era (e é) The Hunger Site – ou “A Página da Fome” – e desde o século passado, portanto, faz apelo para doações para comida a gente faminta pelo mundo todo. A página deu origem a várias outras, da mesma organização: para tratamento de câncer de mama (The Breast Cancer Site), doações a veteranos de guerra (The Veterans Site), pesquisas sobre doenças (como The Alzheimer’s Site), resgate de animais (The Animal Rescue Site) e florestas tropicais (The Rainforest Site), entre tantas outras.

Em todas essas páginas, o mecanismo para ajudar é simples: basta o visitante clicar em um botão. Cada clique único resulta em uma doação, direcionada a instituições selecionadas e paga por quem ali exibe banners publicitários. Os anunciantes são, portanto, os “mecenas” da ação, ganhando “apenas” visibilidade para seu produto. Hoje, a página do Hunger Site não tem mais o sentido apelativo de seu início, mas mantém o criativo mecanismo que leva quem quer ajudar várias causas a não ter de gastar nada além de poucos minutos de seu tempo.

Nesses sites, há também a opção para os que desejam ir um pouco além no engajamento: após acessar e dar seu clique, há vários links e janelas para doar em dinheiro, também. Dessa forma, a pessoa interessada pode se envolver mais e mais com a causa, “adotando” algo específico relativo ao tema, ainda que de forma remota. Por exemplo, alguém que se envolva com o apoio a organizações que cuidam de animais abandonados, mas não tenha como abrigar um pet em sua residência, por qualquer que seja o motivo, pode fazer isso se tornando uma espécie de padrinho virtual de um bichinho escolhido em particular – o The Animal Rescue Site oferece essa opção.

Em tempos de eventos extremos batendo à porta, a causa ambiental é algo que carece urgentemente de mais envolvimento. Nesse sentido, no contexto global, até pelos acordos arduamente tecidos nas cúpulas climáticas, a economia verde está necessariamente cada vez mais impulsionada e o Brasil é peça chave no arranjo. O governo federal sabe disso e está, aos poucos, se adequando à agenda. Na semana passada, um exemplo: a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de regulação do mercado de créditos de carbono, uma das muitas tarefas a executar nessa área.

A iniciativa privada também precisa dançar essa nova dança. Depois de séculos consumindo recursos naturais para lucrar, chegou a hora de ganhar dinheiro às avessas, com a maior das necessidades dos tempos atuais: a preservação ambiental.

Entender com antecipação e da melhor forma o momento atual pode fazer toda a diferença entre ter sucesso no novo mercado ou perder o bonde da história. O empresário goiano Pedro Gonçalves é um dos que apostam em ideias ousadas para ligar meio ambiente a ganho de capital.

Pedro Gonçalves, fundador da startup Amazon Guardian: mecanismo inova na preservação | Foto: Euler de França Belém / Jornal Opção

Com mais três sócios, ele lançou uma empresa que se propõe facilitadora da comunicação entre quem se voluntarie a apadrinhar uma área de floresta em pé e quem tenha essa mesma área para preservar. Portanto, a ideia por trás da Amazon Guardian – o nome do empreendimento, em forma de startup – seria a mesma, para a questão da sustentabilidade, do que hoje é a Uber para o transporte ou a Airbnb para a hospedagem.

Assim como é possível chamar um carro ou alugar uma casa na praia usando apenas o celular, dessa forma será para preservar a selva amazônica, no projeto puxado por Pedro. Com um clique, a pessoa poderá se tornar a “guardiã” de uma microfloresta. Cada lote mediria em princípio, pela proposta atual da empresa, um acre, unidade estadunidense que equivale a pouco mais de 4 mil metros quadrados.

A pessoa que entrar no projeto poderá acompanhar como está sua porção de Amazônia em tempo real, por meio de satélite, já que a área será georreferenciada. Também haverá relatórios periódicos e até disponibilidade de visita in loco, se o contribuinte assim se dispor.

E o valor? “Vai custar por mês não mais do que seria uma assinatura de uma operadora de streaming, por exemplo”, garante Pedro. Ele calcula que o valor – que precisa levar em consideração o que for acertado com o dono da propriedade a ser “loteada” para preservação – deva girar em torno de 15 dólares.

No contrato social da empresa está como seu objetivo “a intermediação de pagamentos por prestação de serviços ambientais por desmatamento evitado e manutenção florestal, por meio de cessão de títulos de preservação ambiental”. Por “desmatamento evitado” entenda-se o pagamento pela garantia de que uma determinada área de floresta não irá ao chão.

Mas quem se proporia a entrar no negócio como “padrinho” de um lote desses na Amazônia, a fundo perdido? Basicamente as mesmas pessoas que tenham um perfil de ir mais intensamente nas causas que levem consigo, como ocorre com as bandeiras levantadas pelo The Hunger Site e suas páginas correlatas.

Onde estão essas pessoas? Pedro Gonçalves é bem objetivo: em sua maioria, na Europa. “Infelizmente, o Brasil ainda é um país onde há muitas outras demandas a resolver para a população. As pessoas não colocam a questão ambiental como prioritária”, explica. De fato, em pesquisa recente do Datafolha sobre qual tema traz maior preocupação aos brasileiros entre as áreas consideradas de responsabilidade do governo federal, a saúde lidera com 23% e o meio ambiente está em último lugar, com 1%.

“Por isso, meu cliente em potencial, em sua maior quantidade, não está no Brasil, mas na Europa, especialmente nos países nórdicos”, diz. O empresário não diz isso se baseando no senso comum, mas em um indicador da Universidade de Yale (EUA), o Environmental Performance Index (EPI) – ou “Índice de Desempenho Ambiental”, em uma tradução livre. Nele, aparecem 4 países escandinavos entre os 10 primeiros colocados (Dinamarca, na liderança, Finlândia, Suécia e Islândia); dos 20 primeiros, só a Austrália não pertence ao continente europeu. E entre as 180 nações do levantamento, os Estados Unidos estão em 43º lugar e o Brasil, em 81º no que diz respeito a envolvimento com a causa do meio ambiente.

Os governos europeus, de fato, se mostram mais ligados à questão ambiental e suas populações, também, em relação à média mundial. “Se os europeus estão interessados na preservação da Amazônia, também estarão interessados em pagar por isso”, raciocina Pedro.

A empresa está em fase de prospecção de áreas e de parceiros para a implementação do projeto. Os sócios estudam três áreas: uma no Acre, próxima a Rio Branco; outra no norte do Mato Grosso, no município de São Félix do Xingu; e uma terceira em Altamira (PA), um dos locais de maior pressão para desmatamento em toda a Amazônia.

A ideia saiu do papel agora, mas surgiu pela primeira vez há quase 20 anos, quando Pedro Gonçalves ainda estava cursando a faculdade de Direito, conversando com amigos. A preocupação ambiental vem desde a infância – Pedro nasceu em Goiânia, mas cresceu em Goianésia, a 150 quilômetros da capital, na região do Vale do São Patrício. “Quando eu era bem criança, eu amava brincar no córrego de água limpa que tinha – na verdade, ainda tem – na propriedade de nossa família.  E me doeu muito quando meu pai disse ‘olha, isso aqui tudo vai acabar, porque vamos fazer uma represa’. A mudança da paisagem, o corte de uma árvore, era algo que doía. O desmatamento é uma coisa feia, dolorosa.”

Para um goiano, porém, fica a questão: por que se preocupar com a Amazônia, vivendo no Cerrado, que está ainda mais ameaçado? O bioma, segundo algumas autoridades no tema, como o professor Altair Sales Barbosa, fundador do Memorial do Cerrado, já estaria extinto como tal, o que levaria também ao fim dos reservatórios de água – o Cerrado é a “caixa d’água do Brasil”, concordam os especialistas.

Pedro Gonçalves não fecha as portas a projetos da empresa no Cerrado, mas vê dificuldades maiores. “Trabalhamos com proprietários que podem nos arrendar sua terra ou ser sócios no empreendimento. Isso é bem mais fácil de obter na Amazônia, que tem visibilidade lá fora, o que não ocorre tanto com nosso bioma”. Ou seja, é mais difícil “vender” o Cerrado como ideia de preservação, embora seja consenso que sua preservação é também extremamente necessária.