O que é essa tal terceirização?
25 abril 2015 às 11h44
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Aprovação do Projeto de Lei 4330 permite às empresas terceirizarem até suas atividades-fim, mas Renan Calheiros ameaça barrar tramitação no Senado
Cezar Santos
As empresas brasileiras poderão contratar mão de obra terceirizada, isto é, de outras empresas, para desempenhar funções mesmo que sejam na atividade-fim dessa contratante. Esse é o teor do Projeto de Lei (PL) 4330 aprovado na noite de quarta-feira, 22, na Câmara dos Deputados, com destaques (pedidos de alterações) em relação ao que já tinha sido aprovado no dia 8. O PL 4330 agora seguirá para o Senado, onde deve continuar gerando polêmica e divisões.
Mas, afinal, o que é exatamente essa tal terceirização? Há várias definições, constantes de manuais de economia e de administração. Consta que o substantivo “terceirização” é um neologismo brasileiro relativamente recente. O jornalista Sérgio Rodrigues tem uma coluna na Veja online em que esclarece dúvidas sobre palavras. Ele diz que o “Dicionário Houaiss” fixa a data de 1991 para o primeiro registro escrito da palavra terceirização, a mesma do verbo “terceirizar” e do adjetivo “terceirizado”. Surgiu como tradução engenhosa e sucinta do inglês outsourcing. Eis como o “Dicionário Houaiss” registra o termo:
1. forma de organização estrutural que permite a uma empresa transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração;
2. contratação de terceiros, por parte de uma empresa, para a realização de atividades geralmente não essenciais, visando à racionalização de custos, à economia de recursos e à desburocratização administrativa.
Rodrigues anota ainda: “Contra-tação de terceiros. Se o neologismo administrativo data da última década do século passado, é bem mais antiga a acepção, inclusive jurídica, de ‘terceiro’ como ‘outro, pessoa que está do lado de fora de uma relação’ – no caso, a relação de trabalho entre a dita empresa e seus funcionários.”
Terceiro setor
O jornalista lembra que o gramático Domingos Paschoal Cegalla levanta uma hipótese diferente ao dizer que o neologismo se baseou, “provavelmente, no chamado terceiro setor básico, ou setor terciário, da economia de um país, que engloba serviços em geral”. Diante do exposto no parágrafo anterior, porém, recorrer ao “setor terciário” parece no mínimo desnecessário para dar conta do sentido corrente de “terceirizar”.
A propósito, outras definições para o termo terceirização:
1 – fenômeno através do qual uma empresa (tomadora) contrata um trabalhador para prestar seus serviços a uma segunda empresa; a tomadora se beneficia da mão de obra, mas não cria vínculo de emprego com o trabalhador, pois a empresa-contratante é colocada entre ambos;
2 – uma forma de organização estrutural que permite a uma empresa privada ou governamental transferir a outra suas atividades-meio, proporcionando maior disponibilidade de recursos para sua atividade-fim, reduzindo a estrutura operacional, diminuindo os custos, economizando recursos e desburocratizando a administração.
Como se vê, a terceirização nada mais é que uma empresa contratar mão de obra vinculada a outra empresa. Em comparação, é exatamente o que você, leitor, faz, quando contrata os serviços de uma empresa para desentupir esgoto ou para consertar o encanamento em sua residência, por exemplo.
Ou o que o síndico de seu condomínio faz para desinsetizar o prédio: vem um funcionário de uma empresa e joga o veneno. Você não quer ou não sabe fazer o serviço, então, paga alguém ou uma empresa para fazê-lo em seu lugar. Esse tipo de relação comercial de trabalho existe desde sempre.
Mas a PL 4330 tem causado polêmica, principalmente por ampliar o alcance abrindo a terceirização também para a atividade-fim da empresa contratante, o que atualmente não é permitido. Mas, afinal, o que vem a ser atividade-fim e atividade-meio?
Há certa dificuldade de se diferenciar os dois conceitos, mas tanto a doutrina como a jurisprudência definem como atividade-meio aquela que não é inerente ao objetivo principal da empresa, trata-se de serviço necessário, mas que não tem relação direta com a atividade principal da empresa, ou seja, é um serviço não essencial. A atividade-fim é aquela que caracteriza o objetivo principal da empresa, a sua destinação, o seu empreendimento, normalmente expresso no contrato social.
Exemplificando: uma empresa transportadora tem como atividade-fim do negócio o transporte rodoviário de mercadorias, portanto, não poderia ter motoristas autôno-mos/terceirizados. Uma construtora não poderia ter engenheiros autônomos, pelo mesmo motivo, e assim por diante.
Os defensores da terceirização lembram que essa prática já existe há décadas, mas sem regulamentação. Com a aprovação do projeto, a matéria ficaria regulamentada. Já os contrários à terceirização, dizem que haverá uma precarização da relação de trabalho concomitante à supressão de direitos trabalhistas.
Na verdade, há décadas, economistas se dividem dentro e fora do Brasil sobre os possíveis efeitos da terceirização de trabalhadores pelas empresas. Empresários e representantes de trabalhadores normalmente se colocam em campos opostos.
Pró e contra
A BBC Brasil entrevistou economistas com pontos de vistas diferentes sobre o tema em uma tentativa de esclarecer os argumentos de um e outro lado. A dúvida é se a terceirização ajuda a gerar empregos ou apenas precariza as relações de trabalho? Reproduzimos trechos das opiniões.
Para Márcio Salvato, coordenador do curso de economia do Ibmec-MG, ampliar as possibilidades de terceirização das atividades das empresas pode ajudar a tornar a economia brasileira mais competitiva, impulsionando a criação de empregos no médio prazo.
“A contratação de terceirizados pode reduzir os encargos sobre a folha de pagamentos e os recursos gastos com a gestão de trabalhadores nas empresas. Além disso, elas podem contratar trabalhadores mais especializados, o que gera ganhos de eficiência”, diz ele.
O professor Fernando Peluso, do Insper, por outro lado, é mais cético sobre os efeitos da terceirização sobre a geração de empregos.
“Uma empresa que precisa de 1.000 pessoas para produzir vai continuar precisando dessas 1.000 pessoas. Pode haver uma substituição de empregados contratados por terceirizados, mas não vejo por que as empresas contratariam mais — ou menos”, diz ele.
José Dari, economista da Unicamp especialista em relações de trabalho, concorda parcialmente com Peluso.
“De fato não há nenhuma evidência empírica de que a terceirização gere emprego. O que gera emprego é uma economia aquecida: o empresário contrata para produzir mais, quando sabe que pode vender mais”, diz.
Mas Dari vai além: “Pode ser até que ocorra o contrário. Ou seja, que com um aumento da terceirização haja um fechamento de postos de trabalho, porque os trabalhadores terceirizados tendem a trabalhar mais horas”, diz.
O professor da Unicamp lembra que nos anos 1990 muitos economistas diziam que o desemprego elevado era causado pela rigidez da legislação trabalhista brasileira.
“Eles defendiam que era preciso reduzir os custos relacionados à demissão de trabalhadores para estimular contratações e foi nessa época que foram criados os contratos por prazo determinado”, afirma Dari.
“E o que aconteceu? Esses contratos foram muito pouco utilizados e nos anos 2000 conseguimos reduzir o desemprego mantendo os direitos dos trabalhadores porque a expansão da atividade econômica favoreceu isso.” Tanto Peluso quanto Salvato acreditam que a possibilidade de as empresas terceirizarem suas atividades pode ajudá-las a se tornar mais eficientes.
Projeto pode abrir “guerra” de caciques no Congresso
O projeto da terceirização no país pode ser “congelado” no Senado. O risco se dá na queda de braço entre os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). No dia seguinte à aprovação do texto na Câmara, o senador falou a interlocutores próximos da possibilidade de “engavetar” o projeto.
Renan Calheiros foi claro em dizer que não concorda com o texto que foi aprovado na quarta-feira pelos deputados em plenário. Antes, já havia dito que a regulamentação da proposta não poderia ser “ampla, geral e irrestrita”. Cunha havia mandado um recado público para Renan. “O que a Câmara decidir pode ser revisado pelo Senado. Mas a última palavra será da Câmara. A gente derrubaria a decisão se o Senado desconfigurar o projeto”, disse.
Ocorrer que o projeto original, apresentado em 2004, é de autoria do ex-deputado federal goiano Sandro Mabel, e a Câmara tem a prerrogativa regimental de dar a palavra final sobre o teor da proposta. Isso significa que, mesmo se os senadores aprovarem mudanças ao texto, os deputados podem retornar ao teor que foi aprovado pela Câmara que a matéria seguirá para a sanção presidencial.
Renan deve trabalhar para adiar, o quanto for possível, a apreciação do texto no Senado. Uma estratégia é fazer com que ele passe por várias comissões permanentes, sejam realizadas sessões e audiências públicas nas comissões e no plenário.
Diante da ameaça de Cunha de restabelecer o que passou na Câmara, Renan deve segurar a votação da proposta pela Casa ao menos durante a sua gestão, que se encerra em janeiro de 2017.
Na quinta-feira, ao saber da ameaça de Renan Calheiros, Eduardo Cunha prometeu dar o troco se for o caso. Cunha disse que “pau que dá em Chico dá em Francisco” e que propostas de senadores também terão o mesmo tratamento na Câmara dos Deputados. “A convalidação na Câmara vai andar no mesmo ritmo que a terceirização no Senado.”
Na sexta, 24, Renan divulgou nota dizendo que não iria polemizar com o presidente da Câmara, pontuando ainda que não vai “engavetar” nenhum projeto, porque não pode sonegar o debate de qualquer tema. Uma briga de cachorro grande, como se diz popularmente.