Com mais de 40 anos de atuação na advocacia criminal e mais de três décadas como professor de Direito Penal na Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Sérgio dos Santos afirma que decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) representam uma grave distorção jurídica. Ele cita, em especial, os julgamentos relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023.

Pedro Sérgio avalia, com base no Código Penal brasileiro, que não houve golpe e muito menos tentativa de golpe, e afirma que a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) foi totalmente desprezada pela magistratura.

“Nos últimos anos, tenho visto o Direito Penal ser diminuído por interpretações equivocadas, principalmente vindas da Suprema Corte. O que fizeram no 8 de janeiro foi jogar no lixo o Código Penal e a Lei Orgânica da Magistratura”, critica.

A lei esquecida

Segundo o professor, ministros do STF violaram o artigo 36, inciso III, da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que proíbe magistrados de opinarem publicamente sobre processos em andamento.

“Ministros como Alexandre de Moraes e Flávio Dino já haviam se manifestado previamente. Pela lei, estariam impedidos de atuar. Não poderiam julgar esses casos, mas continuaram no processo como se nada tivesse acontecido”, aponta.

O artigo 36 da Lei Loman estabelece o que é vedado ao magistrado, incluindo o exercício de atividades empresariais incompatíveis com o cargo, como exercer o comércio ou gerir sociedades comerciais. Além disso, veda o exercício de cargos em direção ou técnicos em instituições civis, exceto associações de classe e sem remuneração. É proibido também ao magistrado manifestar-se publicamente sobre processos pendentes de julgamento, sendo a liberdade de expressão limitada em relação aos autos. 

De acordo com o item III, “é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento — próprio ou alheio, bem como emitir juízo depreciativo acerca de despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica feita nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério.”

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Invasão do Congresso Nacional | Foto: Reprodução

Golpe de Estado ou depredação?

Para Pedro Sérgio, os atos do dia 8 de janeiro não configuram tentativa de golpe de Estado. Ele defende que os envolvidos devem ser punidos, mas apenas pelo crime de dano ao patrimônio público.

“Para dar golpe, é preciso destituir o poder constituído, ou seja, o presidente, os ministros, os deputados. Quebrar cadeiras e vidraças de prédios vazios não derruba governo. Isso é crime de dano, não é golpe.”

Crime impossível

O criminalista recorre ao artigo 17 do Código Penal, que trata do “crime impossível”, para sustentar sua interpretação.

O que diz o Art. 17 – “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”

“Não havia a menor chance de êxito. É como tentar matar alguém com uma bala de festim. O meio era absolutamente ineficaz para o fim pretendido. Mesmo que a intenção fosse o golpe, a execução foi ineficaz.”

Atos preparatórios não são puníveis

O professor também menciona artigos 14, 15 e 31 do Código Penal para rebater acusações baseadas em supostos planos ou conversas de articulação.

O Artigo 14 trata, em primeiro lugar, do crime consumado. Vejamos o que diz a lei: “consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.”

Em seguida, aborda a tentativa de crime: “tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.”

Já o Artigo 15 refere-se à desistência voluntária e ao arrependimento eficaz:
“O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.”

Por outro lado, o Artigo 31 trata de casos de imputabilidade. Ele estabelece:
“O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado.”

“Atos preparatórios não são puníveis. Se houve desistência voluntária do próprio grupo, o crime sequer se consuma. O STF está tratando como crime aquilo que o Código Penal expressamente não considera como tal.”

O julgamento político

Pedro Sérgio é enfático ao classificar a postura do Supremo como política, e não jurídica. Ele lembra que o ministro Luiz Fux já alertou sobre esse risco.

“Um julgamento jurídico começaria na primeira instância, garantindo o duplo grau de jurisdição. Mas o STF concentrou tudo. O que temos hoje é um julgamento político, movido por paixões ideológicas.”

A quebra da imparcialidade

Na visão do professor, ministros que antecipam opinião ou conduzem investigações e julgamentos ao mesmo tempo ferem a base do Estado de Direito.

“Não existe imparcialidade quando o juiz é, ao mesmo tempo, investigador, acusador e julgador. Isso é uma aberração jurídica. Estamos diante de um processo de exceção.”

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Invasão ao STF | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Insegurança jurídica

Pedro Sérgio alerta que a conduta da Suprema Corte pode trazer reflexos graves para a economia e para a democracia brasileira.

“Nenhum empresário quer investir em um país onde não vale a lei, mas a opinião dos juízes. Essa insegurança jurídica é corrosiva, abre precedentes perigosos e ameaça a estabilidade institucional.”

A mídia e a opinião pública

O advogado critica ainda o papel da imprensa, que, segundo ele, reforçou narrativas jurídicas frágeis.

“A mídia repetiu a versão oficial sem questionar. Com isso, parte da sociedade passou a acreditar que houve golpe. Mas tecnicamente não houve. Houve vandalismo, que deve ser punido na forma da lei, mas não da maneira como o STF está impondo.”

Código Penal como referência

Para o professor, ignorar o Código Penal em julgamentos de tamanha repercussão mina a credibilidade do sistema de Justiça.

“Não podemos ter dois códigos: um para a população e outro para os ministros do Supremo. A lei é clara, objetiva e deve ser aplicada igualmente a todos.”

A necessidade de freios e contrapesos

Pedro Sérgio defende que o Legislativo e a sociedade civil cobrem limites institucionais ao Supremo, a fim de preservar o equilíbrio democrático.

“Se um poder não encontra freios, ele se torna absoluto. E isso é incompatível com a democracia. O STF hoje age sem controle, e isso precisa ser debatido.”

O experiente criminalista reforça sua posição de que os réus do 8 de janeiro devem ser responsabilizados, mas dentro da legalidade.

Que sejam punidos, sim, mas pelo crime que realmente cometeram: dano ao patrimônio público. Criar crimes inexistentes para satisfazer interesses políticos é destruir o próprio Estado de Direito que dizem tanto defender.”

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