Quando não consegue se explicar, o ex-presidente reitera críticas contra seus adversários preferenciais: a imprensa e a classe social que aderiu ao governo

Lula da Silva discursa para sindicalistas no 1º de Maio, em tom indignado: “A elite nunca ganhou tanto” | Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula
Lula da Silva discursa para sindicalistas no 1º de Maio, em tom indignado: “A elite nunca ganhou tanto” | Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Cezar Santos

“O que me assusta profundamente é o medo que a elite brasileira tem que eu volte à Presidência da República. É um medo inexplicável porque nunca eles ganharam tanto dinheiro na vida como no meu governo.”

As palavras acima são do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ditas durante encontro com sindicalistas da CUT e outras entidades ligadas ao PT, no Vale do Anhan­gabaú, no Centro de São Paulo, nas comemorações do Dia do Tra­ba­lhador. No ato, Lula praticou o es­porte preferido dele nos últimos anos, sempre que se vê acuado, que é atacar dois alvos: a imprensa e uma tal de “elite”.

Lula detratar a imprensa tem lógica, já que ela tem mostrado as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal sobre desmandos patrocinados pelos governos do PT, como os escândalos do mensalão e do petrolão, e a incompetência do governo Dilma, que está levando a economia do País à bancarrota. Mas, o ataque contra essa tal elite é no mínimo incongruente, e até Lula se mostra surpreso — “porque nunca eles (a elite) ganharam tanto dinheiro na vida como no meu governo”. No delírio lulista, há uma elite que não aceita um homem que veio do povo, ou seja, ele mesmo. É a insistência já manjada no falso e cínico discurso de luta de classes: pobre (ele) contra os ricos (os outros que o criticam).

“Sou um homem que eu sei de onde vim, sei onde estou e sei para onde eu vou. O que me assusta profundamente é o medo que a elite brasileira tem que eu volte à Pre­si­dên­cia da República. É um medo inexplicável porque nunca eles ganharam tanto dinheiro na vida como no meu governo, nem em­presários, nem banqueiros e os tra­balhadores também. Eles deveriam agradecer a Deus, todo dia a­cender uma vela, pela a minha pas­sagem e da Dilma pelo governo, mas não eles são masoquistas. Gostam de sofrer”, vociferou Lula.

Mas os ataques do petista no 1º de maio foram resposta direta a um órgão de imprensa em especial, a revista “Época”, que na semana passada veiculou reportagem sobre investigação do Minis­té­rio Público Federal sobre o ex-pre­sidente. Se­gundo a revista, o Nú­cleo de Com­bate à Corrupção da Procuradoria da República em Bra­sília abriu uma in­vestigação contra o ex-mandatário do País por tráfico de influência internaci­o­nal e no Brasil para facilitar a prestação de serviços à O­de­brecht com governos estrangeiros.

Lula seria suspeito de usar sua influência para garantir negócios à construtora com representantes de governos estrangeiros, em obras de rodovias, portos e aeroportos que foram financiadas pelo BNDES.

A revista reproduz documento em que a Procuradoria justificaria a abertura do processo por “supostas vantagens econômicas obtidas, direta ou indiretamente, da empreiteira Odebrecht pelo ex-presidente da República, entre os anos de 2011 a 2014, com pretexto de influir em atos praticados por agentes públicos estrangeiros, notadamente os governos da República Dominicana e Cuba, este último contendo obras custeadas, direta ou indiretamente, pelo BNDES”.

A Odebrecht é uma das responsáveis pela obra do porto de Mariel, em Cuba, com recursos do BNDES e cujo financiamento o governo tornou secreto aos brasileiros. Conforme a revista, o banco fechou o financiamento de ao menos 1,6 bilhão de dólares “com destino final à Odebrecht após Lula, já como ex-presidente, se encontrar com os presidentes de Gana e da República Domi­nicana – sempre bancado pela empreiteira.”

Sem resposta e no ataque

Empresários Roberto Teixeira, José Carlos Bumlai, Joesley Batista e Eike Batista: a elite companheira de Lula e do PT | Fotos: Divulgação; Veja; Ultimo Segundo; Reuters
Empresários Roberto Teixeira, José Carlos Bumlai, Joesley Batista e Eike Batista: a elite companheira de Lula e do PT | Fotos: Divulgação; Veja; Ultimo Segundo; Reuters

Lula ficou uma “arara” com a revista, mas não respondeu objetivamente à investigação do Nú­cleo de Com­bate à Corrupção da Procuradoria da República, que a publicação apenas noticia. Prefere atacar: “Não tem um representante da elite brasileira que não tenha recebido favor do Estado. Conheci muitos meios de comunicação falidos e ajudei porque acho que tem que ajudar. Aí vem essas revistas brasileiras que são um lixo. Não valem nada. Peguem todos os jornalistas da ‘Veja’ e da ‘Época’ e enfiem um dentro do outro que não dá 10% da minha honestidade”.

Percebe-se que a elite é uma obsessão para o ex-presidente. Etimologicamente, o termo elite significa o que há de melhor. No “Dicionário Houaiss” há duas acepções nesse sentido: 1 – o que há de mais valorizado e de melhor qualidade, especialmente em um grupo social; 2 – minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social.

No Brasil, o termo ganhou uma conotação negativa, no sentido de que elite é aquele que está longe do povo, e por extensão, contra o povo. Os ricos, por exemplo, nesse sentido, seriam uma turma que está contra o povo. Claro que essa acepção do termo está carregada de preconceito ideológico. Não por acaso, integrantes de partidos de esquerda estão sempre se referindo a eles próprios como os benfeitores do povo, e aos adversários como a elite que está contra o povo. É gente que faz parte da elite atacando a própria elite, porque acha que “pega bem”.

Lula da Silva é um que sempre recorre ao termo elite para designar toda e qualquer pessoa que não concorda com seus atos e ideias. Qualquer pessoa que não goste da incompetência de Dilma Rousseff na condução do País, que rejeite a corrução com que o PT arrasou a Pe­tro­brás, para Lula e companhia é elite.

E aqui, pode-se fazer uma reflexão: em que categoria social se coloca alguém que mora em apartamento de cobertura numa cidade e tem mais um apartamento tríplex de luxo na praia do Guarujá? É o caso de Lula da Silva. E é muito estranho que ele não se reconheça como parte dessa elite, pois é amigo e frequenta barões da empreitaria, como o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS.

Pinheiro — informou reportagem da revista “Veja” da semana passada — é o homem da elite que reformou um sítio luxuosíssimo que Lula usa como casa de campo em Atibaia (SP), onde costuma passar os fins de semana. O local é equipado com piscina, churrasqueira, campo de futebol e um lago artificial para pescaria, um dos esportes preferidos do ex-presidente.

Segundo a reportagem da revista semanal, a reforma do sítio lulista foi tocada por um homem recrutado pelo empresário José Carlos Bumlai, também amigo de Lula e responsável em cuidar dos assuntos pessoais do ex-presidente. Bumlai é pecuarista em Mato Grosso do Sul e está citado no escândalo do Petrobrás, além de outros escândalos, como o suposto esquema de fraudes em licitação, lavagem de dinheiro e pagamento de propinas em contratos da empresa de saneamento de Campinas (SP), em 2011.

Até as pedras de Atibaia sa­bem quem é o dono do sítio, mas a propriedade está no nome dos empresários (olha mais elite aí!) Jonas Suassuna e Fernando Bittar, sócios de Fábio Luiz da Silva, o Lulinha, filho do Lulão.

Outro elitista amigão de Lula é o compadre Roberto Teixeira, um rico empresário de São Bernardo dos Campos, onde o ex-metalúrgico mora, já “emprestou” imóvel para o ex-presidente e também apareceu algumas vezes em negócios estranhos envolvendo Lula e o filho de Lula. É muita elite na cozinha de Lula da Silva.

Empresariado queria Lula como candidato no lugar de Dilma

Roger Agnelli, Antoninho Marmo Trevisan e André Esteves: esses e outros empresários fazem parte de um tipo de conselho direto de Lula da Silva | Fotos: José Cruz/ABr; Antonio Cruz/ABr; Pedro Dias
Roger Agnelli, Antoninho Marmo Trevisan e André Esteves: esses e outros empresários fazem parte de um tipo de conselho direto de Lula da Silva | Fotos: José Cruz/ABr; Antonio Cruz/ABr; Pedro Dias

Lula é parte da elite financeira deste País. Elite financeira, não cultural, evidentemente. Aqui, o termo referencia o suprassumo de um grupo social que tem muito dinheiro e posses, embora muitas dessas posses não estejam no próprio nome.

O ex-presidente se alinha com gente como os donos da JBS, que se tornou a maior empresa mundial de comercialização de proteína animal graças aos polpudos financiamentos a juros camaradas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Coincidência que a JBS tenha se tornada a maior financiadora das campanhas petistas? E Eike Batista, também largamente favorecido pelo BNDES, chegou a ser apontado por Dilma Rousseff como exemplo para o empresariado brasileiro, quebrou e deixou milhares de investidores no prejuízo?

E Luiza Trajano, empresária que comanda a rede de lojas de varejo Magazine Luiza e outras empresas que venderam os “tubos” com a política de estímulo ao consumo praticada de forma irresponsável pelo governo federal, isentando de IPI as aquisições de eletrodomésticos da chamada linha branca? Prova de que essa política de estímulo ao consumo foi irresponsável é que hoje 61,6% das famílias brasileiras estão endividadas, como mostrou no mês passado pesquisa da Confe­deração Nacional do Comércio (CNC). Quanto à dona Luiza Trajano, está muito bem, obrigado.

Ao longo dos anos, como presidente e mesmo depois, o chefão do PT encontrou-se várias vezes com gente como os empresários André Esteves (dono do BTG Pactual e um dos empresários mais ricos do País; por acaso, citado pelo doleiro Alberto Youssef na delação do roubo à Petrobrás), Roger Agnelli (ex-presidente da Vale, criou a AGN, empresa com negócios nas áreas de mineração, bioenergia e logística), Antoninho Marmo Trevisan (Trevisan Escola de Negócios, apoiador de primeira hora do petismo) e o agropecuarista José Carlos Bumlai. Algumas dessas reuniões eram coletivas e outras reservadamente.

E é bom não esquecer que em 2013 e no início do ano passado, quando já estava claro que os efeitos nefastos do primeiro governo de Dilma Rousseff na economia iriam estourar mais adiante e que o País não aguentaria uma segunda gestão tão inepta , empresário pediram reiteradamente o “volta, Lula”. Principalmente o setor industrial, que foi “desmontado” no governo Dilma, queria o ex-metalúrgico como candidato à Presidência.

Lula até tentou criar as condições para que sua candidatura fosse viabilizada, no velho estilo “sem querer querendo”, mas avaliou que seria muito difícil explicar a manobra para o eleitor, o que seria uma confissão de que ela não dera conta da missão. Além disso, Dilma fez valer a força de titular do cargo, esvaziou o poder de influência de auxiliares lulistas no governo e ficou como candidata à reeleição. Lula, e não Dilma, era o nome preferido da… elite.
Essa elite de que tanto reclama Lula da Silva está com o PT. Mais que isso, faz parte do governo, como é o caso da ministra Kátia Abreu, senadora e presidente licenciada da Confe­deração Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), tida pelos petistas como latifundiária e inimiga dos trabalhadores.  Lula e a elite se adoram. É ingratidão do ex-presidente ficar atacando essa parceira tão querida.