Justiça considera ilegal decreto de Iris Rezende sobre o Plano Diretor
29 agosto 2015 às 11h21
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Reportagem teve acesso a uma sentença judicial que mostra: decreto do ex-prefeito, pelo qual empresas e servidores investigados pela Câmara Municipal justificam suas ações, possui inconsistências jurídicas
Marcos Nunes Carreiro
A Comissão Especial de Inquérito (CEI), mais conhecida como CEI das Pastinhas, tem movimentado a Câmara Municipal nas últimas semanas. As investigações sobre irregularidades são muitas: fraude na liberação de alvarás, falha na venda de áreas públicas, ocupação irregular de terrenos, construções ilegais, participação de servidores públicos na construção de projetos privados, entre outras. (leia mais sobre a CEI na entrevista com o vereador Elias Vaz, nas páginas seguintes).
E em meio a tantas oitivas com ex-secretários da antiga Secretaria de Planejamento e Habitação (Seplam) da Prefeitura de Goiânia, servidores e empresários, é comum ouvir justificativas para as irregularidades baseadas em dois pontos principais: o decreto 176, de 23 de janeiro de 2008, assinado pelo ex-prefeito de Goiânia Iris Rezende (PMDB); e a Lei Complementar 204, de 4 de maio de 2010.
Os dois documentos foram elaborados para realizar mudanças na Lei Complementar 171, de 29 de maio de 2007, mais conhecida como o novo Plano Diretor de Goiânia. Quando foi criado, o Plano estabeleceu novas regras e prazos para as construções na cidade. Logo, foi necessário estabelecer um regulamento de transição, visando atender àqueles empreendimentos que estavam em andamento na época.
Esse artigo determinava:
“Os projetos regularmente protocolados anteriormente à data da vigência desta Lei serão avaliados de acordo com a legislação vigente à época do seu protocolo.
“Parágrafo único. A condição prevista no caput terá validade de 2 (dois) anos, que se constituirá no prazo máximo para aprovação e licenciamento dos projetos pela SEPLAM.”
Assim, o decreto teve como função principal modificar esse artigo, estabelecendo aos construtores e empresas com empreendimentos em andamento novos regulamentos. Função semelhante cumpriu a lei complementar 204, que deu a um determinado número de envolvidos mais prazo para regulamentar sua situação. Os dois documentos funcionam, assim, como uma espécie de base para fundamentar as justificativas de prazos que foram inequivocamente ultrapassados ou simplesmente ignorados.
Porém, a reportagem teve acesso a uma sentença judicial — que conta o caso de um empreendimento que seria construído na esquina das ruas T-61 e T-38, no Setor Bueno (veja matéria na página ao lado) — em que o juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) Sebastião Luiz Fleury classificou os dois documentos como ilegal e inconstitucional, respectivamente.
Sobre o decreto 176/2008: segundo o juiz, o prazo estabelecido para que o novo Plano Diretor (Lei Complementar 171/2007) entrasse em vigor era de 90 dias após sua publicação no Diário Oficial, o que aconteceu no dia 26 de junho de 2007. Logo, a lei passaria a valer no dia 24 de setembro daquele ano. À época, porém, a Prefeitura alegou que a circulação do documento só se deu no dia 22 de julho e que, portanto, passou a vigorar no dia 22 de outubro, o que daria legalidade aos processos de construtoras protocolados antes deste dia.
Entretanto, o juiz diz que o município não conseguiu comprovar que o Diário Oficial tenha circulado apenas no dia 22 de julho daquele ano. Logo, ele considera que a lei entrou em vigor, efetivamente, em 24 de setembro. Aí entra o decreto do ex-prefeito Iris Rezende. Em 23 de janeiro de 2008, o então chefe do Executivo municipal baixou decreto aumentando o prazo para que as empresas pudessem regularizar suas situações.
A questão é que, no decreto, o ex-prefeito dispõe no 1º artigo: “Para efeito de aplicação do disposto no art. 209, da Lei Complementar nº 171 (novo Plano Diretor), de 26 de julho de 2007, considera-se ‘projetos regularmente protocolados’ aqueles protocolados na Prefeitura, até a data de 21 de outubro de 2007”.
Para o juiz, como o Plano Diretor entrou em vigor de fato em 24 de setembro, o decreto “extrapolou os limites do poder regulamentar, na medida em que alterou o prazo fixado no artigo 209, da aludida Lei, padecendo, neste ponto, de vício de ilegalidade, ante a inovação legislativa”. Isto é, a sentença dispõe que o decreto de Iris é ilegal.
Sobre a Lei Complementar 204/2010: o pedido de inconstitucionalidade da Lei Complementar 204/2010, como diz a sentença, é devido ao seu caráter de “ofensa ao princípio constitucional da impessoalidade, pois foi direcionada a projetos específicos, fato demonstrado pelo seu anexo, o qual lista os projetos que terão os benefícios dos novos prazos”. A questão é que a lei anexa 131 empresas específicas que seriam beneficiadas com uma nova extensão de prazo para regularização das obras que estavam supostamente enquadradas no antigo Plano Diretor.
O juiz tratou o assunto da seguinte maneira:
Note-se que, em maio de 2010, foi publicada a Lei Complementar nº 204, a qual prorrogou o prazo constante no parágrafo único, do artigo 209, do novo Plano Diretor.
Com efeito, em tese, a aludida Lei afastaria formalmente as ilegalidades apontadas no Decreto Municipal nº 176/2008, ante o princípio da hierarquia de normas. Todavia, vejo que a sua edição ocorreu com o nítido intuito de beneficiar situações determinadas, ferindo, por conseguinte, entre outros, o princípio da impessoalidade, da moralidade administrativa e ainda a segurança jurídica, o desenvolvimento urbanístico e o meio ambiente.
Isto porque a Lei Complementar nº 204/2010, só foi editada quase 3 (três) anos depois do início da vigência do novo Plano Diretor, e quando já havia exaurido o prazo previsto no parágrafo único do artigo 209, ou seja, alterou a regra de transição, cujos efeitos já haviam sido produzidos.
A alteração dos prazos, para permitir que determinados projetos sejam analisados sobre a ótica da legislação anterior, menos restritiva, fere o princípio da moralidade, pois, enseja uma clara vantagem para determinadas pessoas.
É importante ressaltar que a Lei é fonte de segurança jurídica e, como tal, deve ser estável e previsível, sendo imprudente que sucessivas leis aumentem sobremaneira o rol de casos excepcionais de outra lei, afetando, assim, a segurança das relações jurídicas.
Vale dizer, ainda, que a Lei Complementar nº 204/2010 também fere o princípio da impessoalidade, na medida em que é direcionada a um grupo determinado de pessoas, para satisfazer interesses privados, o que fica mais evidente ainda, em razão da lista dos beneficiados constantes em seu anexo.
Vê-se, portanto, que a Lei em questão pretende, na realidade, aplicar a legislação menos restritiva ao meio ambiente urbano, isso, repito, depois de transcorridos quase 03 (três) anos da vigência do novo Plano Diretor deste Município, o qual a propósito está de acordo com o Estatuto das Cidades, o que não ocorre com a legislação anterior.
Ora, o legislador deverá procurar atender aos anseios sociais no momento da elaboração das leis, e não a interesses privados e econômicos, que ferem frontalmente o interesse público, sob pena de a lei ser considerada inconstitucional.
O motivo da sentença: o caso do apart-hotel no Setor Bueno
A sentença do juiz Sebastião Luiz Fleury diz respeito a um empreendimento que seria construído na esquina das ruas T-61 e T-38, no Setor Bueno, em frente ao Buena Vista Shopping — nas proximidades do Parque Vaca Brava. O local receberia investimentos de duas empresas: a Franco Dumont e a Toctao.
O primeiro processo protocolado na Prefeitura de Goiânia, referente a este projeto, foi para pedir autorização para construir um prédio residencial (habitação coletiva). Isso foi feito em 2006, antes do novo Plano Diretor. Após a autorização, dada em 2007, as construtoras entraram com pedido de transformação do alvará visando construir no local um apart-hotel. Esse pedido, porém, foi feito após o novo Plano Diretor.
A questão foi parar na Justiça quando um grupo de moradores entrou com uma ação popular pedindo a nulidade dos processos administrativos e a não realização das obras, alegando que houve apenas um pedido de protocolo por parte dos interessados na construção, datado no dia 17 de outubro de 2007, após a publicação do novo Plano Diretor no Diário Oficial, acontecida no dia 26 de junho de 2007.
Isto é, o novo Plano Diretor já estava valendo. A partir de então, o processo ficou paralisado, sendo que a apresentação dos projetos só aconteceu em 5 de agosto de 2009. Na sentença consta que faltaram também o Estudo de Impacto de Trânsito (EIT) e o Relatório de Impacto de Trânsito (RIT).
A ação é antiga, tanto que a obra foi embargada em 3 de dezembro de 2010. Assim, o juiz Sebastião Luiz Fleury deu ganho de causa aos moradores impedindo que a obra fosse feita. Leia parte da sentença, que data do dia 9 de agosto de 2012:
“para os empreendimentos não residenciais com área superior a 5.000m², nos termos do artigo 2º, da Lei Municipal nº 8.645/2008, é necessário o Estudo de Impacto de Trânsito – EIT e o respectivo Relatório de Impacto de Trânsito – RIT, os quais só serão dispensados se as obras já tenham sido autorizadas antes da vigência da aludida Lei, o que não ocorreu na hipótese dos autos.
“Com efeito, em que pese não haver sido realizados o EIT e o RIT, entendo que a construção de um hotel de grande porte, em um local de altíssima densidade populacional, como é o caso do Setor Bueno, atenta violentamente contra o meio ambiente urbano, podendo até causar uma situação de caos irreversível, notadamente no que diz respeito ao já complicadíssimo trânsito daquela região.
“[…] Neste contexto, vejo que não obstante as nulidades já apontadas, a construção de um empreendimento hoteleiro na região, contraria todas as disposições constitucionais e infraconstitucionais sobre o assunto, pois repito, causará danos de ordem urbanística irreparáveis, em prejuízo ao interesse da coletividade”.
As construtoras entraram com recurso e o processo segue na Justiça. O argumento da defesa é que o primeiro projeto, o do prédio habitacional, foi apenas modificado para se tornar um apart-hotel — algo que as construtoras teriam direito, desde que não fosse aumentada a área construída, o que não seria feito. A questão para a defesa, agora, é tentar conseguir retomar o alvará anterior, visto que até o projeto residencial foi cancelado pela Justiça.
Sobre a falta de projetos, a defesa diz que todos os projetos foram apresentados de acordo com o Plano Diretor antigo, visto que o alvará de construção do projeto residencial é de 2007 e, portanto, anterior à nova legislação. O processo segue sub judice, isto é, sem sentença final.
Entenda o que é a CEI das Pastinhas
Há muitos fatos ainda nebulosos em relação à Comissão Especial de Inquérito (CEI). Quais seus reais motivos? O que está sendo feito e para onde vai? Várias construtoras e incorporadoras já foram citadas, como Euroamérica, Grupo Flamboyant, Consciente, Terral, Opus, Orca, além de ex-secretários e servidores da Prefeitura.
Contudo, ainda não ficou claro o que essas empresas ganharam com as irregularidades e quais são os prejuízos para a cidade. Para falar sobre isso, a reportagem foi ao encontro do presidente da Comissão, vereador Elias Vaz (PSB). Durante quase uma hora, Elias — que antes estava analisando alguns processos referentes a empresas — falou sobre as investigações. “Há até suspeita de documentos falsos”, informa.
Durante a entrevista, o vereador citou, por muitas vezes, o nome do empresário Lourival Louza, proprietário do Shopping Flamboyant e de outros investimentos, e do empreendimento Europark, que pertence à Euroamérica Incorporações, cujo responsável é Juan Angel Zamora Pedreño.
A reportagem procurou Lourival Louza para ouvir sua posição em relação ao assunto. Sua secretária disse que daria o recado e que ele retornaria. Até o fechamento da edição, não houve resposta. Sobre o Europark, a assessoria de imprensa da Euroamérica informou que os empresários irão aguardar o dia do depoimento na CEI para se manifestar sobre o tema. O depoimento dos empresários responsáveis pelo empreendimento no Park Lozandes, entre eles Juan Angel Zamora Pedreño, está agendado para a segunda-feira, 31.
O vereador também citou por mais de uma vez o nome do senador Wilder Morais (DEM), dono da Orca Construtora. O leitor pode acompanhar a posição do senador nas páginas seguintes.
Quais os motivos da CEI?
O Plano Diretor antigo tem muitas diferenças para o novo. E uma das coisas que a nova legislação trouxe foi a redefinição da ocupação urbana, principalmente de onde pode ou não construir grandes edifícios. E algo que nos chamou atenção foram as construções junto ao Paço Municipal, algo que o atual Plano Diretor veda. Fomos surpreendidos com o anúncio de um grande empreendimento no local, o que é estranho, pois já estamos no oitavo da nova lei. Então, como é possível implantar projetos que tem como base a lei passada?
Quando começamos a fazer o levantamento, notamos várias irregularidades. Já analisamos 31 processos e praticamente há uma coincidência em duas questões:
1) Havia um ponto — e digo isso com propriedade, pois fui relator do Plano na época: tinham projetos que já estavam tramitando e que poderiam perder o direito de dar continuidade à obra com a mudança das regras. Assim, o Plano firmou o seguinte: os projetos que fossem regularmente protocolados até a vigência da nova lei, teriam dois anos serem aprovados e isso seria feito de acordo com o Plano Diretor passado. Por exemplo, permitia-se construir na região do Paço, então seriam validados os projetos regulamentados até a data estipulada.
Então, observamos que houve fraude, pois as pessoas protocolavam pedido na secretaria, mas, quando fomos ver, as pastas estavam vazias. Não tinha, por exemplo, projeto arquitetônico. O caso do Europark: o projeto arquitetônico deles é de maio de 2010. Acontece que o Plano Diretor é de 2007. Eles deviam ter apresentado o projeto até a data de vigência da nova lei. Ao invés disso, deram entrada em uma “pastinha” e só foram apresentar os projetos quase três anos depois. E isso demonstra que houve manipulação de uma regra.
E muitos empresários se utilizaram isso para fazer uma demarcação de um pseudodireito e a Prefeitura aceitou. E isso é tão claro que, um ano depois, o prefeito da época, Iris Rezende, baixa um decreto dizendo o que ele entende por projeto regularmente protocolado. O que deveriam ter feito foi ter dito aos empresários: “Você não preencheu os requisitos”.
Veja o caso, por exemplo, de um projeto do Lourival Louza, em que ele entrou só com seu documento de identidade e um TAC [Termo de Ajuste de Conduta] que fizeram em relação ao Parque Flamboyant. E o primeiro documento que eles apresentaram, dois anos depois, foi uma procuração para a Opus apresentar os projetos por ele. Isso é um absurdo. (enfático) Apenas demarcaram posição.
2) A segunda irregularidade trata do seguinte: vencido o prazo de dois anos, a Câmara Municipal aprovou uma lei complementar que prorrogou em um ano o prazo para um número exato de empresários e colocou um anexo com 131 projetos. A Prefeitura entendeu que aquele anexo não valia nada. A questão: dos 31 projetos que avaliamos até agora, nenhum consta no anexo.
Mas existem outras irregularidades.
Sim. O projeto da Europark, por exemplo, foi feito pelo Adriano Theodoro Dias, que era funcionário da Seplam [Secretaria de Planejamento e Habitação, que foi excluída]. O sócio dele é o Jonas, que era chefe do uso do solo. E eles acham isso normal.
[Uma explicação: os nomes citados pelo vereador tratam de Adriano Theodoro Dias Vreeswijk, que consta na folha de pagamento da Prefeitura de Goiânia referente ao mês de julho — última disponível — como fiscal de posturas da Secretaria de Desenvolvimento Urbano Sustentável (Semdus), que substituiu a antiga Seplam; e Jonas Henrique Lobo Guimarães, também atual fiscal de posturas da Semdus. O último já esteve na CEI e admitiu ter elaborado o projeto arquitetônico e urbanístico do condomínio Europark, comumente citado por Elias Vaz]
A Kellen fez o projeto da Orca, que é do senador Wilder. Veja que ela consegue fazer um projeto “a jato”. Eles começam a movimentar e, rapidamente, conseguiram tudo. Então, perguntamos à servidora que analisou o projeto, a Ana Maria: “O que a Kellen é sua?” e ela diz “É minha chefe”. Aí eu falo “Mas não é estranho analisar um projeto feito pela sua chefe?”. A resposta dela: “Acho que não. Alguém tinha que analisar, eu analisei”. Comentei que o projeto foi feito e aprovado muito rápido e disse “É porque ela sabe tudo lá dentro”. Eu até acho que esses profissionais poderiam prestar serviços em Aparecida de Goiânia, Senador Canedo ou outro Estado, mas nunca em Goiânia. E isso virou prática comum.
[Outra explicação: as servidoras citadas são Kellen Mendonça Santos, ex-chefe do Departamento de Aprovação de Projetos e que não consta na folha de pagamento de julho; e Ana Maria Dantas, atual analista em obras e urbanismo (classe I) da Semdus]
Outra irregularidade é também em relação aos prazos. Havia duas datas para apresentação dos documentos: a primeira no dia 22 de outubro de 2009; e a segunda no dia 22 de outubro de 2010. O que eles faziam: então, assinavam o protocolo em 22, mas a taxa, exigência para emitir o alvará, só foi paga em novembro ou dezembro. Então, perguntamos o motivo disso a quem assinou, como o sr. Douglas Branquinho, e ele disse: “Não, isso é porque eu assinei muitos depois da data”. Como assim assinou depois da data? Ora, isso é irregular. Se assinou com data retroativa, é fraude. E eles admitiram. Não é especulação.
[Douglas Branquinho é fiscal de posturas da Semdus]
Os projetos estavam sendo analisados de maneira muito superficial. E são projetos de R$ 350 milhões, por exemplo. Ou seja, o que lamentamos é que essa flexibilidade serve apenas a quem tem poder econômico.
Os alvarás são para construção ou para compra dos terrenos?
Esse é um problema. Em tese, teria que ser, mas há caso em que a pessoa entra e, só depois, o terreno passa a ser dele. Esse da Europark, por exemplo, não havia ainda o chamado remembramento. A pessoa não pode pegar três lotes e simplesmente construir. Ela tem que entrar com um processo chamado remembramento, que é transformar os lotes em uma gleba. No caso da Europark, eles só conseguem isso dois anos depois. Ou seja, eles entraram, mas ainda não tinham o terreno. Existia, à época, apenas o pedido para que a Prefeitura autorizasse a gleba. Então, a Prefeitura fez vista grossa sobre tudo isso. Não entendemos, por exemplo, como o Protocolo aceitou o sr. Lourival Louza Júnior abrir processo apenas com a sua carteira de identidade. Essas pessoas não poderiam sequer ter protocolado. Ninguém observou que existiam documentos faltando? Então, os indícios de irregularidades e possibilidades de crime aqui são muito evidentes.
O que será, efetivamente, feito daqui em diante?
A primeira fase foi em relação à prova de irregularidades. Agora estamos na segunda fase, que trata de saber quem se beneficiou desses delitos. Depois deveremos ir para uma parte mais criminal que deverá ser quebra de sigilo bancário de algumas pessoas que tenham algum envolvimento — já existe um consenso sobre isso. E nós podemos fazer, pois a CEI funciona como uma polícia judiciária; é como um delegado da Polícia Federal ou da Polícia Civil, que pede a um juiz a quebra do sigilo para levantar documentos para comprovar alguma irregularidade. Assim, veremos quem pagou e quem recebeu. Ou seja, iremos ver quem são os possíveis corruptores e corruptos.
O prefeito da época era Iris Rezende. Será chamado?
Ele foi convocado. Há três situações em relação ao prefeito Iris. A primeira foi a questão da promulgação, pois, a cada dia que passava, mais pessoas estavam entrando com projetos. A Câmara Municipal aprovou a lei em dois dias e mandou para o prefeito, que demorou 30 dias para promulgar, mais 30 dias para mandar para o Diário Oficial e depois mais 30 dias para circular a lei. Então, ele atrasou o Plano Diretor de Goiânia em 90 dias. Isso não é normal. O Plano dava 90 dias para a lei entrar em vigor. Ou seja, o prefeito Iris transformou 90 em 180 dias.
A segunda questão é a venda da área para a Euroamérica. Trata-se de uma área pública e, uma parte desses lotes, foi vendida sem licitação. A alienação de áreas públicas só pode ser feita por meio de concorrência, logo, é muito estranho que ninguém mais tenha se interessado. Já conversei com muita gente e ninguém ficou sabendo de um chamamento na época. Isso é estranho e indica que houve privilégio. E a venda é ato personalista do prefeito, que não pode alegar ter desconhecimento porque é ele quem vai ao cartório fazer a transferência.
O último ponto é o decreto. Há uma dúvida porque o decreto flexibilizou muito a lei. Mesmo assim, observamos que nem o decreto foi cumprido pelas pessoas.
E a Lei Complementar 204?
A lei deu mais um ano para os projetos que estavam no anexo. Acontece que a Prefeitura resolveu ignorar isso e agora dizem que, na época, pensaram que o benefício poderia abarcar todo mundo. Pensou o quê? (enfático) Isso foi divulgado e eu estava aqui na época e, inclusive, votei contra essa prorrogação. Mas foi aprovado justamente com o argumento de que seriam apenas os 131 projetos. E isso foi colocado em anexo para mostrar que eram somente aqueles.
As obras que estão sendo investigadas deviam estar paradas? O condomínio Europark, por exemplo, estampa placas informando 95% de vendas, já anunciando o lançamento da segunda torre.
Ainda estamos fazendo o levantamento de todos os empreendimentos porque já temos informações de lugares que já têm moradores. E há algo que queremos deixar claro é que a CEI não pretende dar prejuízo às pessoas de boa fé, pois elas não têm nada a ver com isso. Uma coisa é nós representarmos os responsáveis junto ao Ministério Público, seja empresário ou servidor da Prefeitura, mas não podemos trazer qualquer insegurança jurídica àquelas pessoas que já compraram os imóveis e estão morando neles.
Agora, não é que estejamos poupando as empresas. Traremos toda a responsabilização sobre os atos de irregularidade, mas faremos uma ressalva para jamais trazer prejuízo às pessoas de boa fé.
Sobre os empreendimentos que ainda não têm moradores, estamos analisando a possibilidade de pedir o embargo das obras, pois nesses locais ainda é possível reverter o quadro. Há casos que as obras nem começaram ainda. A Europark mesmo só fez a fundação de uma das nove torres previstas. Fizeram praticamente nada ainda. Esse é um caso que poderemos pedir o embargo.
A ideia é que façamos um relatório de cada um desses empreendimentos e encaminhemos ao prefeito [Paulo Garcia] para suspensão do alvará. É uma tendência e devo propor isso nas próximas reuniões. Depois de finalizado, enviaremos tudo o que conseguimos apurar para o Ministério Público. Nosso papel é o de investigar se houve irregularidades por parte de servidores públicos.
Já há algum dado em relação ao prejuízo que isso tem gerado para a cidade?
O grande prejuízo é rasgar o Plano Diretor. Um exemplo: por que a nova lei falou que não poderiam ser construídos prédios na região do Park Lozandes? É só ver o cruzamento ali no viaduto do Serra Dourada. Aquilo é uma loucura em horário de pico. Imagina se construírem mais de mil apartamentos ali na Avenida Olinda, que é a rua principal. Isso será uma violência contra as pessoas que moram lá. O grande prejuízo é de qualidade de vida a partir do não respeito às regras urbanísticas. Não se pode fazer rua para cruzar a BR-153; tem que fazer viaduto e isso é muito caro. Então, se precisar construir um viaduto ali, lá se vão 15 ou 20 milhões de reais. Isso não é brincadeira. (enfático).
Há muitas pessoas que estão acusando os vereadores de pressionar os empresários apenas para, de alguma forma, extorqui-los visando arrecadar dinheiro para a campanha do ano que vem. Objetivamente, qual a possibilidade dessa CEI terminar em pizza?
De minha parte nenhuma. É preciso lembrar que, na Câmara, tudo é votado. Estou convicto de que houve várias irregularidades e que os responsáveis terão que pagar por isso. Agora, no colegiado, há uma situação em que você pode ser vencido. Por exemplo, eu posso achar necessário convocar uma pessoa e a maioria achar que não deve convocar. Mas a minha posição — como sempre fiz, pois nunca fiquei no meio do caminho com nada — é de ir até o fim.
Eu fui o relator da CEI da IPTU e mandei para a polícia mais de 70 empresas, como Refrigerantes Bandeirantes, Refrigerantes Imperial, Goiânia Shopping, Flamboyant e Araguaia Shopping. Isso fez a Prefeitura arrecadar muito dinheiro na época e o próprio prefeito Iris Rezende reconheceu que isso foi fundamental, pois a Prefeitura estava quebrada.
Ou seja, já demonstrei que eu não tenho esse tipo de comportamento e acredito que a CEI está muito imbuída no trabalho de investigar. Acho que seria um absurdo a CEI deixar de cumprir o seu papel que é o de pedir a punição de todos os envolvidos. Na verdade, eu não acredito nessa hipótese. O que me preocupa são as pressões políticas. Sabemos que o poder econômico tem relações políticas e não tenho dúvidas de que esses grupos estão agindo. Temo muito mais que a CEI vire pizza por pressão política do que por corrupção dos vereadores. Não tenho prova, mas posso dizer que já vi movimentações nos bastidores.
O sr. já sofreu algum tipo de pressão?
Já chegaram pessoas, e prefiro não revelar quem, pedindo para aliviar alguém e eu sempre fico na negativa. Para mim, todos os convocados terão que vir. Tem gente que até foi vereador comigo aqui, mas, infelizmente, terão que vir até para ter a oportunidade de se defender.
A situação que envolve a Orca Construtora e o senador Wilder Morais
Outra empresa que é alvo de investigação na CEI das Pastinhas é Orca Construtora, pertencente ao senador Wilder Morais (DEM). O senador será convocado à Câmara Municipal para prestar esclarecimentos. O motivo: sua empresa conseguiu aprovar projetos de construção, mesmo que os projetos não fossem compatíveis com o novo Plano Diretor.
Em entrevista ao Jornal Opção, Wilder diz que nenhum vereador entrou em contato com ele, mas explica: “Já estou fora da minha empresa há muitos anos e não estava à frente disso. Quem cuidou desses projetos foi um funcionário nosso, que faleceu há três anos em um acidente de moto. Nós aprovamos vários projetos junto à Prefeitura com essa mudança de Plano Diretor, mas a Orca não construiu um prédio nos locais que foram divulgados nos jornais. Esse funcionário, que Deus o tenha, aprovou vários projetos porque tinha prazo para mudar o Plano Diretor, mas só perdemos muito dinheiro com alvarás e processos; não construímos nada”.
Wilder diz considerar este Plano Diretor (Lei Complementar 171/2007) melhor que o anterior e relata que os vereadores afirmam que a Orca recebeu vantagem, mas na verdade só teve prejuízo. “Os vereadores falam que a Orca obteve vantagem, mas sequer entraram em contato comigo. Não tivemos interesse em construir nada. Então, não há vantagem nenhuma. Ao contrário, gastamos dinheiro com alvarás, com projetos, entre outras coisas. Devem ter confundido a Orca com outra empresa”, afirmam.
Kellen Mendonça
Um ponto que carece de explicações, segundo a CEI das Pastinhas, é a contratação da diretora do Departamento de Aprovação de Projetos da antiga Secretaria de Planejamento e Habitação (Seplam), Kellen Mendonça Santos, para fazer um projeto de empreendimento residencial a ser construído pela Orca.
O projeto seria o de 480 unidades habitacionais na Avenida Olinda, no Park Lozandes. O terreno (veja foto) está localizado ao lado de onde está sendo construída a nova sede da Assembleia Legislativa, nas proximidades do Paço Municipal. O pedido de autorização para construir foi protocolado na Seplam no dia 18 de outubro de 2007. Porém, a pasta ficou vazia até 12 de agosto de 2010.
A questão: como diretora da Seplam, em relação à Orca, ela analisava os projetos que ela mesma fazia. O esquema foi confirmado pelo ex-chefe do Departamento de Análise e Aprovação de Projetos (Daap), Douglas Branquinho. As informações são de que muitos servidores das áreas de análise de projetos trabalham para construtoras.
Questionado sobre isso, Wilder não se demorou na resposta: “Não tomei conhecimento disso, mas isso se tornou irrelevante diante do fato de que a Orca não construiu nada. Os alvarás, inclusive, já caducaram todos”.O senador ainda diz que a burocracia para aprovar um projeto no Brasil é muito grande e, não raro, inviabiliza vários empreendimentos. “As construções são viáveis em determinado período. Se ele passa, não adianta mais. Por isso, desistimos de construir algo no local”.