Google Analytics é praticamente a única ferramenta disponível para saber quem está falando a verdade ao dizer que lidera o ranking no Estado, mas os dados só podem ser acessados pelo próprio veículo

Página do “Diário da Manhã” destaca pesquisa que o coloca como líder no ranking dos sites goianos de comunicação; ao lado, o mídia kit de “O Popular”, em que até pouco tempo se destacava o número de acessos
Página do “Diário da Manhã” destaca pesquisa que o coloca como líder no ranking dos sites goianos de comunicação; ao lado, o mídia kit de “O Popular”, em que até pouco tempo se destacava o número de acessos

As últimas semanas têm sido de muita polêmica e controvérsia envolvendo os principais veículos da mídia impressa em Goiás em termos de popularidade, abrangência e audiência. Curiosamente, porém, não se fala em tiragem ou distribuição. A disputa está assentada no mundo virtual, um terreno que parecia ainda pouco explorado pelos jornais brasileiros — especialmente os goianos, que só recentemente parecem ter descoberto o poderio que tem o mundo on-line nos dias de hoje, passando então a investir nesse setor.

O prêmio internacional obtido pelo Expresso, a versão website do jornal “O Popular”, na semana passada, jogou mais combustível na disputa. O pano de fundo da questão é simples: a importância cada vez maior do universo da comunicação on-line. Em entrevista à “Folha de S. Paulo”, Marty Baron, editor do “Washington Post” — veículo gigante da imprensa norte-americana e que, em dezembro de 2013, foi comprado pelo magnata criador da Amazon, Jeff Bezos —, ressaltou a “transição complicada do impresso para o digital”, embora bem-sucedida, pela qual seu jornal está passando.

É importante ressaltar essa palavra: “transição”. É um caminho iminente, sem volta, que a mídia se digitalize cada vez mais. Mundo afora, são vários os casos de veículos importantes que já fizeram a ponte definitiva para o on-line — no Brasil, um bom exemplo é o histórico “Jornal do Brasil”, que, desde 2010, só existe na plataforma eletrônica. Outros já foram criados especificamente para viver só no modo virtual.

Nesse contexto, então, é preciso situar o leitor a respeito do que foi protagonizado por “Diário da Manhã” e “O Popular”. No dia 6 de maio, o DM publicou matéria intitulada “Diário da Manhã é site mais acessado de Goiás”. Em menos de meia página e sem apresentar mais dados, o jornal se colocou como líder em acessos, com 7 milhões de pageviews [visualizações de páginas] em um mês. O “Pop” apareceu em 3º lugar, com 2,8 milhões, atrás da “Revista Bula” (6,5 milhões), e seguido do Jornal Opção, em 4º lugar, com 2,1 milhões de acessos.

A matéria, assinada por Beto Silva, segue dizendo que “a pesquisa foi baseada nos dados referentes aos últimos seis meses: outubro/novembro/ dezembro/janeiro/fevereiro/março” e que “o levantamento admite uma variação nos números na base de 10%, para mais ou para menos”. A seguir, afirma que “a liderança do site do Diário da Manhã é absoluta, com uma audiência três vezes superior ao jornal O Popular, que aparece em terceiro lugar”, com “quase três vezes menos” acessos.

Por coincidência ou não, nos dias seguinte, em seu mídia kit — material distribuído ou direcionado para uso promocional —, “O Popular” atualizou seus números, primeiro para 5 milhões de acessos e depois para 7 milhões. Mas esse dado número sumiu do material a seguir e no fim da semana passada não era possível encontrá-lo.

O fato é que a polêmica se instalou. Carlos Willian Leite, editor da “Revista Bula” — com um trabalho bem consolidado, antigo e exclusivo em mídia digital há 12 anos — fez um desafio. No dia 9, em uma postagem nas redes sociais, propôs: “Os jornais goianos parecem que agora descobriram a internet. A briga não é mais pela circulação, qualidade, tiragem, mas sim pelos pageviews. Eu tenho uma proposta para todos os veículos de comunicação de Goiás: vamos abrir o Google Analytics e ver quem está falando a verdade?” Quatro dias depois, bancou: “Se a Revista Bula não tiver o dobro da audiência — eu disse o dobro (em usuários únicos) — de todos os jornais diários de Goiás, eu encerro suas atividades. Quem aceita o desafio?”.

Mas, enfim, quem está falando a verdade? As palavras mágicas para descobrir isso foram ditas no parágrafo anterior: Google Analytics. “Até onde se possa conhecer, o Analytics é incorruptível”, diz o especialista em tecnologia da informação (TI) Hélio Torres. Por esse motivo mesmo, os dados que ele apresenta são muito valorizados e interessam bastante a quem tem pretensão de investir comercialmente em um website.

Em princípio existe um dado básico que chama a atenção: a quantidade de acessos (visitas) que recebeu certo site. É essa batalha que foi travada por DM e Pop. Mas, apesar de ser o número mais impactante, pelo tamanho, talvez seja algo menos importante. E quem diz é o próprio Carlos, fazendo uma espécie de mea-culpa. “No meio digital em Goiás, eu fui um dos que propagou esse paradigma das pageviews. Isso talvez tenha valido durante algum tempo, mas o que realmente conta hoje em dia é a quantidade de visitantes únicos. Divulgar pageviews é se remeter somente a uma quantidade de cliques sem que se preocupe com a qualidade.”

Essa qualidade dos acessos, que é tão cara para os anunciantes, só pode ser observada por quem está “de fora”, de fato, se cada uma das empresas abrir sua caixa-preta chamada Google Analytics. Daí a proposta feita por Carlos Willian no auge da discussão.
Até lá, o que se pode fazer é acreditar ou não na crueza — e por isso pobreza — dos números divulgados. Uma solução possível seria uma avaliação por auditores. É o que fazia o Instituto Verificador de Circulação (IVC) com a tiragem dos jornais impressos; a sigla hoje trocou “Circulação” por “Comunicação”, justamente para abranger também o mundo digital. E a dúvida poderia ser dirimida se o IVC já tivesse feito uma auditoria dos websites dos jornais goianos, o que ainda não ocorreu, conforme relação divulgada na página do instituto na internet.

Sem que os veículos se comprometam a vir a público abrindo seus dados ou sem que haja um órgão externo verificador, o que se pode fazer é buscar deduzir. Tomando o desafio de Carlos Willian como ponto de partida, em que se basearia sua confiança? Primeiramente, em um “trabalho de base”: a “Bula” é editada há 12 anos, exclusivamente em meio digital; tem colaboradores de alta qualidade em todo o Brasil; sua linha editorial não é voltada para o mercado regional, mas, pelo contrário, busca temas universais. Dessa forma, a revista on-line consegue ser mais acessada em São Paulo do que no Estado em que é produzida.

O “Diário da Manhã” tem realmente 7 milhões de visualizações mensais em suas páginas? Talvez, mas uma quantidade de usuários únicos que o conserve na liderança em Goiás é improvável. É que tanto o conteúdo quanto o raio de ação do jornal são bastante restritos. Basta se fazer a pergunta: se o DM e a “Folha” tratam de um mesmo tema, o que levaria alguém a preferir acessar o site local?

O caso de “O Popular” é um pouco mais complexo. O Grupo Jaime Câmara sempre procurou reservar o conteúdo on-line para os assinantes do jornal — uma política altamente contestável e que atrasou seu desenvolvimento rumo ao mundo digital. Para a implantação do site Expresso, a versão do jornal para a web (veja matéria correlata), a plataforma foi aberta temporariamente para não assinantes. Isso logicamente aumentou o número de acessos, mas dizer que poderia chegar a 5 milhões ou 7 milhões em um mês parece um salto exagerado. Seria necessário verificar a metodologia. O fato é que o próprio mídia kit do veículo coloca entre as dez principais fontes de cliques do jornal apenas Brasília como cidade fora do Estado. Para um aumento considerável de usuários únicos, seria preciso crescer em número de acessos além-Goiás. E aí o Pop esbarra no mesmo problema do DM: o que se produz de novidade para interessar a quem não tem raízes goianas?

Website do “Pop” é campeão do mundo – mas da “Série B”
O jornalista Carlos Willian Leite, o especialista em TI Hélio Torres e o dono de agência digital André de Moraes põem os números divulgados em xeque
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Em Nova York, numa solenidade realizada na terça-feira, 12 — depois de anunciada com pompa pelo próprio veículo nos dias anteriores —, a versão on-line de “O Popular” foi referendada como o melhor site móvel/aplicativo do mundo. A premiação partiu da International News Media Association (Inma), uma instituição de líderes de mercado de mídia. “Ganhamos!”, estampou a página interna da versão impressa, enquanto a capa dizia “Site Expresso é o melhor do mundo”.

A premiação é válida e o site desenvolvido realmente demonstra uma interface bem amigável — embora permaneça em sua versão flip fechada a não assinantes. Mas há uma consideração a fazer, entretanto, e que foi omitida por conveniência no texto: a categoria que o jornal ganhou a premiação é entre os jornais regionais com tiragem de menos de 300 mil exemplares ou menos de 3 milhões de visitantes únicos por mês em seu website. Na mesma categoria, mas no que seria o grupo dos “grandes” (com mais de 300 mil exemplares e mais de 3 milhões de visitantes únicos mensais), venceu o “New York Times” com o aplicativo NYT Now.

Grosso modo, o que “O Popular” produziu na capa, foi semelhante ao que o Goiás Esporte Clube publicou, quando em 2012 chegou a seu segundo título nacional: a expressão “Bicampeão brasileiro” estampou o vidro traseiro de centenas de ônibus do transporte urbano de Goiânia. O que “esqueceram” de dizer foi que as conquistas eram da segunda divisão.
Para André de Moraes, sócio-diretor da agência digital TuddoWeb, a premiação do jornal goiano e a discussão a respeito do número de acessos mostram que os principais veículos do Estado estão se voltando definitivamente para a internet. “O impresso ainda é importante, mas já se buscam inovações on-line. Um site que não tem uma boa versão móvel já fica para trás”, afirma, admitindo que, como pano de fundo para essa corrida virtual, está um objetivo: a busca de maior credibilidade no mercado e a conquista de anunciantes.

E aqui entra um componente conjuntural importante: à crise do impresso junta-se a crise econômica. Com a publicidade em papel raleando no jornal, as empresas precisam abocanhar o mercado on-line, cada vez mais requisitado pelos anunciantes por ser mais barato. E, como em guerra vale (quase) tudo, há muitos blefes e vários números trabalhados de forma propositadamente favorável. Quando a poeira da polêmica baixar, talvez o cenário se torne mais claro para todos. O tempo dirá quem estava certo.