H1N1 e a gestão vacilante
07 abril 2018 às 10h19
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Após Iris Rezende dizer que a saúde municipal está regular, Goiânia vive pânico frente a casos suspeitos e confirmados do vírus, sobretudo com morte de médico da rede da capital. Prefeitura refuta denúncias de descaso
Dois dias antes de o pediatra da rede municipal de saúde Luiz Sérgio de Aquino Moura, de 57 anos, ser internado às pressas com H1N1, o prefeito Iris Rezende (MDB) declarou, cercado de repórteres, na retomada da obra do BRT, em 27 de março, que a saúde em Goiânia “está absolutamente regular”. A frase do emedebista indignou vereadores e endossou as críticas nas redes sociais.
Com o comentário, Iris parece não saber dimensionar o termo “regular”, tendo em vista as consequências da forma vacilante com que tem gerido a saúde municipal. O prefeito, por exemplo, desativou laboratórios nas unidades de saúde e entregou à iniciativa privada, mas parece ter esquecido que tem de pagar os prestadores de serviço. Com isso, alguns poucos ainda fazem a coleta e obrigam pacientes a esperar até 12 horas, piorando o clima catastrófico.
Mesmo a morte do médico no Hospital de Urgências da Região Noroeste de Goiânia Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) em 1° de abril, acendendo um alerta nas 13 unidades da capital, o prefeito, que desconhece a realidade da cidade sob sua gestão, amenizou como pôde o alarde que provocou denúncias de servidores acerca da falta de insumos, inclusive de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
A falta desses equipamentos seria a provável causa de o médico ter sido contaminado com o vírus. Ele atendia no Hospital Materno Infantil e no Cais Campinas. Familiares e colegas de trabalho do pediatra contaram que no último plantão dele no Cais Campinas — a unidade com maior número de casos suspeitos na capital — faltavam luvas e máscaras.
“O prefeito dizer que está tudo bem é a maior falta de respeito com o servidor da saúde”, sussurrou uma técnica de enfermagem enquanto o corpo de médico Luiz Sérgio era velado no Cemitério Jardim das Palmeiras, na segunda-feira, 2.
Durante toda a semana passada, repórteres do Jornal Opção visitaram as unidades, conversaram com servidores e encontraram pessoas assustadas, inclusive no Cais Campinas, onde atendia Luiz Sérgio. Pacientes não aceitavam percorrer os corredores sem máscaras. “Moço, não posso te dar uma máscara. O senhor não está doente”, tentava explicar a recepcionista ao pai de uma criança e que havia pelo menos duas horas aguardava um pediatra do lado de fora do local.
“Tá vendo, olha, o médico que morreu já faz falta?”, ele disse, depois de, finalmente, conseguir uma máscara. Enquanto o homem contava os pormenores da alergia da filha, um pediatra, que havia ido ao enterro do colega Luiz Sérgio — sepultado no cemitério Jardim das Palmeiras sob forte comoção —, entrou rapidamente pelos fundos da unidade, olhou as crianças em frente aos consultórios: a maioria delas tossia.
O médico percorreu algumas salas atrás de uma máscara N95, conhecida como bico de pato, mas não encontrou. Um pouco desnorteado, sem responder às perguntas da reportagem, deixou as crianças esperando e foi comprar uma unidade do material com o próprio dinheiro.
O caso do pediatra assustado, sem saber o que dizer, ou se negando a fazê-lo por medo de advertências, é um exemplo evidenciado do pânico que pairou na semana passada não apenas no Cais Campinas, mas em todas as unidades que receberam um fluxo maior de goianienses apavorados, não convencidos pelo desatino de Iris de que a saúde está normal.
Além das visitas, o Jornal Opção recebeu diversas mensagens via WhatsApp e checou cada uma delas. Foi assim, por exemplo, que o jornal soube que o médico Luiz Sérgio havia sido internado e, três dias depois, morrido.
Outras informações enviadas pelos servidores e goianienses enfurecidos foram apuradas sistematicamente, como a morte do técnico de informática José Nilton Pereira, de 40 anos, também sob suspeita de H1N1, na quarta-feira, 4. Assim que o repórter tomou conhecimento, foi ao local e flagrou a transferência do corpo do técnico de informática pelo Serviço de Verificação de Óbito (SVO).
Pereira não resistiu às cinco paradas cardiorrespiratórias, de acordo com a equipe médica. O namorado de Pereira, José Santos de Souza, de 28 anos, contou ao Jornal Opção que os dois procuraram o Cais Vila Nova na terça-feira, 3, mas foram encaminhados ao Centro de Atendimento de Campinas. “Lá, um médico não quis atender. Disse que injetaria dipirona e pronto”, relata Souza. Depois de passar por um hospital particular, os dois conseguiram que um médico permitisse a volta para o Cais Vila Nova.
Na reanimação da unidade em que Pereira estava, o ar-condicionado está queimado e uma mancha de mofo deixa um cheiro forte no lugar. “Estes locais são inapropriados para os pacientes que deveriam estar isolados em UTIs”, alerta a enfermeira que partilhou com o repórter preocupações em relação à forma com que os doentes eram isolados. “A gente não sabe onde colocá-los. Uma das atendidas, inclusive, não entende a gravidade e fica saindo da sala”, alerta, em frente à sala de vacinas, onde estava na quarta-feira, 4.
Nas várias denúncias, servidores reclamavam de declarações do diretor de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Silvio José de Queiroz. “O Silvio está mentindo, estão faltando insumos”, afirmou uma enfermeira. Para o Jornal Opção, Queiroz disse que a Prefeitura não está escondendo nada.
“As nossas unidades não são de internação. O paciente fica lá até conseguir uma vaga em hospitais estaduais ou particulares conveniados com o SUS. Enquanto este paciente com suspeita de H1N1 estiver em uma de nossas unidades, ele fica em consultório, em enfermaria ou em uma sala isolada, recebendo os cuidados”, explica Queiroz.
Em relação à morte de Pereira, Silvio ameniza o fato e diz que a sala de reanimação em que o paciente estava não contribuiu para o agravamento da dificuldade de respiração. “Ele não faleceu por causa do mofo ou do ar-condicionado estragado. Lá tinha equipe para atendê-lo. A vida dele não dependia do ar-condicionado, dependia do aparelho e do profissional”, diz.
No Cais Novo Horizonte, duas funcionárias enviaram áudios. Uma delas pedia ajuda para que um paciente fosse transferido. A outra, nervosa, não conseguia achar uma alternativa à falta de EPIs. “Eu não sei o que fazer. Os pacientes exigem máscaras. E a gente não tem suficiente”, reclama a servidora.
A respeito de como os pacientes suspeitos de H1N1 estão sendo isolados nas 13 unidades de saúde municipal, a superintendente de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS), Flúvia Amorim, explicou que em situação de aumento de casos as unidades têm dificuldade para atender a demanda. “Hospitais particulares ou públicos não estão preparados para receber uma alta demanda, mesmo assim todas as unidades fazem isolamento, seja em lugares específicos ou em consultórios”, garante.
CEI investiga falta de insumos
Depois da morte do pediatra Luiz Sérgio, a Comissão Especial de Inquérito (CEI) que apura irregularidades nas unidades pública em Goiânia cobrou informações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) sobre a falta de insumos básicos no Cais do Setor Campinas.
Conforme o vereador Elias Vaz (PSB), relator da CEI, os vereadores receberam denúncias em que um médico afirma que a Prefeitura disponibilizou materiais como máscaras, luvas e álcool em gel apenas depois que o médico morreu sob suspeita de contaminação de H1N1.
Sem procedimento
Nenhum procedimento, porém, foi instaurado pela SMS para investigar a falta dos insumos porque, segundo o diretor de Atenção à Saúde da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Silvio José Queiroz, o médico trabalhava em outros hospitais, além do Cais Campinas. “Onde ele foi contaminado? A gente também está atrás disso. É feita uma investigação epidemiológica”, afirma.
A respeito das denúncias feitas por pacientes e servidores durante toda a semana, Queiroz contesta e afirma que em todas as unidades há material. “Você poderia pontuar em qual unidade falta o insumo. Tem servidor que quer que o serviço funcione, ou que não quer que funcione, e tem jornal que quer fazer alarde. Tem que tomar cuidado com o que se fala para não provocar desespero na população.”
De acordo com o diretor, pelo menos 1,5 mil máscaras simples são disponibilizadas diariamente. “Mas a máscara não evita a contaminação. Tem que proteger a boca, o nariz e, claro, lavar as mãos, usar o álcool em gel. E, o mais importante, evitar tossir ou espirrar próximo aos outros. Isso evita a contaminação. Antes da vacina chegar, precisamos trabalhar a prevenção”, pontuou o diretor.