Favelas em Goiânia: conheça as áreas onde a população vive sem infraestrutura básica
29 setembro 2024 às 00h00
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O Jardim Emanuelly, localizada na região do Jardim Novo Mundo, é considerada a mais nova favela de Goiânia, com apenas dez anos de existência. Entre Goiânia e Aparecida de Goiânia, existem mais de 100 comunidades que agora são oficialmente reconhecidas como favelas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo o presidente da Central Única das Favelas (CUFA), Breno Cardoso. Ele ressalta que os termos “aglomerados subnormais” e “comunidades” deixaram de ser apropriados para descrever locais como este.
Mesmo após uma década de existência, a infraestrutura no local é quase inexistente. As casas, construídas próximas umas das outras, são em sua maioria de alvenaria, mas ainda sem reboco. A ocupação está situada ao lado de uma rede de alta tensão e próxima a uma área de erosão às margens do Córrego Buriti, reforçando o cenário de vulnerabilidade. Comparada às favelas do Rio de Janeiro, o Jardim Emanuelly apresenta semelhanças marcantes.
A comunidade abriga mais de 600 famílias, a maioria oriunda de estados como Maranhão, Bahia, Pará e Tocantins. Geovânia do Nascimento Silva Matos, 40 anos, é uma das líderes locais. Durante a visita da equipe de reportagem do Jornal Opção, muitos moradores indicaram que o repórter conversasse com ela.
Casada e mãe de cinco filhos, Geovânia é dona de um salão de beleza e vive no local desde 2014, quando chegou ao local devido à crise financeira. Natural de Imperatriz, Maranhão, ela se mudou para Goiânia há 20 anos. “Morava de aluguel, mas, com meu marido desempregado e tantas contas para pagar, não tivemos outra opção a não ser vir para a ocupação”, relata.
Essa história se repete com outras famílias. Antônio Messias, ajudante de serviços gerais, natural da Bahia, também se mudou para a ocupação após meses sem renda. “Onde eu morava, no setor Vila Nova, havia mais dignidade, mas o aluguel ficou impagável. E como pai de quatro filhos, tive que tomar essa decisão”, comenta emocionado.
A união entre os moradores é forte, e muitas das construções são erguidas através de mutirões. Porém, Geovânia critica a ausência de apoio do poder público, que, segundo ela, nada fez pela comunidade além de algumas tentativas de removê-los do local. “A única coisa que a prefeitura fez foi jogar restos de brita nas ruas. O caminhão do lixo passa, mas a água e a energia são ‘gatos’, feitas sem o conhecimento das empresas responsáveis. Por isso, convivemos com falta d’água constantemente”, explica.
Mesmo sem escola, CEMEI ou posto de saúde, o Jardim Emanuelly se beneficia da proximidade com os serviços do Jardim Novo Mundo. Contudo, a segurança é uma preocupação. “A Polícia Militar não entra aqui. Quando ligamos, até atendem, mas não vêm”, afirma.
Os políticos, segundo Geovânia, só aparecem em época de eleição, prometendo regularizar a área, mas depois desaparecem. Para os moradores, a regularização é crucial para que possam obter escrituras de suas casas e finalmente ter acesso aos benefícios sociais. Geovânia destaca que a União já liberou a área, que agora depende apenas da ação da prefeitura. “Só queremos as escrituras. Somos pessoas de bem, trabalhadores e eleitores”, reforça.
Após anos de incertezas, Geovânia diz que o Jardim Emanuelly, batizada em homenagem à primeira criança nascida no local, está consolidada. “Já tivemos medo de ser despejados, mas hoje não temos mais”, garante. A comunidade cresceu, com comércios como mercearias, padarias, distribuidoras de bebidas, salões de beleza e oficinas. “O povo aqui é empreendedor e pagador de impostos”, conclui.
Dependendo da região do Brasil, essas ocupações são conhecidas como grotas, invasões, baixadas, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, entre outros. Breno Cardoso ressalta que chamar esses locais de favelas não é necessariamente pejorativo. Ele explica que o termo tem origem em um arbusto espinhoso chamado “favela”, também conhecido como “faveleira”. Essa planta foi cultivada na entrada da ocupação do Morro da Providência, no Rio de Janeiro, e, a partir daí, o local passou a ser chamado pelo nome do arbusto. Com o tempo, outras ocupações também passaram a ser conhecidas como favelas.
Para alguns, incluindo políticos, não existem favelas na capital. Um exemplo é a afirmação de Iris Rezende em sua carta de despedida da vida pública, em 2016. O político declarou: “Goiânia não convive com favelas. A nossa capital é a única de seu porte que não convive com poeira e lama”. Na realidade, essa frase é uma hipérbole, sem correspondência com os fatos.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que, tanto em Goiânia quanto em todo o estado de Goiás, existem várias comunidades nessa situação. De acordo com o órgão, só na capital goiana há sete favelas amplamente conhecidas.
São consideradas favelas os aglomerados subnormais com 51 ou mais casas, cujos ocupantes não possuem a posse legal da terra, ou seja, não têm escritura, o que os torna irregulares. Esses bairros geralmente estão localizados à beira de rodovias e margens de córregos, com ruas estreitas e de difícil acesso. Além disso, a ausência de serviços públicos essenciais faz parte do cotidiano desses moradores.
Algumas dessas áreas em Goiânia são bastante conhecidas, como o Quebra Caixote, nas margens da BR-153, no Setor Leste Universitário; a Vila Lobó (identificada como Jardim Goiás Área I por estar inserida na região do Jardim Goiás); o Jardim Botânico I e Jardim Botânico II, situados às margens do Córrego Botafogo, no Setor Santo Antônio.
Além dessas, Goiânia ainda conta com as favelas Emílio Póvoa, no Setor Crimeia Leste; Jardim Guanabara I, no Jardim Guanabara; Rocinha, conhecida como Antônio Fidélis, no Parque Amazônia; e o Morro do Macaco, no Jardim Novo Mundo.
As favelas de Goiânia são áreas onde comunidades de baixa renda vivem em condições muitas vezes precárias, com infraestrutura básica deficiente, como falta de saneamento, eletricidade e acesso a serviços públicos. Algumas das principais áreas de favelas ou comunidades em situação de vulnerabilidade social na cidade incluem:
- Vila Romana: Uma das favelas mais conhecidas da cidade, situada em uma área de ocupação irregular, com graves problemas de falta de serviços públicos e infraestrutura inadequada.
- Vila Mutirão: Essa região tem histórico de ocupações e lutas por regularização fundiária. As condições de moradia são precárias, e os moradores enfrentam desafios no acesso a serviços essenciais.
- Jardim Curitiba: Apesar de ser um bairro regularizado, algumas áreas são consideradas vulneráveis, com características típicas de favelas, como infraestrutura deficiente e habitações de baixo padrão.
- Real Conquista: Embora já tenha passado por regularizações, ainda há bolsões de pobreza e ocupações irregulares que se assemelham a favelas.
Essas áreas enfrentam desafios sociais, como falta de acesso à educação de qualidade, saúde, segurança, além de problemas como violência urbana e marginalização. De acordo com os moradores, esses locais são frequentemente lembrados pelo poder público apenas em tempos de eleições.
CUFA
Breno Cardoso explica que, a partir de 2023, os territórios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) onde predominam as classes sociais D e E, abaixo da linha da pobreza, são denominados pelo IBGE como favelas. Para Breno, esse é o termo mais apropriado, uma vez que “periferia” se refere a qualquer bairro distante do centro, o que torna o uso desse termo inadequado.
O IDH é um indicador que mede o desenvolvimento humano de um país, considerando aspectos como renda, educação, saúde, alfabetização, esperança de vida e natalidade.
Breno Cardoso enfatiza que, apesar do preconceito, essas áreas abrigam pessoas que fazem a cadeia produtiva do país funcionar. “Muitas pessoas julgam os moradores das favelas e os consideram marginais; no entanto, a grande maioria dos habitantes são trabalhadores e pessoas honestas que contribuem para a sociedade, sem contar o potencial que possuem para empreender. Muitos são empreendedores natos que geram empregos para outros moradores da própria favela”, afirma.
Bruno acredita que, em decorrência da pandemia de Covid-19, o número de pessoas que precisaram recorrer a esse tipo de moradia aumentou nas grandes cidades, e Goiânia não foi uma exceção. Essas pessoas migram de outros bairros, mas uma parcela considerável vem de outros estados, atraídas pela perspectiva de uma vida melhor.
Breno Cardoso destaca que a CUFA utiliza ferramentas como esporte, cultura, educação, cidadania e empreendedorismo para desenvolver projetos e ações que proporcionem protagonismo a essas populações, que, segundo ele, estão invisíveis. “Nós levamos oportunidades e ensinamos a se desenvolverem, para que não fiquem dependentes de terceiros ao longo de suas vidas”, enfatiza.
Uma equipe do Jornal Opção visitou algumas favelas e conversou com moradores, que expressaram suas principais necessidades. A aposentada Maria Cardoso da Silva, 63 anos, residente do Jardim Goiás, área I, mais conhecido como Vila Lobó, próximo ao Estádio Serra Dourada, afirma ser natural de Paranã, no estado do Tocantins, e que se mudou para Goiânia em 1988. Dona Maria relata que sua irmã mais velha já morava na ocupação e veio em busca de uma vida melhor, pois, segundo ela, em sua cidade natal essa possibilidade não existia. “Na minha cidade, o que nos restava era trabalhar na roça. Eu fazia de tudo. Somos uma família grande e todos trabalhavam na roça, tanto os homens quanto as mulheres”, recorda.
Ela conta que, apesar de se estabelecer em uma invasão, nunca se arrependeu. “Consegui comprar um pequeno barracão, que hoje se transformou em uma enorme casa, onde criei meus cinco filhos com muito trabalho”, diz. Maria ressalta que, assim que as coisas melhoraram, ela e a irmã trouxeram os pais e o restante da família para a capital de Goiás.
Maria Cardoso lembra que no início não foi fácil, pois o local não tinha infraestrutura e alagava tudo quando chovia. Entretanto, hoje ela considera o lugar um “pedaço do céu”. A aposentada pede que a prefeitura conceda aos moradores as escrituras de suas casas, pois muitos ainda não as possuem. “Sou grata porque recebi a minha escritura este ano, mas muitos amigos ainda não receberam.”
As ruas da Vila são asfaltadas, e há fornecimento de água, energia e rede de esgoto. No entanto, a aposentada observa que falta um posto de saúde e uma escola para atender a população local, que precisa se deslocar para outros bairros para consultas ou para estudar.
Isabel Cristina, 40 anos, que estava lavando roupas em uma bica na Vila, que atende não só os moradores locais, mas também de outros bairros, relata a falta de uma creche para as mães que precisam de um lugar para deixar seus filhos. Isabel menciona a existência de um CEMEI, mas denuncia que as vagas se esgotam rapidamente e, na maioria das vezes, são destinadas a moradores de outros setores e pessoas aparentemente com melhores condições financeiras. “Tem um CEMEI, mas o problema é que nunca tem vaga para nossos filhos. O senhor (repórter) deve ver os carrões que param lá para buscar os filhos; é um CEMEI para ricos. As mães aqui da Vila têm que buscar vagas, às vezes longe de casa, sendo que a creche está aqui do nosso lado. Por que não priorizam as mães daqui? Isso é um absurdo”, lamenta.
A reportagem também conversou com alguns jovens que estavam em uma praça. Quando questionados sobre locais para lazer e esportes, foram enfáticos em dizer que não há. “Aqui não tem nada para adolescentes, crianças e jovens. Por isso muitos acabam se envolvendo em atividades ilícitas. Esses políticos não se importam com quem mora nesses locais. Agora que é época de campanha, vêm aqui pedir votos”, comentou um deles.
Os jovens revelaram que há um local onde começou a construção de uma área para a prática de esportes, mas a obra está parada há mais de um ano, e o único campo disponível é pequeno e de terra batida. “A gente brinca de bola é nas ruas mesmo, porque não temos um campo adequado”, disseram.
Uma moradora da favela do Jardim Guanabara I, às margens da BR-153, ao lado do aeroporto e próximo à Ceasa, que pediu para não ser identificada, afirma que a maioria dos moradores são inquilinos que alugam os vários barracões existentes. Ela pontua que a favela tem mais de 20 anos, mas os proprietários ainda não receberam da prefeitura a documentação de suas casas. “Vivemos com medo e receio de sermos despejados a qualquer momento”, avalia. Esse é o maior problema, segundo ela, pois no Jardim Guanabara há escolas, cais e tudo o que é necessário.
A falta de escritura é também o principal questionamento do aposentado Maurílio Mota, 56 anos, morador da Vila Romana, no Jardim Novo Mundo, às margens da BR-153. A favela conta com infraestrutura e coleta de lixo, mas, como informa o aposentado, falta o documento que tornaria a casa onde mora há 30 anos realmente sua. “O que mais quero é a escritura da minha casa. O senhor sabe que um bem só é nosso quando temos o documento, e muitos aqui não têm”, reclama.
A aposentada Luiza Maria, 68 anos, moradora da favela ao lado do córrego Botafogo, no Jardim Botânico, relata que vive com medo de ser despejada de sua casa, onde reside há mais de 40 anos. “O pessoal da prefeitura já entregou a escritura para alguns, mas falta entregar para a maioria, inclusive para mim. De vez em quando, ouvimos falar que vão retirar aqueles que não receberam a escritura. Deus me livre de uma coisa dessas acontecer; não tenho para onde ir”, lamenta.
Regularização Fundiária
Em resposta à falta de escrituras, o Secretário de Regularização Fundiária de Goiânia, Carlin Café, destacou que a cidade possui mais de 200 bairros irregulares que aguardam, há mais de 50, 60 e até 70 anos, pela tão sonhada escritura.
Café ressalta que a gestão atual foi a que mais entregou escrituras nos últimos 12 anos. “Em apenas três anos e quatro meses desde a criação da Secretaria, já alcançamos 12 mil escrituras e regularizamos diversos bairros, como Jardim Nova Esperança, Finsocial, Vila Redenção, Jardim Europa, Bairro Anhanguera e Parque Anhanguera”, enumera.
O secretário enfatiza que Goiânia é um exemplo para o Estado de Goiás no que diz respeito à regularização fundiária. “Temos parceria com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de Goiás, que acompanham todas as etapas até a efetiva entrega”, lembra. Café observa que o processo de regularização é bastante complexo e envolve diversos órgãos, como AMMA, Defesa Civil e Seinfra.
Questionado sobre o Jardim Emanuelly, o secretário avaliou que se trata de uma área da União, onde há laudos divergentes sobre o solo e a possibilidade de manutenção das famílias e regularização fundiária. “Estamos formalizando um termo de cooperação técnica com a Superintendência do Patrimônio da União para procedermos com agilidade na regularização do que for viável”, afirmou.
CEMEI
A reportagem entrou em contato com a Superintendência de Gestão da Rede e Inovação Educacional sobre as denúncias feitas por mães da Vila Lobó, localizada no Jardim Goiás, área I. Em resposta, a superintendência enviou uma nota explicando os procedimentos para conseguir uma vaga nos CMEIs da capital. Veja a nota na íntegra:
O ingresso nos CMEIs de Goiânia é realizado por meio do sistema de telematrícula, onde os próprios pais fazem o cadastro e escolhem a vaga, sem interferência da Secretaria Municipal de Educação nesse processo. As vagas são disponibilizadas no site em períodos previamente divulgados, e as famílias se inscrevem conforme seu interesse. Após o preenchimento das vagas, as crianças são classificadas em uma lista de espera, que é pública e acompanhada pela sociedade.
Considerando questões sociais, 50% das vagas que surgem ao longo do ano são destinadas às filas prioritárias. Nessa categoria, crianças em situação de maior vulnerabilidade social são incluídas por ordem de inscrição. As prioridades incluem: mães trabalhadoras, famílias que recebem Bolsa Família ou BPC (Benefício de Prestação Continuada), geralmente concedido a pessoas com deficiência. Para consultar as filas de espera, basta acessar o site sme.goiania.go.gov.br, onde qualquer cidadão pode acompanhar o processo, que é bastante transparente.
Arquitetura e Urbanismo
O arquiteto e urbanista David Finotti, conselheiro do CAU/GO, ressalta que os principais desafios arquitetônicos e urbanísticos ao projetar ou requalificar áreas de ocupação informal, como favelas, estão relacionados ao fato de que muitas dessas localidades já estão ocupadas, com poucas áreas disponíveis para intervenções. Frequentemente, essas comunidades necessitam de diversos equipamentos e infraestrutura básica. Assim, é essencial aproveitar ao máximo o espaço disponível para implementar melhorias que visem à requalificação desses locais.
Finotti destaca como a arquitetura pode contribuir para a melhoria das condições de moradia em favelas, considerando aspectos como segurança, salubridade e sustentabilidade. Ele informa que o foco principal é a promoção da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social, com o objetivo de implementar melhorias, como a construção de banheiros, a abertura de janelas e a promoção da acessibilidade nas edificações, atendendo, assim, às demandas básicas que ajudam a melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas que habitam esses espaços.
O arquiteto também enfatiza a importância da regularização fundiária e da legalização das construções, destacando como esses fatores impactam os projetos arquitetônicos e urbanísticos nessas áreas. “A regularização fundiária é um instrumento necessário da política urbana, pois, com a garantia de propriedade daquele espaço de terra, o morador tem acesso a uma condição básica de garantia constitucional: a moradia”, afirma.
No entanto, David Finotti lembra que a regularização fundiária é extremamente importante, mas, se não for acompanhada por políticas de melhorias habitacionais e de infraestrutura urbana nessas localidades, a população continuará enfrentando graves dificuldades.
O profissional revela quais soluções arquitetônicas têm se mostrado mais eficazes para enfrentar problemas comuns em favelas, como enchentes, infraestrutura inadequada e falta de espaços públicos: “A instalação de redes de esgotamento sanitário, a promoção da acessibilidade e a construção de equipamentos de lazer, saúde e educação são elementos-chave para a transformação e a implementação de melhorias nesses espaços”, observa.
Crescimento de Ocupações Irregulares
Para Leandro Lima, professor do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG e pesquisador do Observatório do Estado Social e do Laboratório de Estudos das Dinâmicas Territoriais (Laboter), o fator econômico é, sem dúvida, a questão determinante para a ocorrência da habitação irregular nas cidades. A questão social da habitação deriva da economia.
“É por isso que os geógrafos compreendem a questão da habitação como um fator socioeconômico, tratando esses dois aspectos de forma conjunta e quase nunca separada”, enfatiza. Ele explica que a favelização brasileira é tributária da Lei de Terras de 1850 e está diretamente relacionada ao êxodo urbano das populações pobres escravizadas do campo brasileiro.
Outros fatores, posteriormente, são adicionados à equação do crescimento das habitações irregulares, como a especulação imobiliária, os vazios urbanos e o alto custo da terra urbana. No entanto, esses elementos estão quase sempre associados à insuficiência de políticas públicas, reitera o professor.
O pesquisador cita como a segregação social e a desigualdade impactam a proliferação de habitações irregulares: “Em geografia, preferimos a ideia de segregação socioespacial, pois é isso que se revela na paisagem urbana. A segregação é um processo complexo que se relaciona, como mencionei anteriormente, aos custos de moradia nas cidades, à ausência de políticas públicas para habitação de interesse social e, ainda, a um componente muito importante que explica a ocorrência da favelização: a distância em relação às centralidades existentes nas cidades.”
Leandro Lima destaca que esses quatro elementos (segregação, custos de moradia, políticas públicas e distância) criam um contexto favorável à ocorrência de habitações consideradas “irregulares”. “Não conhecemos pessoas que gostariam de morar longe ou de gastar muito tempo com mobilidade diária, o que lança luz sobre outras irregularidades. Veja, não estou dizendo que a moradia é irregular sem contexto. As favelas são alternativas a um conjunto de outras irregularidades que ocorreram antes. Nesse sentido, considero o problema um desdobramento da gestão (ou falta dela) urbana”, avalia.
O pesquisador reconhece que as redes de apoio ajudam a mitigar os problemas sociais existentes nessas localidades. A presença institucionalizada (ou não) da Igreja Católica nas ocupações urbanas da região leste de Goiânia foi fundamental na atenuação dos conflitos e na mediação com o poder público, gerando um sentido de justiça social para as famílias em situação de vulnerabilidade.
Desde a criação de Goiânia, por exemplo, o fator distância dos bairros populares fomentou um movimento de aproximação dos trabalhadores da construção civil ao seu local de vivência, o que se deu com muita luta e resistência. Nesse sentido, “a presença das organizações sociais auxiliou com assistência técnica na resolução dos conflitos, muitas vezes envolvendo a força e a truculência das desocupações, forçando respostas menos desumanas à questão da moradia popular.”
A questão ambiental no contexto urbano também está imbricada com a socioeconomia. De acordo com o professor, quem tem mais recursos consegue contornar os problemas do relevo, inclusive no enfrentamento da legislação vigente, muitas vezes de forma não republicana. Além disso, uma novidade no caso de Goiânia é que as favelas têm buscado as áreas baixas e úmidas do planalto, que deveriam, em tese, estar disponíveis para a cidade como parques e áreas verdes.
“Não estou dizendo que vejo isso como um problema ambiental, mas como uma resposta à demanda por políticas urbanas dadas em um determinado momento do ordenamento da cidade”, reitera. Essas áreas, como a Vila Roriz, que ocupa as planícies de inundação, estão suscetíveis a inundações recorrentes ou a deslizamentos de terra, como é o caso da Favela Quebra Caixote ou do Morro do Macaco, na região leste.
“Estou falando de suscetibilidade econômica porque, nesse mesmo espectro temporal e espacial, há um movimento de expansão urbana às margens do Rio Meia Ponte, como é o caso do Portal do Sol, Alphaville, Plato D’or etc., que seguem o mesmo movimento imobiliário-ambiental, porém, nesses casos, são cobertos pela força das obras de engenharia e por muitos recursos econômicos”, ressalta.
Na avaliação do professor, o primeiro movimento necessário por parte do poder público é reconhecer a demanda, não como um problema, mas como uma necessidade de moradia na cidade do mutirão. “Remover a população das margens do córrego Botafogo e despejar essas famílias a muitos quilômetros da centralidade, além de ser socialmente injusto — revelando essa face perversa da política urbana — é feito sob o falso argumento da mobilidade, abrindo ruas na planície de inundação do córrego na esteira da valorização imobiliária.”
Leandro Lima esclarece que o efeito seguinte é a permissão da ocupação de áreas úmidas pela indústria da construção civil. Isso é evidenciado no mapa do curso d’água do Parque Flamboyant, que apresenta a ocupação social da favela da Vila Lobo a jusante. “A extensão da Marginal Botafogo é esse movimento de avanço do capital imobiliário associado ao poder público na direção do Jardim Botânico. O poder público é o fiel da balança, digamos assim, pois todos sabem que nas adjacências do referido parque há uma favela”, analisa.
A regularização fundiária é o passo formal da presença ativa do poder público, observa o professor. A demora nesse processo é uma resposta leniente da política urbana. “Sobre a irregularidade, não é exclusividade da população pobre. Como mencionei, a ocupação de áreas úmidas, irregular, ilegal e com todos os problemas decorrentes, não é uma vantagem das pessoas pobres”, sublinha.
Leandro Lima destaca que, em síntese, a valorização social do espaço urbano é, sim, uma fonte importante de renda para os mais pobres. “Permitir que eles acessem os circuitos formais da propriedade na cidade é fazer política pública. Defendo esse ponto, até porque, à revelia, a informalidade onera a cidade, nega a provisão de infraestrutura e, enfim, apenas piora a situação urbana.”
Por fim, para o professor, as eleições municipais deveriam debater esses temas e não dar palco a ignorantes, como tem ocorrido. “Não acredito muito em desenvolvimento sustentável. Acredito mais nos conflitos fundiários; eles são mais pedagógicos e têm muito a ensinar à sociedade sobre diversidade, razão de ser e existir da cidade”, conclui o pesquisador.
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