Em pouco mais de dez anos, 50 novas aeronaves de asas rotativas foram homologadas no Estado. Acidentes, como o que matou o ex-jogador Fernandão, têm se repetido em território goiano

Mais de 50 novos helicópteros de diversos modelos e tamanhos foram homologados em Goiás entre 2001 e 2013
Frederico Vitor
Em razão do forte impulso do agronegócio e da economia brasileira nos últimos anos, grandes agropecuaristas e empresários goianos passaram a recorrer ao helicóptero para vencer longas distância e chegarem com mais rapidez aos compromissos de negócios. Versáteis, capazes de pairar por longos períodos de tempo e de decolar e pousar na vertical em locais planos e de pouco espaço, as aeronaves de asas rotativas realizam tarefas que automóveis e aviões não podem executar. Por tais qualidades, estes aparelhos tornaram-se um forte símbolo de poder e prestígio e o número de proprietários dessas máquinas cresceu consideravelmente nos últimos dez anos em Goiás.
A facilidade e o potencial que o helicóptero oferece desperta o interesse de homens de negócios que necessitam de agilidade e economia de tempo para seus deslocamentos. Em Goiás, produtores de soja e pecuaristas, principalmente, recorrem às aeronaves de asas rotativas para se deslocarem até fazendas onde não há pista de pouso ou quando o acesso por via terrestre torna-se inviável com a rapidez desejável.
No Estado, entre o período de 2001 a 2013, de acordo com dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), foram homologados 51 novos helicópteros, o que representa a sétima maior frota do País. Segundo a Anac, no Centro-Oeste Goiás tem a segunda maior frota, com 58 aparelhos homologados. O Estado é superado apenas pelo Distrito Federal (66), estando à frente de Mato Grosso (14) e Mato Grosso do Sul (9).
De acordo com a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), em 2013, havia em todo no País 1.654 helicópteros registrados. As maiores frotas se concentram em três unidades federativas da região Sudeste: São Paulo (631 aparelhos), Rio de Janeiro (361) e Minas Gerais (179). A cidade de São Paulo, por exemplo, além de ter a maior frota de helicópteros do mundo –– cerca de 400 aparelhos ––, conta com 193 helipontos regularizados, com uma média de 500 operações diárias de pousos e decolagens, e um sistema de controle de tráfego exclusivo para esse tipo de aeronave.
No Brasil, os helicópteros civis são usados em três tipos de serviços: o privado, táxi aéreo e governamental. O primeiro, também chamado de transporte VIP, trata-se do uso em situações de trabalho ou lazer do dono da aeronave. O segundo realiza operações similares aos voos privados, só que para o transporte executivo de terceiro que não seja o dono. Já a terceira modalidade é formada pelas frotas dos governo federal e estaduais, que fazem voos de policiamento (Polícia Federal, Rodoviária Federal e Polícias Civis), resgate e transporte de autoridades.
Há helicópteros que realizam outras atividades, tais como: aerofotografia, aerofotogrametria, aerocinematografia, aerotopografia, prospecção, exploração, detecção, publicidade, fomento ou proteção à agricultura e agropecuária, ensino e adestramento de voo, experimentação técnica ou científica, inspeção em linhas de transmissão ou em dutos de transporte de fluidos e gases.
Em 3 anos, 12 pessoas morreram no Estado em desastres com aeronaves de asas rotativas
Juntamente com este vertiginoso crescimento do número de helicópteros homologados, o que chama a atenção, pelo menos em Goiás, é o elevado casos de acidentes com mortes. O último, ocorrido no dia 7 deste mês, vitimou o ex-atacante do Goiás Esporte Clube Fernando Lúcio da Costa, o Fernandão. Após decolar de madrugada, de um acampamento às margens do Rio Araguaia, no município de Aruanã, o aparelho despedaçou-se ao chocar contra o chão, matando as cinco pessoas que estavam na máquina.
Neste ano, além do acidente que matou o ex-jogador, houve outro caso, ocorrido no dia 2 de maio, envolvendo um modelo Eurocopter EC-120B Colibri, da Polícia Rodoviária Federal (PRF). O aparelho perdeu o controle e caiu numa mata localizada no município de Luziânia, na região do Entorno do Distrito Federal. Três tripulantes estavam a bordo, mas ninguém ficou ferido. A suspeita é de que possa ter havido falha mecânica, mas o laudo que vai apontar as causas do acidente não tem prazo para ser concluído.
A queda do helicóptero que matou Fernandão ocorreu logo após a decolagem às margens do Rio Araguaia, por volta de 1h30 da manhã. A aeronave modelo AS 350BA Esquilo, prefixo PT-YJJ, chocou-se com o solo após decolar e estar a 300 metros de uma praia onde se localizava um acampamento de turistas. Com o choque, o aparelho se partiu em dois –– a cabine e a cauda se separaram e se destroçaram em um banco de areia.
O ex-atleta foi resgatado duas horas depois pela equipe de resgate do Corpo de Bombeiros. A aeronave não explodiu e os corpos dos tripulantes apresentavam múltiplas fraturas. Ao ser resgatado, Fernandão estava inconsciente e tinha muitas dificuldades para respirar. O resgate ainda tentou reanimá-lo no local do acidente, mas diante da gravidade da situação encaminhou-o ao hospital de Aruanã. Fernandão não resistiu aos ferimentos e chegou à unidade de saúde já morto.

Koala da Polícia Civil acidentado no município de Piranhas, em maio de 2012, deixou saldo de sete mortes
O relatório técnico sobre as causas do acidente pode demorar até um ano para ser elaborado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), responsável por investigar a queda. Um dia antes de morrer, Fernandão teria se divertido com amigos no Rio Araguaia, em um passeio de lanchas. Foi o que registraram algumas filmagens divulgadas um dia após o acidente.
Além de Fernandão também morreram no acidente o primo do governador Marconi Perillo (PSDB), Antônio de Pádua, o cabo da Polícia Militar e presidente da Câmara Municipal de Palmeiras de Goiás, Edmilson de Sousa Lemes, e o coronel aposentado da Polícia Militar e piloto do helicóptero, Milton Ananias. Também morreu o funcionário da fazenda em que o ex-jogador se encontrava em Aruanã, Lindomar Mendes Vieira.
O helicóptero está registrado no nome da Planalto Indústria Mecânica Ltda., empresa na qual Fernandão era sócio. De acordo com a Anac, o Esquilo estava com a Inspeção Anual de Manutenção (IAM) em dia e válida até o início de 2015. Já o Certificado de Aeronavegabilidade venceria em fevereiro de 2019. Além do Cenipa, o acidente também será apurado pela Polícia Civil goiana.
Em 2103, foram registrados dois acidentes no Estado. No dia 21 de setembro, um helicóptero modelo Robinson R 44 realizou pouso forçado no canteiro central da principal avenida de Planaltina de Goiás, região leste do Estado. A aeronave, pertencente a um empresário de Goiânia, transportava quatro pessoas no momento do acidente, mas ninguém se feriu. No dia 4 de julho do ano passado, um mesmo modelo caiu no município de Corumbá de Goiás, também sem vítimas.
Em dezembro de 2012, o helicóptero da empresa do senador Wilder Morais (DEM-GO) se acidentou ao tentar realizar um pouso forçado no aeroclube de Goiânia. O aparelho, um modelo AS 350 BA Esquilo –– mesmo modelo em que se acidentou Fernandão e considerado um dos mais seguros do mundo –– bateu a cauda no chão e perdeu a estabilidade antes de se chocar com o solo. Estavam a bordo dois pilotos e um mecânico, mas ninguém se feriu.
Maio de 2012 ficou marcado como o mês do pior desastre aéreo registrado em Goiás envolvendo um helicóptero. Com menos de 300 horas de voo, ou seja, um aparelho novo recém-saído da fábrica, o Agusta AW119 Koala da Polícia Civil goiana se acidentou na zona rural do município de Piranhas, matando oito, inclusive o suspeito do crime que ficou conhecido como chacina de Doverlândia. O aparelho caiu 15 minutos depois de decolar de Doverlândia com destino a Goiânia. Até hoje não se sabe os motivos que levaram à queda do aparelho, que vitimou também cinco delegados e dois peritos.
Falta fiscalização para verificar a operação de helicópteros e as condições de trabalho dos pilotos

Comandante Roni Souto afirma que frota goiana é composta de aparelhos modernos, porém é comum pilotos voarem sob estresse
Afinal, quais são os órgãos responsáveis pela fiscalização do uso deste tipo de aeronave? Quais são as normas e os procedimentos básicos para que um helicóptero possa levantar voo e pousar em segurança? A entidade responsável por fiscalizar o uso de helicópteros no Brasil é a Anac. Todas as regras gerais de operação estão reunidas no Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica (RBHA), números 91 e 135.
Os textos versam todos os preceitos para o uso correto de aeronaves de asas rotativas, desde os princípios para a realização de voos visuais ou por instrumentos, além de pouso e decolagem em locais não homologados ou registrados. Até mesmo os procedimentos de manutenção, modificação e reparo de helicópteros são normatizados pelos textos normativos.
A reportagem entrevistou no Helicentro Flamboyant –– um dos maiores hangares de helicópteros de Goiânia que, em média, abriga até nove aeronaves –– um dos mais experientes comandantes de helicópteros em atividade em Goiás. Piloto desde 1972, com mais de 15 mil horas de voo, Roni Piagetti Souto ajudou a fundar o grupamento aéreo da PM goiana e tem vários cursos nas Forças Armadas. Ele sabe como poucos as condições da aviação de asas rotativas no Estado, e as vantagens e desvantagens em que os pilotos goianos encontram ao trabalharem nos céus do Planalto Central.
Roni Souto atesta que a frota goiana de helicópteros é composta por aeronaves modernas que nada devem às outras esquadrilhas do País. Ele ressalta que o interesse de empresários e homens de negócios locais pelo meio de transporte tem aumentado nos últimos anos. “Na medida em que as pessoas conhecem o helicóptero, se encantam ao descobrirem que a máquina faz coisas incríveis”, ressalta.
Apesar deste clima de euforia, ele afirma que muitas vezes os pilotos são submetidos a extenuantes cargas horárias de trabalho, sendo comum voarem sob estresse, o que contribui para o aumento de riscos de incidentes. “Às vezes os pilotos são confundidos com robôs. Muito pressionados, alguns voam em condições meteorológicas desfavoráveis ou à noite, em voos por instrumentos, realizando pousos e decolagens em locais que exigem um pouco mais de experiência.”
Para operar um helicóptero no Brasil, obviamente, existem regras a serem seguidas. As aeronaves de asas rotativas tem a preciosa característica de pousar em locais de espaço pouco maior de que suas próprias dimensões, proporcionando uma versatilidade ímpar. Para coibir exageros e abusos no uso destas máquinas, existem rigorosas normas que se prestam a coibir acidentes e outras eventualidades que possam colocar em risco a vida de tripulantes e terceiros. Normalmente, para operações dentro de cidades, os helicópteros civis devem constar em seus planos de voo, decolagem e pouso em helipontos homologados pela Anac.
Para explorar as facilidades que a aeronave proporciona também são permitidos pousos e decolagens eventuais. Entretanto, estes procedimentos em pontos que não são homologados é permitido por uma única vez. A repetição das manobras no mesmo local que não é considerado heliponto deixa de ser eventual para se tornar irregular. Mas nem sempre é isso que vem ocorrendo.
Segundo o coordenador do curso de Ciências Aeronáuticas da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), Raul Francé Monteiro, falta pessoal na Anac para fazer a fiscalização do uso de helicópteros e demais aeronaves no Brasil. Segundo ele, o órgão federal não tem dado conta do recado em função do pequeno número de fiscais. “Uma fiscalização mais rigorosa é sempre necessária, mas lamentavelmente falta pessoal para isto.”
Em relação ao acidente em que matou o jogador Fernandão, Raul Francé lembra que há proibição normativa em relação a decolagens de helicópteros em determinados horários. Ele especula que a maioria dos pilotos conhece tal norma, mas nem todos seguem à risca. “Não posso opinar e dizer o que aconteceu, apenas digo que voar naquelas condições é proibido.”
Roni Souto, que já pilotou o mesmo helicóptero do acidente que matou Fernandão, lembra que Milton Ananias era um piloto experimentado e bastante profissional, e que a aeronave era segura e relativamente nova. Ele pontua que o aparelho se descolou numa condição visual noturna, ou seja, de baixa visualização externa, de um local sem nenhum tipo de recurso ou estrutura com sinalização luminosa. “É possível pousar a noite apenas com os faróis do helicóptero? Sim, mas há o percentual de risco, que nesse caso é maior.”
Tipos de voos e os modelos de helicópteros que operam em Goiás
Existem duas modalidades de voos em um helicóptero: visual e por instrumentos. No primeiro, o comandante da aeronave pilota com total domínio do visual externo. Já o segundo, mais complexo, se define por situações em que o piloto não enxerga o que está de fora, ou seja, à noite, com zero de iluminação, dentro de camadas de nuvens ou em situações de chuva forte. Sem o contato visual com o solo, o comandante se utiliza apenas de instrumentos de navegação da aeronave para orientação.
Conhecido também pela sigla IRHF, em voo por instrumento, o piloto se orienta por um conjunto de sistemas. A primeira exigência para se operar neste modo é a aeronave ser dotada de equipamentos necessários, além da tripulação devidamente treinada e aprovada para este tipo de operação. O ponto de partida e de chegada e, no mínimo, uma alternativa devem ser homologados para operação por instrumentos tanto diurna quanto noturna. “É como dirigir um carro em um nevoeiro, o condutor pode não ver nada, mas mesmo assim consegue se orientar”, diz o comandante Roni Souto.
Existe uma carta com todos os parâmetros e normas para a decolagem e pouso por voos por instrumentos. São especificações como trajetória, tempo, altitude e velocidade para que o piloto possa chegar ao destino baseando-se por sinais emitidos do solo por rádios de navegação, que são de dois tipos: VOR e NDB. Os sinais são recebidos pelos equipamentos eletrônicos da aeronave. Por meio do que eles indicam, o piloto obtém a melhor trajetória para se chegar ao heliponto homologado.
Aparelhos modernos
Os modelos de helicópteros encontrados nos hangares de Goiás são diversificados. Pode-se encontrar desde sofisticados aparelhos como os da empresa anglo-italiana AgustaWestland, que comercializa o modelo Koala, até os de menor porte e de motores a pistão, como os da fabricante americana Robinson.
Um helicóptero de menor porte, com capacidade de apenas duas pessoas, como o Robinson 22, tem valor médio de R$ 1 milhão. O custo operacional, que inclui peças de manutenção, serviços de revisão, combustível, pagamento de tripulação e taxas de aeronáutica fica em torno de R$ 360 por hora. Um Esquilo, de tecnologia franco-alemã e montado no Brasil pela subsidiária da empresa Eurocopter, a Helibras, sediada em Itajubá (MG), vale em torno de R$ 5 milhões, dependendo dos equipamentos portados na aeronave. O valor operacional é de R$ 1,4 mil por hora.
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