Na semana do dia 29, o embaixador da África do Sul no Brasil, Vusi Mavimbela, esteve em Goiânia atendendo a convite da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio). O diplomata está em missão para ampliar a cooperação comercial de seu país com o estado de Goiás. Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Mavimbela falou sobre as oportunidades para investimentos entre os países, os encontros recentes que teve com Jair Bolsonaro (PL) e Lula (PT), o sistema político sul-africano e literatura.  

Italo Wolff – O senhor foi convidado pela Fecomércio para conhecer o comércio têxtil na Região da Rua 44, a agricultura, e indústrias goianas. Em sua opinião, quais são as possibilidades de cooperação entre Goiás e a África do Sul?

Vusi Mavimbela – Nossa abordagem é muito ampla. Estamos olhando para muitas coisas, não apenas para as indústrias, mas também para a mineração, cooperação financeira, tecnologia. Basicamente olhando para todas as áreas possíveis de colaboração.

Há muitas semelhanças entre a África do Sul e o Brasil em geral, e maiss ainda com Goiás em particular. Compartilhamos quase os mesmos padrões climáticos porque estamos na mesma zona climática. Se olharmos para os recursos naturais, temos quase os mesmos recursos naturais. A África e a América do Sul já formaram uma mesma massa de terra 180 milhões de anos atrás, o que explica a similaridade dos recursos naturais encontrados abaixo do solo.

Além disso, o mundo hoje é impulsionado pela tecnologia. A África do Sul é o país mais avançado tecnologicamente no continente africano. O Brasil é uma grande economia e há muito o que aprender e compartilhar entre nós. Na Agricultura, porque novamente as condições climáticas são semelhantes, produzimos quase as mesmas coisas, mas o Brasil as produz em maior escala. Isso ocorre porque o Brasil tem tecnologia que não temos, já que o país investiu muito esforço e pesquisa no desenvolvimento de recursos e de profissionais que impulsionam a produção de alimentos. Então, temos muito para aprender.

Além de órgãos de governo, temos conversado também com muitas agências no Brasil, como a Embrapa. A Embrapa é mundialmente conhecida e estamos ligando-a com a nossa própria “Embrapa” na África do Sul. Estamos começando a fazer pesquisa e trabalhar juntos. Aqui, estamos discutindo outras parcerias que podem ser alcançadas com universidades e seus departamentos de pesquisa, e descobrimos muitas áreas em que podemos juntar nossos profissionais para encontrar um terreno comum.

Nos últimos anos, as relações da África do Sul com o Brasil têm sido impulsionadas principalmente pela cooperação inter-regional, como IBAS (Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul) e BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A atual missão tem objetivo de propor uma abordagem em outro nível?

Estamos falando de uma abordagem mais bilateral. Claro que ainda trabalhamos dentro do IBAS e do BRICS como uma estrutura mais ampla, estamos cooperando nesse nível. Mas na atual missão em Goiás, nosso objetivo é promover o contato direto entre as instituições brasileiras e sul-africanas.

Há espaço para melhorar o investimento direto estrangeiro (IDE) bilateral? Quais setores são interessantes para os brasileiros investirem na África do Sul? Que facilidades os empresários encontram para investir em seu país?

Existem algumas áreas prioritárias. Uma deles é a infraestrutura. Estamos tentando atrair investimentos para grandes projetos como pontes, reservatórios, geração de energia e assim por diante. Também estamos interessados ​​nas áreas de tecnologia e agricultura, pois não somos autossuficientes na produção de alimentos. Exportamos alguns alimentos, mas podemos melhorar nossa taxa e custo de produção de alimentos. As finanças e o conhecimento que o Brasil pode levar para a África do Sul seriam muito benéficos.

Estas são as oportunidades que existem atualmente, mas também tentamos prever interesses futuros e apresentar alguns pontos de preocupação. Por causa das mudanças climáticas, estamos começando a ter muitos desastres ambientais: no ano passado, tivemos o pior caso de inundações da história da África do Sul. Pontes, estradas e casas foram destruídas. Portanto, nosso investimento não é suficiente e precisamos atrair investimentos estrangeiros na infraestrutura para prevenção de desastres.

Qual tem sido a história recente da cooperação entre a África do Sul e o Brasil?

Esse é um dos maiores desafios que temos. Se você olhar para o tamanho das economias – o Brasil é a maior economia da América Latina e a África do Sul é a segunda maior do continente africano – e se você olhar para o comércio, que é muito mínimo, temos que nos perguntar por quê.

Antes de podermos aumentar a cooperação econômica, temos que entender quais foram os fatores envolvidos. Do nosso ponto de vista, acho que a África do Sul não olhou para a América Latina tão seriamente quanto deveria. Talvez a questão da língua e da cultura seja uma barreira. As principais barreiras ao comércio entre os dois países são as normas protetivas da União Aduaneira da África Austral (Sacu) e do Mercosul. Além disso, o próprio Brasil não é muito aberto economicamente à colaboração direta com outros países.

No entanto, o estado brasileiro, especialmente o Itamaraty, começa a olhar seriamente para o continente africano. Eles vêem os dividendos que existem na África. A África do Sul é dotada de recursos naturais inexplorados, sua força de trabalho é jovem, e assim por diante. 

O continente africano ainda é em grande parte inexplorado. A maioria dos países subdesenvolvidos do mundo se encontra no continente africano, o que significa que estamos nos movendo em um ritmo muito lento e, portanto, existe muito trabalho a ser feito lá. 

O presidente Jair Bolsonaro chamou dezenas de diplomatas estrangeiros ao palácio presidencial para dizer que acreditava que o sistema de votação do país poderia ser fraudado. Você estava lá? Quais são suas opiniões sobre o assunto?

Claro que eu estava lá, todos os diplomatas foram convidados. Mas acho que essa é a política do Brasil. Como diplomata, acho que devo deixar que você e a população de seu país expressem uma opinião. Para nós diplomatas, nosso trabalho é tentar construir relações com qualquer governo que entre no poder.

Você também se encontrou recentemente com o ex-presidente Lula para discutir o papel do BRICS na busca de uma solução para a Guerra na Ucrânia, correto? Vocês chegaram a alguma conclusão sobre o assunto?

Os embaixadores do BRICS foram todos convidados e nós fomos lá para ouvir, não para opinar. Acho que o presidente Lula estava preocupado com a pergunta “como o BRICS pode se envolver na tentativa de resolver o conflito, já que a Rússia é membro do BRICS? Como países do BRICS, o que podemos fazer para ajudar a encontrar soluções?”

Recentemente, um novo líder da etnia Zulu foi coroado na África do Sul. O Brasil também tem muitas lideranças tradicionais regionais. Como o sistema político sul-africano incorporou os líderes étnicos? Esse modelo tem funcionado? 

O sistema parlamentar na África do Sul é dividido em câmaras baixa e alta, e há também a casa dos líderes tradicionais. Então, na verdade, o reconhecimento aos grupos étnicos faz parte da estrutura parlamentar. Os grupos são reconhecidos na constituição da África do Sul e têm representantes no parlamento, o que significa que o presidente também deve atender às suas demandas. Os líderes tradicionais ainda têm autoridade em algumas áreas rurais, porque o território está sob seu poder, historicamente. Temos 11 línguas oficiais e nove delas são línguas tradicionais.

Claro que os zulus sempre fazem as manchetes porque são os mais populosos, com 11 milhões de pessoas. O novo rei coroado descende do histórico Shaka Zulu (rei de 1816 a 1828). Qualquer político sério tem que respeitar a tradição e a história que acompanha os grupos étnicos.

Você é um escritor com livros de poesia publicados. Você gosta da literatura brasileira?

Minha maior decepção quando cheguei aqui foi não ter encontrado livros brasileiros traduzidos em inglês nas livrarias. Me disseram “você não vai encontrar livros em inglês aqui”. Então, o que eu tenho que fazer é encomendá-los na Amazon. Comprei “Brasil: uma biografia” (Heloisa Murgel Starling e Lilia Moritz Schwarcz, 2015), mas você não encontra aqui em inglês.

Atualmente estou lendo “Escravismo no Brasil” (Francisco Luna e Herbert S. Klein, 2009). O livro traça a história da escravidão e mostra como suas características no país são diferentes das de outras regiões. A escravidão do Brasil impactou toda a América Latina porque foi o país que mais recebeu escravos no mundo.

Você encontra tempo para escrever enquanto trabalha como diplomata? Quais são seus escritores favoritos?

Talvez eu pense em escrever quando deixar o país, mas estou muito ocupado agora. Tenho tantos escritores favoritos, mas para citar apenas os modernos, gosto de Chimamanda. Acho que ela é ar fresco, uma jovem escritora da Nigéria que escreve não apenas sobre a África, mas sobre o mundo. Acho ela muito interessante. Na América Latina meus favoritos são Gabriel Garcia Marques e Pablo Neruda.

Original interview

Italo Wolff – You were invited by Fecomércio to get to know the textile trade in the Rua 44 region, agriculture, and industries in Goiás. In your opinion, what are the possibilities for cooperation between Goiás and South Africa?

Vusi Mavimbela – Our approach is very broad. We are looking at many things, not just the textile industry. We are looking at mining, cooperation, technology, agriculture. Basically looking at every possible area of cooperation. 

There are a lot of similarities between Brazil in general but Goias in particular with South Africa. We share almost the same climate patterns. We are in the same climatic zone. If we are looking at the natural resources, we have almost the same natural resources. Africa and South America already formed the same landmass 180 million years ago, which explains the similarity of natural resources found beneath ground.

Furthermore, the world today is driven by technology. South Africa is the most technologically advanced country on the African continent. Brazil is a big economy and there is a lot to learn and share among us. In Agriculture, because the climatic conditions are similar, we produce almost the same things, but Brazil produces them on a larger scale. This is because Brazil has technology that we don’t have, as the country has invested a lot of effort and research in developing resources and professionals who drive food production. So, we have a lot to learn.

In addition to government agencies, we have also talked to many agencies in Brazil, such as Embrapa. Embrapa is world-renowned and we are linking it with our own “Embrapa” in South Africa. We are starting to do research and work together. Here, we are discussing other partnerships that can be achieved with universities and their research departments, and we have discovered many areas where we can bring our professionals together to find common ground.

In recent years, South Africa’s relations with Brazil have been driven mainly by interregional cooperation such as IBSA and BRICS. 

We are talking about a more bilateral approach. Of course we still work within IBSA and BRICS as a broader structure, we are cooperating at that level. But in the current mission in Goiás, our objective is to promote direct contact between Brazilian and South African institutions.

Is there room to improve bilateral foreign direct investment (FDI)? Which sectors are interesting for Brazilians to invest in South Africa? What facilities do entrepreneurs find to invest in their country?

There are a few priority areas. One of them is infrastructure. We are trying to attract investment into big projects such as bridges, reservoirs, power generation, and so on and so forth. We are also interested in the areas of technology and agriculture as well, because we are not self-sufficient in food production. We export some food but we can improve our rate and cost of food production. The finances and knowledge that Brazil can bring to South Africa would be very beneficial. 

These are trying the opportunities that currently exist, but we also try to predict future interests and present concern points. Because of climate change, we are beginning to have a lot of disasters: last year we had the worst case of floods in the history of South Africa. Bridges, roads and houses were washed away. So, our investment is not enough and we need to attract foreing investment on the structures for the prevention of disasters.

What has been the recent history of cooperation between South Africa and Brazil?

That is one of the biggest challenges we have. If you look at the size of the economies – Brazil is the biggest economy in Latin America and South Africa is the second biggest in the African continent – and if you look at the trade, that is very minimal, we have to ask ourselves why

Before we can ramp up the economical cooperation, we have to understand what has been the factors involved. From our own perspective, I think South Africa has not looked at Latin America as seriously as it should have. Perhaps the question of language and culture acts as a barrier. The main barriers to trade between the two countries are the protective regulations of Southern African Customs Union (Sacu) and Mercosul. Besides, Brazil itself is not very open economically. 

However, Brazil is beginning to look seriously at the African continent. The country see the dividends that exist in Africa. The continent still is largely unexplored. Most of the underdeveloped countries in the world are found in the African continent, which means we are moving at a very slow pace and so you can do a lot of work. South Africa is endowed with natural resources, its work force and population is young, and so on. 

President Jair Bolsonaro called dozens of foreign diplomats to the presidential palace to tell them that he believed the country’s voting systems could be rigged. Were you there? What are your opinions on the matter?

Of course I was there, all diplomats were invited. But I think that is Brazil’s politics. As a diplomat, I think I should leave that to you and the country’s population to express an opinion. For us, our job is to try to build relations with whatever government comes into office.

You also met with former President Lula recently to discuss the role of BRICS in the search for a solution to the War in Ukraine, correct? Did you come to any conclusions on the matter? How does South Africa view the conflict between Russia and Ukraine?

The BRICS ambassadors were all invited and we went there to listen, not to offer an opinion. I think president Lula was worried with the question “how can the BRICS get involved in trying to resolve the conflict, since Russia is a member of BRICS? As BRICS countries, what can we do to help to find solutions?” 

Recently, a new leader of the Zulu ethnicity was crowned. Like Brazil, which has many regional indigenous leaders, South Africa has 11 official languages and many different ethnicities. How has the South African model of recognition in the Constitution of traditional leaders been working? 

The parliamentary system in South Africa is divided into lower and upper houses, and the house of traditional leaders. So it is actually part of the parliamentary structure and the ethnic groups are recognized in South Africa’s constitution. All groups have representatives in the parliament, which means the president has got to address their demands as well. Ethnic traditional leaders still have authority in some rural areas, because the territory falls under their power, historically. We have got 11 official languages, and nine of them are traditional languages. 

Of course, the Zulus always make the headlines because they are the most populous, with 11 million people. The new crowned king descends from Shaka Zulu (king from 1816 to 1828). Any serious politician has to respect the tradition and history that accompanies ethnic groups.

You are a writer with published poetry books. Do you like literature?

My biggest disappointment when I arrived here is that I looked for english books in bookstores and they said to me “you are not going to find english books here”. So, what I have to do is order them on Amazon. I bought “Brazil: A Biography” (Heloisa Murgel Starling and Lilia Moritz Schwarcz, 2015), but you can’t find it here in english. 

I am reading “Slavery in Brazil” (Francisco Luna e Herbert S. Klein, 2009). It traces the history of slavery, and showcases how the characteristics of slavery in Brazil are different from the one in other regions. Brazil’s slavery impacted the hole Latin America because it was the country that recieved the biggest number of slaves in the world. 

Do you find time to write while you are working as a diplomat? What are your favorite writers?

Perhaps I will think of writing when I leave here, but I am too busy now. I have so many favorite writers, but to mention just the modern ones, I like Chimamanda. I think she is fresh air, a young writer from Nigeria that writes not only about Africa but the world. I find her very interesting. In Latin America my favorites are Gabriel Garcia Marques and Pablo Neruda.