Desafios para encontrar alguém que, de fato, faça frente a Lula e Bolsonaro são uma corrida contra o relógio – a qual, parece, os postulantes estão perdendo

De um lado, o atual presidente da República, com o que seria hoje o nicho de – pelo menos ou ainda – um quarto dos eleitores, além da máquina eleitoral e o apoio de boa parte do empresariado e do agronegócio. Do outro, um ex-presidente que terminou seu governo com altíssima popularidade, deixou saudades em boa parte dos brasileiros, foi envolvido e condenado por escândalos de corrupção, viu as sentenças serem anuladas e seu juiz declarado parcial e que, em vista da atual crise econômica e política, aparece para lhes trazer esperança, liderando com folga todas as pesquisas da corrida presidencial.

No meio desses dois flancos, uma turma que luta para se viabilizar como uma terceira via tentando convencer os cerca de 30% que não estão nem com Jair Bolsonaro (sem partido) nem com Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de acordo com os levantamentos de intenção de voto. São os possíveis candidatos a ocupar o centro político, todos tendo de trabalhar com esse potencial de não eleitores dos primeiros colocados.

Muitos dessa fatia ainda estão indecisos – o que significa que podem, inclusive, votar em um dos dois polos da disputa. Com algum otimismo, sobrariam 25% dos votos para ser divididos entre Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), José Luiz Datena (PSL), Rodrigo Pacheco (hoje no DEM, mas que deve se filiar ao PSD se for disputar) e o candidato do PSDB (hoje, João Doria ou Eduardo Leite).

O cientista político, pesquisador e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Alberto Carlos Almeida – autor de A Cabeça do Eleitor e A Cabeça do Brasileiro, entre outras obras – é ainda mais restritivo quanto à porcentagem de votos a ser concentrada na chamada terceira via. Ele compara a situação dos candidatos de centro com a de um emparedamento. “De um lado da disputa está o presidente, sentado na cadeira da máquina; do outro, um ex que lá esteve por oito anos e saiu bem avaliado. Como entrar nisso? É um sanduíche, muito difícil”, diz.

Alberto Carlos Almeida, autor de “A Cabeça do Eleitor”, diz que o fator regional é um problema para a terceira via ganhar espaço” | Foto: Reprodução

“Existem, a princípio, 20% de votos disponíveis para um terceiro candidato. Aprendemos isso com duas votações de Marina [Silva, em 2010 e em 2014] e uma de Garotinho [Anthony Garotinho, em 2002]. Sabe-se também, é sempre bom lembrar, que esse foi o percentual máximo de um terceiro nome, assim como sabemos que houve ocasiões em que essa terceira via ficou com menos de 10% dos votos”, relata. “No próximo ano, para que possa conseguir ir ao segundo turno, [a terceira via] precisará concentrar a votação em um de três candidatos que, aparentemente, são assemelhados.”

Alerta Alberto, porém, que esse é um quadro político-eleitoral do momento, o que não lhe impede de dizer que a operação para construção de uma terceira via será um trabalho hercúleo. “O surgimento de uma terceira via não é impossível, mas é difícil, diria até improvável. Temos nas duas pontas candidatos cujos discursos empolgam. Já candidatos como Rodrigo Pacheco, Doria e Ciro são insossos – o Ciro, um pouco menos. Não creio que o DEM vá avançar com a candidatura de Mandetta, talvez entre como vice, por exemplo, do PSDB”, diz o professor.

Mais importante do que as questões pessoais de cada pretendente à viabilidade pelo centro, o pesquisador diz que é preciso prestar atenção nos fatores objetivos para quem os apoiaria. O cenário mais provável é que os políticos do centro que serão candidatos ao Legislativo – buscando ou não uma reeleição se alinhem de acordo ao presidenciável mais forte em sua base eleitoral.

De olho na política regional
“O fator regional é muito importante, porque políticos antes de tudo buscam a própria sobrevivência. Fora dos que já estejam em algum dos dois polos, eles vão buscar um alinhamento em relação ao favorito em seu Estado. No Nordeste, por exemplo, a tendência é de que os centristas se alinhem mais a Lula; na região Sul, a Bolsonaro”, explica.

Apesar de todo o cenário crítico em que está envolto, o atual mandatário da República tem uma base de núcleo duro muito consolidado. Então, como cenário prático para uma real ascensão da terceira via, diz Alberto, seria a terceira via se tornar a segunda: “Na realidade, a chance da terceira via é o impeachment ou uma licença de Bolsonaro”, sentencia.

Demanda à 3ª via? Até tem, mas falta oferta, diz professor

Uma vez que pesquisas de opinião recentes trazem indicadores em torno de 30% relativos ao eleitorado “nem nem” (nem Lula nem Bolsonaro), há, sim, uma demanda para o surgimento de uma terceira via. É o que pensa o professor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da Universidade Federal de Goiás (UFG), o cientista político Robert Bonifácio. Mas ele também aponta o problema: “O que falta é oferta, uma força política capaz de aglutinar essas preferências.”

Cientista político e pesquisador Robert Bonifácio, da UFG: “Falta para a terceira via uma força política capaz de aglutinar todos” | Foto: Reprodução

Mas como seria possível construir essa “aglutinação”? “Uma vez que se tem um cenário em que se observa um eleitorado mais ou menos consolidado para Bolsonaro e Lula e que se vislumbra uma característica de dois polos, sendo todos contra Bolsonaro, o que se precisa, para lograr êxito, é de que haja apenas uma candidatura da terceira via”, acredita Robert, também integrante do quadro do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) da UFG.

Segundo o pesquisador, o primeiro passo seria garantir a presença no segundo turno. Uma vez nele, a estratégia seria explorar a rejeição de Bolsonaro ou Lula para atrair o eleitorado. “Isso não é simples porque, até o momento, não são construídas pontes, os atores políticos relevantes não visam ligar interesses em comuns e construir uma plataforma única, pelo contrário, busca-se deslanchar uma candidatura individual para se ter as maiores cartas na manga para construir uma possível aliança”, adverte. “Mandetta, Ciro, Leite, Pacheco e Doria fazem mais do mesmo, estão longe de figurarem como autores de uma robusta coligação à la chilena (concertación) e uruguaia (frente amplio).”

Ciro Gomes, inclusive, aparece um tanto deslocado nesse espectro. Robert diz que ele está tentando construir sua imagem nesse sentido para representar a insatisfação com a polarização, a fim de abocanhar um eleitorado de centro e de direita moderada. “Resta saber se conseguirá, uma vez que sua figura está atrelada à esquerda”, explica o professor da UFG.

Já o professor, historiador e antropólogo Wilson Ferreira da Cunha, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), diz que a “pretensa terceira via” parou no tempo. “Não foi feita com propostas concretas, continuam pensando como há 40 anos. As ideias envelheceram, não só na política, mas também na economia. Não conseguem caminhar. Mais do que nomes, o País precisa de ideias e projetos”, diz o professor, autor do livro Introdução à Ciência Política.

O derretimento de Bolsonaro é reversível?

Está claro que o presidente Jair Bolsonaro passa pelo seu pior momento político desde que chegou ao cargo. Gestão da pandemia sob investigação, afloramento de casos de corrupção no Ministério da Saúde, desemprego no mais alto índice, um início de recuperação econômica que não chega aos mais pobres e, agora, problemas de saúde. É a tempestade perfeita.

Mas Alberto Carlos de Almeida alerta: “É bom relembrar que estamos a mais de um ano das eleições. Isso torna tudo, inclusive a recuperação econômica, uma incógnita. Ninguém sabe qual será o nível de recuperação da economia. A rigor, ninguém sabe nada nessa altura do jogo”, provoca.

Uma carta poderosa que Bolsonaro tinha na manga e que dificilmente poderá jogar com a mesma eficiência é a aura de paladino da moralidade e combatente anticorrupção. “Cerca de 70% da população, nas pesquisas, acredita que há corrupção no governo. Ele pode até justificar que, por exemplo, no caso da Covaxin [negociação de vacina sob investigação na CPI da Pandemia] a compra não foi efetivada. Mas é aquela história, toda vez que você passa a ter de se explicar é porque a coisa já degringolou”, ressalta o professor da UFF. De qualquer forma, o cenário eleitoral vai se desenhar a partir de Bolsonaro. “Quem disputa uma reeleição automaticamente estrutura a disputa em torno de si: por sua continuidade ou sua saída.”

Wilson Ferreira Cunha, autor de “Introdução à Ciência Política” e professor da PUC-GO: “Vacinação pode dar fôlego forte a Bolsonaro”| Foto: Reprodução

Aposta na vacinação
O professor Wilson Ferreira da Cunha, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), acha que Jair Bolsonaro tem chance de se reerguer com o sucesso da vacinação. “A vacinação bem-sucedida – e é o que se percebe que está acontecendo, no momento, com certeza dá um fôlego forte para o governo federal. Junte-se a isso o fato de que a economia já tem dado claros indícios de recuperação e ele pode chegar com muito vigor para as eleições do próximo ano”, diz ele, que também é historiador e antropólogo.

Seu colega Robert Bonifácio, da UFG, diz, ao contrário, que Bolsonaro “está derretendo aos poucos” e que a CPI da pandemia e a lentidão na vacinação jogam contra ele. “A queda pode ser contornável se a economia reagir a plenos pulmões e se ele convencer a opinião pública de que isso se deu por sua causa. Não tem por onde o Bolsonaro se recuperar para além de uma situação hipotética de trajetória positiva da situação econômica.

 

 

E o PT? E o Lula? Corrupção vai ser problema na campanha?

 O surgimento de casos de corrupção no governo atual deve atenuar a percepção de corrupção que foi “colada” em Lula, no PT e na esquerda em geral. Mas primeiro é preciso fazer um anteparo: Lula será mesmo candidato: “A pressão do partido e das pesquisas favoráveis é muito grande, não há nada que indique que algo vá mudar com relação a isso [candidatura de Lula]”, diz Alberto Carlos Almeida.

Posto esse aspecto, a discussão vai para outras paragens: e uma delas, invariavelmente é a da marca da corrupção que conseguiram colar. “No momento, a vantagem de Lula é muito grande e ele está vendo tudo se reverter contra seu rival. Até mesmo em relação à questão da corrupção. Veja bem: durante a campanha, num debate, na hora em que Bolsonaro chamar Lula de ‘ladrão’, o petista poderá responder ‘olha, fui absolvido em todos os casos e são você e seus filhos os investigados, inclusive por roubo na vacina’. É algo muito contundente”, explica. Segundo o cientista político, o que Lula tinha de perder nesse aspecto já perdeu. “Agora a corrupção deixa de ser tema principal, já que ambos os lados estarão afetados.”

Dois lados da moeda
Robert Bonifácio, da UFG, vê os dois lados da moeda quando o assunto é PT versus corrupção. Boa parte do antipetismo vigente advém de uma percepção de que o PT e Lula são o partido e a pessoa mais corruptos deste País; mas penso que não se cola mais em Lula nada de novo em relação a isso. Primeiro, porque os processos em que ele é réu estão sendo revistos em seu favor. Em segundo lugar, ele não ocupa e não ocupará nenhum cargo até a eleição, logo, não abre possibilidade para ser questionado sobre possíveis novos atos de corrupção supostamente cometidos. E em terceiro, os escândalos de corrupção ocorridos sob o governo Lula já são antigos e não entram mais no radar do eleitor”, explica.

Já o professor Wilson Ferreira da Cunha acredita que o PT ainda vai amargar a pecha por muito tempo. “O PT continua com muita rejeição. As pesquisas são uma fotografia do momento, ainda é cedo para falar quem serão os candidatos, até mesmo Lula pode não ser, por conta das questões na Justiça.”