O movimento Diretas Já completou 40 anos do seu primeiro comício, realizado em Goiânia em 1983, em 2023 e é considerado o pontapé do movimento que resultou na queda da Ditadura Militar e levou a redemocratização do Brasil. Ainda que tímido, o comício realizado em novembro de 1983 foi a base que solidificou o movimento para às grandes manifestações que ocorrerem em Goiânia e outras capitais. Para entender melhor o contexto da época, a reportagem do Jornal Opção conversou com personagens que estiveram presentes durante todo o processo.

O ex-deputado federal Aldo Arantes foi um que esteve presente durante todo o processo de redemocratização. Em 1983, Aldo já era deputado federal pelo PMDB e atuava fortemente em Brasília em prol da realização de eleições diretas no Brasil. Ele conta que quando a proposta do deputado Dante Oliveira, que pedia a realização de eleições diretas, não passou na Câmara naquele ano, o fato foi o estopim da mobilização. 

“Depois que a proposta não passou, naquele ano houve uma reunião onde participaram vários governadores, inclusive o de Goiás, Iris Rezende. Nesta reunião eu pude falar como membro da Comissão da Câmara que lutava pela queda da ditadura e a consequente redemocratização do Brasil. Foi uma época muito difícil, de muita repressão por parte do governo. Vários membros do PMDB eram de uma ala mais progressista e trabalhavam pela realização das Diretas”, conta o ex-parlamentar.

Deputado Aldo Arantes (centro) | Foto: Divulgação

Arantes relata que durante essa reunião propôs a realização do primeiro comício em Goiânia, e que de pronto o governador Iris Rezende aceitou a proposta. “Iris sofreu muito com a ditatura, então ele foi o primeiro governador do Brasil a oferecer o seu estado para a realização dos comícios. A ideia era fazer no ginásio da PUC, mas deu tanta gente, cerca de 10 mil pessoas que tivemos que levar para a Praça Universitária”, relembra.

Caravana goiana

Quem esteve também esteve inserido neste contexto histórico foi o professor e ex-vereador por Goiânia, Fábio Tokarski. Ele relembra que o período foi muito conturbado, pois os militares usavam de vários artifícios para atrapalhar às manifestações.

“O ambiente em 1983 era muito tenso, pois ainda estávamos em plena ditadura que agia de maneiras direta e indireta. Diretamente reprimindo, batendo, prendendo pessoas e de maneira indireta com serviços de vigilância, sabotagem e corrupção. Por outro lado, a população já não aguentava mais e começou a se mobilizar cada vez mais”, afirma.

O professor esteve envolvido diretamente na organização da caravana que saiu de Goiás para o grande comício que ocorreu em 1984 na Praça da Sé em São Paulo. “Foram vinte ônibus de Goiânia e mais um de Anápolis. Mobilizamos cerca de mil pessoas nesta caravana para São Paulo, entre estudantes, trabalhadores, jovens, idosos, tinha gente de todo o tipo”, relembra.

Fábio Tokarski também relaciona diretamente a atuação de Goiás ao sucesso da campanha pelas Diretas Já. Para ele, além da atuação política, o estado já tinha um histórico de resistência e luta pela democracia.

“O primeiro evento público das Diretas no Brasil foi o comício da PUC, sendo a origem e muito importante para os eventos seguintes, como o de 1984 na Praça Cívica que reuniu mais de 300 mil pessoas. Goiás tinha tradição na luta democrática, o senador Henrique Santillo, por exemplo, era da ala dos autênticos no Senado e já pedia eleições diretas. Já havia acontecido por aqui também a Guerrilha do Araguaia, ou seja, a luta pela democracia por aqui sempre foi muito forte”, disse.

Situação também se revoltou

O ex-deputado Vilmar Rocha também participou do movimento. Em 1983, Vilmar era deputado estadual pelo PDS, partido que era de certa forma de situação naquele momento. Mas segundo Rocha, quando a proposta não passou na Câmara Federal, vários dissidentes do PDS surgiram, entre eles o próprio Vilmar.

“O PDS na época votou contra a proposta das Diretas e isso contrariou vários componentes do partido que lutavam pela redemocratização, inclusive eu. A partir daí formamos a Frente Liberal, que mais tarde se tornaria o PFL, para podermos nos aliar ao PMDB e engajar de forma mais pujante na luta pelas Diretas”, conta.

Governador de Goiás, Iris Rezende, discursa pelas Diretas Já. | Foto:

Para o ex-deputado, Goiás foi protagonista dentro deste escopo. Ele conta, que Iris Rezende atuou pessoalmente dentro do debate e da luta pelas eleições diretas. “Goiás foi protagonista e população participou fortemente no processo com o Iris coordenando a mobilização popular para a realização do primeiro comício. O papel de protagonismo começou aqui e se inseriu na política nacional de uma maneira ímpar. Posso afirmar com toda certeza que Goiás teve um papel crucial na redemocratização do Brasil”, disse Rocha.

Compilado

O jornalista e escritor Iuri Godinho lançou em 2017 o livro “Diretas Já em Goiânia — Brigas, Prisões e Esperança na Maior Festa Cívica Goiana”. A obra não traz apenas a visão de quem estava em cima do palanque, mas abre voz para os relatos de quem engrossava o coro e levantava a bandeira. Em uma viagem de volta a 1983, a obra fala do choque dos dois mundos – civis e governo militar – e da luta diária pela redemocratização do Brasil. Vale a leitura.

Movimento

Diretas Já foi um movimento popular ocorrido entre os anos de 1983 e 1984 que defendia a aprovação, no Congresso Nacional, da Emenda Constitucional 05/1983, proposta pelo deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MS) para a realização de eleições presidenciais diretas em 1985. Foi um movimento que reuniu diversas lideranças políticas, artistas, intelectuais e que realizou diversos comícios em várias capitais brasileiras. Era a primeira vez desde 1968 que a população se mobilizava para ir às ruas fazer manifestação.

Em 1978, o Ato Institucional número 5 foi extinto e, no ano seguinte, a Anistia foi assinada, permitindo o retorno dos brasileiros que saíram do país para fugirem das perseguições políticas. O sistema bipartidário foi substituído pelo pluripartidarismo. Vários partidos foram criados, como o PMDB, PT, PDS, entre outros. O general João Figueiredo (1979-1985) deu continuidade à política de abertura.

A economia brasileira não estava passando por bons momentos. A inflação bem como a dívida externa trouxeram problemas para as finanças do país. O reflexo disso foi o encarecimento do custo de vida da população, que já demonstrava sua insatisfação com a ditadura militar. Essa insatisfação foi canalizada nas manifestações pelas eleições diretas. A sociedade brasileira estava exausta com os desmandos dos militares no poder.

Em 1982, ocorreram as primeiras eleições estaduais diretas dos últimos dezessete anos. Vários políticos que estiveram no exílio e que foram anistiados participaram dessas eleições, como Leonel Brizola, que foi eleito governador do Rio de Janeiro. Outros políticos que se opuseram à ditadura dentro do Brasil também participaram e foram eleitos em vários estados, como Franco Montoro, em São Paulo, e Iris Rezende, em Goiás. O apoio desses governadores foi fundamental na realização dos comícios das Diretas.

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