A obra chamada por muitos de “interminável”, pode, finalmente, estar com os dias contados. O secretário de infraestrutura de Goiânia, Denes Pereira, antecipou que, está marcada para o próximo dia 15 de setembro a inauguração do último grande terminal do BRT Norte Sul, no Setor Urias Magalhães. Segundo ele, a Redemob já está fazendo a adaptações necessárioas para que tudo esteja pronto pra funcionar já no dia em que a obra for inaugurada.

O custo inicial da obra do corredor exclusivo do transporte coletivo era de mais de R$ 245 milhões. Depois de 17 aditivos, a obra deve ser finalizada no valor de quase R$ 325 milhões, uma diferença de cerca de R$ 80 milhões. Cerca de 97% já está concluída e a determinação é que tudo fique pronto e à disposição da população até o final de outubro e garante que a chance da obra ter um novo aditivo de contrato é zero.

No entanto, o secretário admite que foi um erro – que veio de outras gestões – deixar a parte central para a última hora. “Todo fim de obra, geralmente, é complicado. Mas a Prefeitura está cumprindo o cronograma de pagamentos e tudo está sendo feito no prazo. Nos últimos dias, as obras avançaram na Praça Cívica e nas estações da Avenida Goiás”, reforçou.

Mesmo assim, ainda há a possibilidade de que a empresa, por qualquer motivo, não consiga finalizar tudo até o prazo estipulado. Nesse caso, se aconteça, Denes disse que o governo municipal ficará em cima da empresa responsável para que o atraso nao se extenda para além de dezembro.

O secretário explica que o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) herdou a missão de finalizar a obra. “Era pra ter sido entregue antes do Rogério assumir, mas toda gestão tem obrigação de dar continuidade”, contextualizou. Além disso, o secretário reconhece que é “uma obra complicada e com um histórico complexo”.

Histórico complexo de uma obra “interminável”

Iniciadas em 2015, a previsão inicial era que fossem finalizadas em 2020. No entanto, as obras do BRT Norte-Sul foram paralisadas em 2017, Isso porque uma fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) detectou irregularidades no processo de licitação para o trecho que liga os terminais Isidória e Cruzeiro. Mas antes disso, o projeto já estava andando a passos lentos. “O projeto e a execução são de 2013 e a licitação só ocorreu em 2014”, destacou Denes Pereira.

A obra só voltou a andar em 2018, depois de que foi firmado um novo cronograma e a empresa responsável pela obra deveria ter entregue tudo em 2020. O não cumprimento do prazo levou à rescisão do contrato e à realização de um novo processo licitatório. “O prefeito Rogério assumiu a obra em 2022 e tem dado andamento. Dos quatro grandes terminais, três foram entregues por ele. Nos últimos dois 2 anos, a obra evoluiu mais do que nas outras gestões”, pontuou.

Com a chegada das obras ao Centro de Goiânia, a Praça Cívica sofre com alterações no trânsito e na sua paisagem desde julho de 2021. Segundo a Prefeitura, o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) só liberou em setembro do ano passado a construção das estações. Com isso, a Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) também recebeu a autorização para retirar as árvores da região.

O secretário de infraestrutura destaca que todo projeto relacionado ao transporte de massa é bem vindo porque tem o objetivo de reduzir a quantidade de carros nas ruas, o que ajuda na mobilidade. Por isso, a grandiosidade do corredor Norte-Sul, para ele, deve ter um grande impacto. “Sâo quase 22 quilômetros de extensão, cinco terminais de integração, 36 estações de embarque e desembarque que vão atender mais de 120 mil usuários”, listou.

“O BRT vai ser uma grande frustação”, diz especialista

O especialista em Trânsito e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rotten pontua que o erro está no planejamento. “Desde o início, foi escolhido o lugar errado para ser feito. Tanto a Rua 90 quanto a Avenida Goiás Norte não têm tanta moradia nem tanto comércio que justifiquem a obra nessas vias”, destacou.

Segundo Marcos, na época em que o projeto foi idealizado, a Prefeitura optou pela solução “mais fácil”. “Não foi feito um estudo mais detalhado para entender qual seria a melhor alternativa. Essa é, inclusive, uma tradição de gestões no município de Goiânia. Não fazem o planejamento adequado e optam por projetos que contenham obras caras”, reclamou.

E, para o especialista, no caso no BRT, a trincheira da Rua 90 com a Avenida 136 é um exemplo dessa falta de planejamento. “Não tinha necessidade dessa obra, que não vai trazer melhoria. O volume de transporte público ali não é tão grande e pra dar prioridade ao ônibus naquele ponto, bastava um semáforo”, sugeriu.

Justamente por isso, para o especialista, mesmo depois de pronto e entregue à população, “o BRT vai ser uma grande frustração”. E o professor, que critica a obra, ainda frisa: “Os transtornos vão ficar para sempre. E sem benefícios”. Isso porque, segundo ele, da forma como foi pensando e está sendo entregue, o corredor exclusivo não terá atrativo algum para fazer com que as pessoas deixem de usar o carro e optem pelo transporte coletivo.

De acordo com o professor as avenidas 85 ou T-7, por exemplo, abrigariam melhor o BRT. No entanto, ele defende que seria necessário um estudo aprofundado para verificar a aplicabilidade do projeto nessas vias ou em outras. De qualquer forma, na visão do especialista, o “eixo” onde está sendo construído está no lugar errado.

A conselheira federal suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/BR), Adriana Bernardi, discorda de Rotten. Ela explica que o que vai atender ou não a demanda é quantidade de veículos em circulação e não o simples traçado da obra. “Vai além do próprio desenho”, revelou.

Mesmo assim, Adriana reconhece que a obra trouxe muitos problemas, como a retirada de árvores de uma forma “muito drástica”. “Foi algo dolorido pra cidade, principalmente pra região central. Além disso, apesar de dizer que o eixo do corredor Norte Sul estar correto, a conselheira condena a forma como a obra foi implantada. “As paradas, o tamanho que foi usado, o carro que foi escolhido. Isso tudo poderia ter evitado os transtornos”, revelou.

Segundo Adriana, se o projeto previsse ônibus com abertura dos dois lados poderia ter evitado retirada de árvores e mudanças no trajeto original da cidade, como o que foi feito na Praça do Cruzeiro. E tem outro problema que surge com a obra na visão da conselheira: o trânsito. “Ao jogar os carros num rua paralela que não foi pensada para esse fluxo, o congestionamento já é previsto”, destacou.

A consequência do planejamento inadequado, na visão da representante goiana no CAU/BR é, num segundo momento, a desvalorização da região onde está instalado o corredor, como é o caso do Setor Sul. “Possivelmente, as pessoas que moram ali vão sair. Devem entrar clínicas, consultórios e escritórios por conta do fluxo. Mudou-se toda a estrutura de um bairro e a culpa não foi do desenho, mas do carro escolhido”, criticou.

E a conselheira garante que o CAU/GO tentou dialogar na época com a Prefeitura, sem sucesso, para alertar que havia “outras possibilidades melhores que não abalariam tanto uma região tão importante para a memória da cidade”, revelou.

Para Adriana, apesar de Goiânia ser outra cidade há 10 anos, o projeto do BRT Norte Sul continua cumprindo com seu papel que é a de fazer a ligação de pontos opostos da cidade, algum que tem sua relevância social. “Vai trazer gente da regiçao Norte e trazer para o outro extremo. E mobilidade é algo extremamente benéfico, necessário e democrático”, avaliou.

Agora, sobre a relação custo-benefício da obra, Adriana Bernardi acredita difícil de se medir, principalmente, financeiramente falando. Mesmo assim, para ela, é importante pra sociedade que ele exista. Por isso, na visão da conselheira, deve ter valido a pena. “Deve valer, senão não estariam fazendo”, pontuou.

O secretário de infraestrutura de Goiânia rebate que a obra não está desatualizada, apesar de ter levado mais de dez anos. “Fotos atualizadno o projeto e ele ainda é atual”, comentou.

Especialistas lamentam mudança na paisagem histórica do Centro

A principal crítica feita pela coselheira do CAU é com relação à mudança do cenário histórico de Goiânia. “Poderia ter sido diferente. A falta de qualidade do meio fio que está sendo colocado, as muretas. Está tudo muito feio. Está lá, está servindo e é aquilo mesmo. Mas faltou exigir mais qualidade”, disse com pesar.

O secretário municipal de infraestrutura respondeu sobre essa “falta de qualidade da obra” ao reforçar que uma empresa terceirizada de supervisão, com responsável técnico cadastrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-GO), foi contratada para fazer a fiscalização para que fosse cumprido tudo o que foi exigido na licitação. “Existe responsabilidade para garantir a segurança do usuário”, afirmou.

O especialista critica ainda a qualidade dos ônibus que estão em circulação hoje em Goiânia. “São muito ruins. Esses dias eu peguei um e era uma trepidação e um barulhão que não daria nem pra falar ao celular”, disse. Segundo ele, em Goiânia só usa o transporte público quem precisa. “Até em São Paulo os ônibus têm ar condicionado”, comparou.

Além disso, Rotten explicou que o objetivo principal do BRT é trazer mais velocidade para os ônibus que irão trafegar pelo corredor exclusivo e mais conforto para que as pessoas optem por esse meio de transporte. “Tem que ter ar condicionado. Goiânia é uma cidade quente”, completou Marcos. Além disso, o passageiro precisa der um embarque facilitado.

O professor citou o exemplo do que foi feito em Sorocaba, no interior de de São Paulo como um modelo a ser seguido. “Lá as pessoas estão deixando de andar de carro para irem de ônibus para o Centro”, garantiu.

Obras afastam clientes e comerciantes amargam prejuízos

Certo dia, ao caminhar pelo Centro de Goiânia, sentei no balcão de uma das lanchonetes mais tradicionais do bairro: a Esfiha Quente. Pedi um salgado e refrigerante. Do outro lado do balcão estava Heloísa Estrela, dona do estabelecimento. Ela fundou o comércio, junto com o marido Paulo, em 1989. Hoje seu filho Gustavo Estrela a ajuda a tocar os negócios da família, passado de geração em geração há 34 anos.

Ao conversar com a empresária que passou uma vida na região, ela contou que o Centro já teve dias melhores. “Tinha bem mais movimento, tinha mais vida antes”, lembrou. No entanto, ela relatou que o período de isolamento da pandemia foi cruel porque viu muitos colegas comerciantes fecharem as portas. No entanto, Heloísa relata também que as obras do BRT, na Avenida Goiás, foram responsáveis por afastar a clientela. E, apesar dos problemas, seu negócio resiste, mantendo a tradição que é herança para o filho.

O empresário Paulo Márcio de Camargo tem uma livraria no Centro há 37 anos. Ele foi outro que definiu as obras do BRT como “terríveis” para o comércio local. “Foram anos, isso afastou a clientela. Não vinha ninguém, só vendia por telefone”. Mas ele resiste, apesar das dificuldades: “a única coisa que sei fazer é trabalhar com livro”, destacou.

O presidente da Associação Comercial e Industrial do Centro de Goiânia (Acic), Antônio Alves Ferreira Filho, destacou que as obras do BRT tiveram grande papel no fechamento de lojas no bairro e foram mais prejudiciais do que a pandemia de Covid-19 para os comerciantes da região. “As obras infindáveis e os fechamentos de ruas sem comunicação prévia prejudicaram absurdamente o Centro. Tínhamos aqui grandes lojas que hoje não temos mais. Sofremos com essas obras desde antes da Covid-19”, lembrou.

Respondendo aos comerciantes da região, Denes Pereira explicou que a entrega da obra do BRT “é um dos principais fatores para retomar o movimento do Centro”, juntamente com o projeto de requalificação do bairro que a Prefeitura está trabalhando. No entanto, até o momento, o governo municipal não divulgou seu teor.

Mas a conselheira do CAU/BR discorda dessa visão otimista e prevê problemas para os comerciantes, mesmo depois da obra pronta. Segunda ela, com o que chama de “desertificação” do Centro, por causa da retirada de árvores, o movimento vai diminuir. “Sem árvores, perde transeuntes, perde vendas”, destacou. No entanto, para ela, é difícil prever o quanto vai ser perdido. “Há perdas para o comércio, mas se sabe o quanto. Outras lojas virão, outro tipo de comércio virá, mas o que vai vir a gente ainda não sabe”, previu.