Estamos a pouco mais de um ano das eleições e pesquisas eleitorais já pipocam em alguns veículos de comunicação. Ainda sem os candidatos totalmente definidos, num cenário em que há mais incertezas do que decisões de quem disputaram os cargos disponíveis nas próximas eleições, as pesquisas ainda podem ser uma ferramenta importante para a estratégia dos agentes políticos para diagnóstico e planejamento do desenho eleitoral de 2026.

Os clientes que procuram por pesquisas desse tipo são, geralmente, prefeituras, partidos políticos e possíveis candidatos. Segundo o sociólogo e sócio da Santa Dica Consultoria e Pesquisa, Kim MacheriniKim Macherini, governos municipais buscam as pesquisas para avaliar suas administrações e entender de que forma os serviços e as políticas públicas estão acontecendo nas cidades. Já os partidos políticos e candidatos em potencial encomendam o trabalho dos pesquisadores para entender o cenário eleitoral e político dentro da realidade local.

Segundo o sociólogo, o momento atual é propício para se fazer o diagnóstico eleitoral. “Os possíveis candidatos e os partidos começam a ter informações sobre quem são os melhores ‘players’, quais são as maiores dificuldades, como é que vai ser a eleição. A gente ainda está no estudo pré-eleitoral para que o desenho do jogo político seja definido para o ano que vem”, explicou. E Kim prevê que as sondagens desse tipo sejam feitas até abril do ano que vem, quando o foco muda para a intenção de voto.

No entanto, isso não quer dizer que uma pesquisa de intenção de voto feita neste momento, faltando ainda mais de um ano para as próximas eleições, sejam inúteis. “Elas têm sua utilidade em alguns aspectos, como saber, espontaneamente, quanto um candidato já está despontando, quem tem ‘recall’, qual o interesse da população com esse tema. Porque muitas vezes a não resposta é uma resposta. Quando perguntamos ao eleitor em quem ele votaria no ano que vem para prefeito, se 80% da população não sabe, significa que ninguém ainda pensa no assunto”, afirmou.

Kim e Kaumer cruzam os dados do TSE e IBGE para fazer pesquisas com o auxílio da tecnologia | Foto: LeoIran/ Jornal Opção

Como se faz uma pesquisa?

Na empresa de Kim, os pesquisadores fazem as entrevistas utilizando um tablet com conexão à internet. Finalizado cada questionário, ele já é enviado para a nuvem de um sistema francês utilizado pela empresa. Em tempo real, os pesquisadores que estão na Central vão recebendo os dados e conseguem acompanhar o andamento do trabalho. “Nesse momento a gente checa como estão vindo as respostas e também checamos como está sendo feita a coleta”, comentou o sociólogo.

O monitoramento é feito de forma constante. Tudo isso para garantir que todos os grupos sejam ouvidos. Para Kaumer Nascimento, que também é sócio da Santa Dica, é preciso ter muito cuidado com a grade de distribuição amostral. “Independenmente do dia da semana, quem está em campo fazendo a pesquisa vai ter que encontrar naquela região pré-determinada aquele determinado perfil de entrevistado pré-definido”, detalhou.

Ao planejar uma pesquisa, é necessário já saber a quantidade exata de homens e mulheres, de cada faixa etária, que serão ouvidos. Para que esse número represente a realidade de toda a cidade, é preciso utilizar os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio do Censo, e do Tribuunal Superior Eleitoral (TSE), para entender a distribição dos eleitores e o perfil dos habitantes de cada município.

“Temos acesso a mapas e aos dados, tanto do IBGE quanto do TSE, e conseguimos assim fazer a distribuição amostral. Mas nas cidades em que o agro é forte, em que as pessoas vão pro campo e não estão em casa, tem que ter o cuidado para que parte da pesquisa seja feita no fim de semana para conseguir ouví-los”, detalhou Kaumer. E com o Censo agora atualizado, a qualidade das pesquisas também deve melhorar.

Pesquisadora bate na porta de uma casa para fazer uma pesquisa | Foto: Santa Dica Pesquisa e Consultoria

Tanto a Santa Dica quanto a Podium adotam uma metodologia similar à do IBGE em que o entrevistador precisa bater de casa em casa para ouvir as pessoas. “É semelhante ao Censo”, comparou o sociólogo e cientista político, Khelson Cruz. No entanto, outros tipos de metodologias também podem ser aplicadas, como o método ponto de fluxo, em que os pesquisadores ficam em locais estratégicos de grande concentração de pessoas na cidade ou por telefone.

O cientista político trabalha com pesquisa eleitoral há mais de 20 anos e é diretor presidente do Instituto Podium de Pesquisa Eleitoral. Seundo ele, em uma cidade como Caldas Novas, por exemplo, para se ter uma margem de erro entre 3,5% e 4% – que o recomendável para se ter uma pesquisa confiável -, são necessárias 400 entrevistas. “Mas se for uma campanha muito acirrada, com candidatos praticamente empatados, é preciso diminuir ainda mais essa margem de erro para que o resultado não impreciso. Empate técnico é imprecisão”, explicou.

Pesquisa tem seu valor

Segundo Kaumer, do momento da contratação da pesquisa até a entrega dos resultados o cliente precisa esperar entre 5 e 15 dias. Mas, para ele, não existem cidades mais fáceis ou mais difíceis de se fazer uma pesquisa. “Cada lugar tem suas peculiaridades. Existem lugares em que a gente precisa ser mais criterioso e cuidadoso”, completou.

Para Kaumer Nascimento, as especificidades de cada cidades devem ser consideradas para se fazer uma pesquisa | Foto: LeoIran/ Jornal Opção

Kim explica que para garantir uma maior precisão em uma pesquisa, é preciso conhecer a realidade de onde se pesquisa. “Cada caso é um caso”, pontuou. Na região do Entorno do Distrito Federal e na região Metropolitana de Goiânia, por exemplo, é preciso confirmar se o eleitor entrevistado vota, de fato, na cidade em que a pesquisa está sendo feita para garantir a precisão do resultado.

Khelson revelou ainda que em Goiás, uma pesquisa eleitoral pode custar a partir de R$ 8 mil em Goiás. “Aqui é mais barato do que em outros Estados como São Paulo, por exemplo”, disse. Mas, quanto menor a margem de erro, mais cara fica a pesquisa. Isso porque o que define a margem de erro é o tamanho da amostra. Quanto mais entrevistas são feitas, respeitando o perfil do eleitor de cada cidade, maior será o investimento.

No entanto, não existe um preço para se publicar uma pesquisa em um ano eleitoral. Para isso, basta fazer um registro junto ao TRE. “Nesse momento é preciso falar quem encomendou, anexar a nota fiscal, explicar como foi o desenho amostral. Feito isso, ao final do trabalho já se pode encaminhar para a publicação. Fora do momento eleitoral, é possível publicar a qualquer momento”, explicou.

Quem fizer uma pesquisa que não cumpra à risca a metodologia científica de forma idônea pode ter uma série de implicações legais para o veículo de comunicação que divulga, para o contratante e para a empresa que realizou a pesquisa. As penalidades podem ser multa, sanções administrativas e até a prisão.

“Nas últimas eleições tiveram institutos que tiveram a impugnação da publicação porque a distribuição amostral que foi constada no registro era diferente do perfil do banco de dados do IBGE. “, lembrou Kaumer. E Kim lembra ainda que a nova legislação eleitoral trouxe que qualquer um que questionar a pesquisa, pode conseguir acesso aos dados. “Pode ter acesso ao banco de dados e à checagem das entrevistas, visitar o escritório, por exemplo”, revelou o sociólogo.

Perrenges em campo

Fazer uma pesquisa é trabalhoso, requer fôlego e rende algumas situações inusitadas com perrengues nada chiques, principalmente no interior. Justamente por isso, Khelson relata que gosta de ir a campo algumas vezes para sentir o “termômetro”. Em uma dessas visitas, viveu um dos momentos mais tensos que viveu como pesquisador: uma equipe de seu Instituto foi presa no interior. “Alguém denunciou que o entrevistador estaria fraudando a pesquisa, o que não era verdade”, afirmou.

Outra vez, segundo o cientista político, uma equipe do Instituto precisou ser escoltada por um segurança porque a campanha estava muito acirrada em uma cidade do interior e os pesquisadores corriam risco de serem agredidos nas abordagens. “Teve ainda vez em que um policial abordou nosso pessoal por eram pessoas ‘estranhas’ na cidade e a polícia desconfiou”, lembrou.

Para o cientista político, Khelson Cruz, campanhas precisam sair do amadorismo | Foto: reprodução

Não bastassem esses perrengues, para Khelson, o maior desafio de se fazer pesquisas eleitorais em Goiás é convencer políticos na importância dessa ferramenta. “Aqui ainda tem muitas campanhas amadoras, não profissionais. É um desafio convencer os políticos de que eles precisam das pesquisas pra pautar o seu planejamento. Muitos tentam fazer campanha na base da intuição, do achismo. Tem muito isso ainda, principalmente no interior”, comentou Cruz.

Khelson destaca ainda que tem muito político que fala que não acredita nesse tipo de trabalho e que a melhor pesquisa seria a urna. “Pesquisa não é urna. Urna é resultado”, refutou o sociólogo que é diretor presidente do Instituto Podium de Pesquisa Social. Segundo ele, o que ajuda a explicar a aversão de muitos a pesquisa eleitoral é a polarização política dos últimos anos no Brasil. “Foi muito forte esse tipo de fala na campanha de 2022, principalmente entre bolsonaristas”.

E para provar isso, Khelson cita o exemplo da eleição que elegeu Jair Bolsonaro (PL) presidente. “No segundo turno, não teve um só Instituto que colocou o Haddad na frente”, destacou. Além disso, ele também citou a eleição para o Senado em 2022, da qual o senador Wilder Morais (PL) saiu vitorioso. “Ainda tinham muitos indecisos que deixaram para decidir o voto na última hora. E a decisão que será tomada e a mudança de humor do eleitor a pesquisa não consegue captar”, justificou.

Segundo o cientista político, a pesquisa lê o momento. E humor e voto pode mudar a qualquer hora. “É o retrato do momento em que as entrevistas são feitas. Não é de amanhã, nem da outra semana nem do mês que vem. Mesmo assim, é uma forma de se prever alguma coisa”, destacou Khelson, que defende que as pesquisas muito mais aproximam do que erram. “Se fizer do jeito certo, a tendência é que a pesquisa se aproxime do resultado real”, pontuou.

E para exemplificar isso, Khelson torna a lembrar da última eleição para o Senado, na qual o ex-governador Marconi Perillo (PSDB) era candidato. “Ele tinha mais rejeição que intenção de voto. Daria pra ver que teria dificuldade. Já o senador Wilder era o inverso. Além disso, ainda tinha um número considerável de eleitores indecisos”, contextualizou. E o final dessa história a gente já conhece bem. As urnas revelaram.

Kaumer, por sua vez, enumera dois grandes responsáveis pelo fato de que as pesquisas políticas entraram em descrédito em alguns setores da sociedade. O primeiro são as empresas que não têm o cuidado técnico necessário com o serviços que eles prestam. “Se tiver uma coleta ruim de dados, por consequência o resultado também não vai ser bom. Isso descredibiliza”, apontou.

Kim ainda completa que os meios de comunicação nas últimas quatro eleições, principalmente para analisar o cenário das eleições durante a corrida eleitoral, mas como se estivessem antecipando o resultado. “A pesquisa é uma fotografia do momento. Ao longo do período eleitoral, o resultado pode mudar”, explicou. Nesse contexto, segundo ele, existem um movimento na sociedade há muitos anos que vem descredibilizando a pesquisa e trazendo questionamentos.

Auxílio tecnológico

O sociólogo Kim Macherini vê com bons olhos o uso da tecnologia nas pesquisas eleitorais | Foto: LeoIran/ Jornal Opção

Por conta dos recursos tecnológicos, o processamento dos dados, geralmente, é muito mais rápido do que o trabalho de campo. “Às vezes a gente fica três ou quatro dias fazendo entrevistas em uma cidade, processa os dados em uma dia e já entrega o resultado para o cliente no dia seguinte à noite”, detalhou Kaumer.

Com a tecnologia, segundo Kim, atualmente se tem muito mais velocidade na coleta dos dados, otimiza o tempo e garante que o resultado da pesquisa saia com mais agilidade. “Quando as entrevistas terminam em um município, 60% dela já está pronta no relatório. Os outros 40% são coisas customizadas da pesquisa, análise de textos e algumas coisas do design do relatório”.