Cis ou trans, mulheres ainda têm espaço reduzido na política goiana

01 novembro 2020 às 00h00

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Mesmo correspondendo a mais da metade da população, mulheres ainda são minoria na política

Em 1936, um ano após a assinatura do decreto que instituiu o Poder Legislativo Goianiense, os sete primeiros vereadores da história da capital foram eleitos: Licardino de Oliveira, José Rodrigues, João Augusto, Milton Klopstock, Hermenegildo de Oliveira, Germano Roriz e Octacílio França. Porém, em 1937, o golpe varguista fechou as portas da Câmara, que só voltou a funcionar 10 anos depois, em 1947. E foi somente depois dessa década de vacância que uma mulher pôde ser vista entrando na Casa de Leis de Goiânia como parlamentar.
Julieta Fleury, Maria José Oliveira e Ana Pereira Braga se elegeram como as primeiras vereadoras mulheres de Goiânia. Essa última foi eleita pelo antigo União Democrática Nacional, o UDN, com apenas 24 anos de idade. Ana foi responsável pela redação das atas das primeiras sessões na Câmara e autora de projetos essenciais, à época, para Goiânia, entre eles a construção do primeiro necrotério, do albergue municipal e da edificação da Estação Rodoviária de Goiânia.
As vereadoras eram poucas, entre os muitos homens, mas abriram o caminho para a presença das mulheres na política goianiense. No entanto, em 2020, mais de 70 anos depois, pouca coisa mudou: as mulheres continuam sendo minoria no Legislativo da capital. Atualmente, entre os 35 parlamentares em exercício na Câmara Municipal de Goiânia, apenas cinco são mulheres: Dra. Cristina (PL), Leia Klebia (PSC), Priscilla Tejota (PSD), Sabrina Garcez (PSD) e Tatiana Lemos (PCdoB).
Para a vereadora Tatiana, muito se avançou no que se refere à presença de mulheres na política, mas ainda há muito o que se fazer. A parlamentar, que é filha da ex-deputada estadual Isaura Lemos, bastante conhecida entre os goianos, diz que apesar da luta constante das mulheres, não há a necessária ocupação de mulheres em cargos políticos e de decisão, e quando elas chegam lá, são tolhidas e reprimidas em seu direito de atuação.

“Na política, de fato, ainda não somos representadas como maioria da população que somos. Quando alcançamos esse espaço predominantemente masculino, ainda se espera de nós uma atuação mais contemplativa. Quando somos firmes, quando erguemos a voz na defesa do que acreditamos, somos vistas como inadequadas, como histéricas ou mal amadas”, avalia a vereadora.
Tatiana diz acreditar que a sociedade passa por um período delicado na política e, para as mulheres, as coisas são ainda mais difíceis. Porém, para a vereadora, há uma ânsia do público feminino para ingressar nos cargos de gestão, vontade essa que é impulsionada pela luta das mulheres. “Quando uma mulher entra na política, ela muda a mulher. Quando muitas entrarem na política, mudaremos a política! Isso é o que vai acontecer. Talvez não agora, mas chegaremos lá”, pontua.
A mulher trans na política
Se para uma mulher cis (cuja identidade de gênero corresponde ao gênero de nascimento) já é penosa luta para ocupar um espaço na política, para uma mulher trans, essa luta parece ser ainda mais dura.
Um levantamento feito em setembro deste ano pelo Jornal Opção, juntamente a um dos coordenadores da Frente pela Vida e pela Diversidade, Fabrício Rosa, e com o Instituto Goiano de Cidadania e Direitos Humanos (IGCDH), através do candidato a vereador Thiago Henrique, encontrou a presença de mais de 30 candidatos declaradamente LGBT em vários municípios goianos. O número pode ser ainda maior, mas ainda assim, é incomparavelmente menor ao de candidatos héteros e cis. Beatriz Alves de Oliveira, mais conhecida como Bia, é uma das mulheres trans que decidiram tentar fazer sua voz chegar no Legislativo.
Bia, de 43 anos, é candidata a vereadora pelo PSD, no município de Professor Jamil. Ela é uma das três mulheres trans que residem no município de pouco menos de 4 mil habitantes, mas apenas ela decidiu tentar um ingresso no meio político, sendo a primeira da história da região.
Ao Jornal Opção, Bia, que é cabeleireira, conta que só resolveu tentar um cargo na Câmara de Professor Jamil após insistência de amigos. “Como eu sou muito conhecida aqui, o pessoal ficou insistindo, pedindo para eu me candidatar, e eu topei”, conta.

Bia revela que assumiu o desafio de concorrer nas eleições municipais durante uma época complicada de sua vida. A candidata perdeu o pai recentemente e precisou se submeter a uma cirurgia no olho, o que demandou um rígido repouso. Porém, além dos fatores pessoais, há ainda os fatores externos.
Para a cabeleireira, o Brasil atravessa uma época preocupante em que é governado por uma figura que não representa a população LGBTQI no geral e, indo no sentido oposto, dá exemplos de intolerância para o povo. “Se tem uma pessoa assim num cargo importante, as pessoas querem fazer o que ele faz”, diz.
A candidata assumiu a identidade de gênero feminina com 17 anos mas que nunca chegou a se submeter a uma cirurgia de redesignação sexual. Bia diz acreditar que ainda existe muito preconceito contra mulheres trans, mas que comparado às décadas anteriores, houve muita evolução.
“O preconceito era muito maior. Eu passava na rua e as pessoas riam, faziam chacota, piada. Hoje em dia, não. Eu passo, vou em Goiânia, e acho até estranho porque passo despercebida. Antes não era assim”, compara.