Centro de Goiânia: da homenagem ao povo trabalhador até o descaso com nossa memória

30 abril 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
O centro tem vida. Repleto de movimentos culturais, artísticos e políticos, o centro de Goiânia segue um ritmo próprio. O contemporâneo briga por espaço e reconhecimento em meio às linhas retas de inspiração francesa que traz gente do mundo inteiro para conhecer o Art Déco. Da Praça Cívica à Praça do Trabalhador, tudo agora é diferente.
O movimento no cruzamento da Avenida Anhanguera com a Avenida Goiás ficou, ao longo dos anos, mais ralo, bem como as calçadas da avenida que leva o nome do estado. O trajeto, antes comparado com a famosa avenida francesa Champs Élysées, abriu espaço para uma obra moderna de mobilidade urbana.
O museólogo Flávio César lembra que a legislação sobre preservação de patrimônios históricos e culturais no Brasil é datada de 1937 e, apesar da atualização ainda neste século, é pouco respeitada e levada a sério. O retrato desse descaso pode ser visto, ou melhor, sequer é visto, quando voltamos nossos olhares para os icônicos prédios do circuito central de Goiânia.
Na Estação Ferroviária, estabelecida dentro da Praça do Trabalhador, visitantes de centenas de países se encantam com as curvas da bilheteria, vigas e colunas projetadas dentro do circuito central da cidade em 1953 por Atílio Corrêa Lima. O venezuelano Pedro Marques, visita a estação em um sábado ensolarado. Arquiteto e estudante do movimento artístico que permeia a Capital, ele poupa as palavras. “É lindo. Simplesmente lindo”.
Descaso
Quando a estátua de Borba Gato em São Paulo foi incendiada em 2021, os debates sobre a preservação dos patrimônios históricos e culturais no país tomaram as redes sociais e a discussão em veículos de imprensa e acadêmicos. O Brasil quase sempre deixa sua história ser dilacerada por ações de vândalos, do tempo, de inimigos da cultura local e, claro, de governos e governantes que fazem pouco caso.
A cidade está repleta de exemplos da (falta de) preservação de sua história. Dos prédios inspirados no movimento francês, Art Déco, a pequenas esculturas feitas por artistas independentes. Praticamente todas elas já se viram, em algum momento da história, depreciadas. Os movimentos populares sofrem a repressão enquanto tentam restaurar um ar fresco entre becos e vielas. O som dos bares noturnos incomoda parte da população. Os jovens, se incomodam com a falta de espaços e eventos para se expressar. Ainda assim, encontros da população negra para dançar um charme, a galera da esquerda mais descolada e mesmo os conservadores, todos eles perpassam e fazem parte do centro.
Um dos retratos da perseguição à arte está estampada numa das principais praças da Cidade. A irreverente Praça do Trabalhador, que leva este nome graças a uma obra em homenagem ao povo goiano que construiu Goiânia, simboliza bem essa realidade.
Contexto histórico e político
Diante do processo de industrialização no Brasil entre os anos 50 e 60, o movimento trabalhista e sindical em Goiânia e em todo o país foi caracterizado pela luta por direitos, melhores condições de trabalho e reconhecimento. A organização sindical também lutou pela defesa da democracia e a resistência ao governo autoritário de Getúlio Vargas.
Em Goiânia, os trabalhadores bancários, comerciários, metalúrgicos e motoristas se destacaram nos anos 50. O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Goiânia (STICM) também teve um papel importante nesse período, liderando várias greves e manifestações em defesa dos direitos trabalhistas.
No final dos anos 50 e início dos anos 60, o movimento sindical em Goiânia e em todo o Brasil foi influenciado pelo movimento político-social conhecido como “Reforma de Base”, liderado pelo presidente João Goulart. Esse movimento buscava implementar reformas sociais e econômicas profundas no país, como a reforma agrária, a nacionalização de empresas estrangeiras e a melhoria das condições de vida da população.
O monumento
É nesse cenário de fortalecimento da classe trabalhadora que o movimento sindical recorre ao governador, José Feliciano Ferreira, e ao prefeito da capital, Jaime Câmara, para reivindicar um espaço da cidade para representar os trabalhadores.
O local escolhido para a homenagem ficava em frente à Estação Ferroviária, construída na década de 50. O símbolo, que daria o nome conhecido de Praça do Trabalhador, seria inaugurado na virada para os anos 60.
Trata-se de dois painéis de autoria de Clóvis Graciano, datados de 1959 e intitulados como: 1 – O Mundo do trabalho; 2 – A luta dos trabalhadores; com dimensões sem o cavaletes de: 1 – Altura: 1,50m x Largura:12,00 m; 2 – Altura: 1,50m x Largura:12,00 m. A técnica utilizada para execução foi o mosaico em pastilhas de vidro.

O monumento incomodou desde que foi erguido. O trágico ato de vandalismo partiu do Comando de Caça ao Comunismo (CCC). Na calada da noite, alguns homens jogam o grudento betume, conhecido como piche sobre a escultura. O clima político, por óbvio, deu a justificativa para a destruição de uma peça que representava quem ergueu, com as mãos, a cidade.
Entre 1969 e 1986, abandonados, os painéis se degradaram até que se restassem apenas os cavaletes. Financiada com dinheiro público, sua destruição foi ordenada por governos e prefeitos que não ousaram preservar o único espaço dos trabalhadores.
Praça é palco de arte e cultura
A Praça do Trabalhador conta com diversas referências artísticas e culturais, como o painel de azulejos do artista goiano Siron Franco, que retrata a história e o cotidiano dos trabalhadores. O painel de azulejos foi inaugurado em 1983 e é considerado uma das maiores obras de arte pública da cidade.
Outra obra importante na Praça do Trabalhador é o Relógio das Flores, que foi inaugurado em 1979. O relógio é formado por um canteiro de flores em forma de relógio, com pétalas brancas e vermelhas que marcam as horas. A Praça do Trabalhador é um importante espaço de lazer e convivência da cidade, frequentado por trabalhadores e famílias em busca de entretenimento e diversão.