*Matéria originalmente publicada em 27 de fevereiro de 2022

O termo “burnout” significa “queima total” | Foto: Reprodução/EBC

Nádia Santana é mestre em Psicologia da Personalidade, pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e especialista em Psicologia da Saúde. Com mais de 20 anos de experiência clínica, atendeu pessoas que passaram por burnout e estudou o tema no Hospital da Associação de Combate ao Câncer de Goiânia.

A psicóloga afirma que, diferente de um estresse genérico, o burnout é por ser diretamente decorrente do trabalho, em especial nas profissões que atuam com pessoas: cuidado, ensino, advogados, atendentes do setor de serviços. Seus sintomas incluem a indisponibilidade do paciente para lidar com seus clientes. São professores que, por estresse agudo, não conseguem ensinar seus alunos; médicos que não se envolvem com seus pacientes – atitudes erroneamente percebidas como frieza, cinismo ou má vontade.

“É frequente que, distante do trabalho, a pessoa fica bem”, comenta Nadia Santana, “mas no contexto profissional, há desconforto e sofrimento psicológico que pode gerar sintomas fisiológicos: sudorese, dores de cabeça, dores crônicas, aceleração do batimento cardíaco, dificuldade para se concentrar, entre outros.”

Psicóloga Nadia Santana | Foto: Acervo Pessoal

O diagnóstico geralmente é feito por psicólogos, psiquiatras e outros médicos, comenta Nadia Santana. Como as empresas têm contratado cada vez mais psicólogos para suas equipes, o diagnóstico precoce da síndrome tem ocorrido dentro das próprias corporações. “As empresas já têm diagnosticado a condição e têm feito um trabalho de conscientização acerca dos riscos do burnout. Isso é um avanço muito grande, pois, antigamente, os trabalhadores sofriam com o burnout até que a síndrome levasse a condições mais graves, como o pânico e a depressão.”

Este movimento preveniu grandes impactos na economia. Após as causas ortopédicas, os transtornos mentais eram responsáveis pela maior parte dos pedidos de auxílio e afastamento do trabalho. 

Nadia Santana comenta estratégias que podem prevenir ainda mais a síndrome: a conscientização para reconhecer os sintomas precocemente; investimento em comunicação dentro do ambiente de trabalho, que melhora drasticamente os índices de bem estar em escritórios; investimento em um clima organizacional favorável. As relações interpessoais são a maior fonte de possível estresse, e uma política empresarial que treine os funcionários a se relacionarem de forma saudável pode evitar problemas graves.  relacionamento. Ferramentas de relacionamento interpessoal. 

O principal tratamento para a condição é a psicoterapia. “Alguns casos são mais severos e podem necessitar de ajuda farmacológica, prescrita por um psiquiatra. Em geral, porém, a psicoterapia é a melhor alternativa, pois não há medicação específica para resolver a síndrome de burnout.”

Dados assustadores

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a Síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, como uma doença ocupacional, isto é, relacionada ao estresse da rotina de trabalho. O termo foi incluído na 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças, a CID-11, que passou a vigorar em 1º de janeiro de 2022.

A Síndrome foi oficializada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. No texto anterior, ela era considera ainda como um problema na saúde mental e um quadro psiquiátrico.

De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), o número de solicitações de auxílio doença quintuplicou entre março e abril de 2020. Estes foram os dois meses de evolução do contágio da covid-19 no Brasil. Os dados apontam que entre um mês e outro, os pedidos saltaram de 100 mil para 500 mil.

“De fato, o número de requerimentos de benefícios previdenciários no INSS de natureza psiquiátrica está entre os primeiros colocados. Os pedidos de auxílio doença e benefícios assistenciais, em decorrência de transtornos mentais, só possuem menor incidência em relação aos de natureza ortopédica”, diz Carla Benedetti, advogada, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP e associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário). 

Pesquisa da Microsoft apontou um aumento de 44% de brasileiros com esgotamento profissional. “A Síndrome de Burnout, consequência do excesso ou sobrecarga de trabalho, se agravou na pandemia. Nesta condição, a pessoa se sente literalmente exausta, esgotada física e psicologicamente, seja por causa do número de horas trabalhadas, seja pelo estresse provocado pelas condições de trabalho”, explica a Dra. Danielle H. Admoni, psiquiatra na Escola Paulista de Medicina UNIFESP e especialista pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). 

Foto: Reprodução/EBC

O home office, por exemplo, se tornou uma rotina para muitos profissionais. No entanto, nem todos conseguiram se adaptar com a junção do ambiente de trabalho ao de casa. “Pacientes relatam desânimo, dificuldade de raciocínio, ansiedade, irritabilidade, sensação de incapacidade, diminuição da motivação e da criatividade, entre outros sintomas”, conta Dr. Adiel Rios, Mestre em Psiquiatria pela UNIFESP, pesquisador no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP e Membro da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

A privação do sono também é um forte gatilho para a Síndrome de Burnout. “Quando o profissional não dorme o suficiente para ser produtivo ou trabalha até tarde da noite, prejudica a rotina do sono, desregulando seu relógio biológico. Isso resulta em uma extrema exaustão, pois o organismo, que já está habituado com um determinado padrão de sono, sofre um forte impacto, precisando de tempo e resistência para se adequar às mudanças”, reforça Adiel Rios.

Uma consequência frequente da Síndrome é o uso de drogas (álcool, tabaco, além das drogas ilícitas) como forma de alívio. “É importante estar alerta a esta situação que agravará ainda mais a condição física e mental do indivíduo. O mesmo pode ser dito da automedicação”, frisa a psiquiatra Danielle H. Admoni. 

Nos casos em que a Síndrome de Burnout já está instalada, recomenda-se buscar auxílio médico especializado para avaliação do quadro e orientação quanto ao tratamento. “Especialmente no caso das pessoas cujas características de personalidade as tornam mais propensas ao Burnout, a psicoterapia é um complemento importante, pois o problema está, muitas vezes, dentro da pessoa, e não tanto em suas condições de trabalho”, avalia Monica Machado, psicóloga pela USP, fundadora da Clínica Ame.C, pós-graduada em Psicanálise e Saúde Mental pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.

Alta produtividade está relacionada ao Burnout

Estudo do neurocientista, Dr. Fabiano de Abreu, discorre sobre as consequências do excesso crônico de estresse ocupacional. Segundo o cientista, a síndrome de burnout, muitas vezes causada pelo excesso de trabalho, leva ao cansaço físico e mental que acarreta na redução da capacidade de um indivíduo. Nesse contexto, o PhD em neurociências, biólogo e antropólogo membro da Society for Neuroscience, Dr. Fabiano de Abreu acredita que a alta produtividade, apesar de comum nos trabalho contemporâneos, pode ser uma das razões pelas quais as pessoas desenvolvem burnout.

Durante o isolamento social rígido e todas as mudanças de rotina causadas pela pandemia de covid-19, os números de casos de síndrome de burnout aumentaram. “A necessidade constante de o indivíduo se apresentar como produtivo, eficiente e eficaz, desencadeou o surgimento de algumas habilidades  para  conviver  nessa  sociedade  tecnológica,  e  uma  delas,  a  alta produtividade surge  para  dar  conta  das  demandas  atuais”, explica o cientista.

De acordo com ele, é necessário, antes de tudo, compreender as diferenças existentes entre um indivíduo produtivo e uma pessoa que passa muito tempo ocupada. “Produtividade é sinônimo de realizar atividades em um curto espaço de tempo sem se distrair. Trabalhar por mais de 12 horas todos os dias, não é necessariamente ser produtivo. Passar horas realizando uma tarefa e não conseguir atingir a meta gera frustração e estresse”, pontua.

A síndrome de burnout pode ainda vir acompanhada de depressão, o que deixará evidente algumas alterações na produtividade profissional de cada indivíduo em diferentes âmbitos. “Há sintomas físicos, mentais e emocionais. Há negligência profissional, lentidão e contato impessoal, por exemplo”, detalha o neurocientista.

Porém, o estudo do Dr. Fabiano de Abreu, publicado pela Revista Científica Saúde e Tecnologia, concluiu que apesar de possível, a relação entre a produtividade e a burnout não são fenômenos obrigatoriamente dependentes um do outro. “O esgotamento ocorre quando o sistema nervoso central fica sobrecarregado e acaba sendo mediado pelo sistema imunológico com taxas de baixa ou alta quantidade de cortisol e, ao mesmo tempo, liberando substâncias que levam a sensação de prazer como a dopamina e a serotonina, desregulando-os”, explica.