Além do aducanumabe, medicamento aprovado pelos Estados Unidos, outros fármacos podem auxiliar a luta contra esse mal, que está relacionado com a Covid-19

Primeiro medicamento em 18 anos a ser aprovado pela FDA eleva esperanças contra o Alzheimer | Foto: Reprodução / EBC

Na última semana, um novo medicamento para o mal de Alzheimer chamou a atenção do mundo por ter sido o primeiro em 18 anos a ser aprovado pela FDA (Foods and Drugs Administration- agência reguladora, espécie de Anvisa americana). O aducanumabe, medicamento produzido pela Biogen, promete melhora na perspectiva do tratamento dos pacientes. Embora não tenha o objetivo de ser uma cura definitiva, o fármaco é promissor por tratar a causa subjacente do Alzheimer, ao invés de seus sintomas.

O momento é histórico, pois na última década, mais de cem tratamentos potenciais para Alzheimer fracassaram. As terapias atuais ajudam a controlar alguns sintomas e até atrasam um pouco a progressão da doença, mas se tornam ineficazes nos casos mais graves e avançados. Já o aducanumabe tem como alvo a amiloide, uma proteína que forma aglomerados anormais no cérebro de pessoas com Alzheimer que podem danificar as células e desencadear demência, incluindo problemas de memória e comunicação, além de confusão mental.

O estudo do desenvolvimento da droga foi concluído em março de 2019, quando a análise dos testes envolvendo cerca de 3 mil pacientes mostraram que a droga administrada em uma infusão mensal intravenosa era capaz de diminuir significativamente o declínio cognitivo. A aprovação foi concedida via de análise acelerada, possibilidade criada para um medicamento usado para tratar uma doença grave e que tenha uma vantagem terapêutica significativa sobre os tratamentos existentes. Mas a chancela da FDA foi dada sob a condição de que a sua fabricante, a Biogen, faça um novo teste a partir do seu uso em pacientes para atestar sua eficácia. 

O Alzheimer avança no Brasil e no mundo

A proporção de pessoas com Alzheimer no Brasil aumentou 127% em três décadas | Foto: Reprodução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) lista pelo menos trinta milhões de casos no mundo de Alzheimer, que é a forma mais comum de demência. Um estudo epidemiológico brasileiro, disponibilizado ao Jornal Opção antecipadamente em abril pela Agência Bori, revela cenário preocupante de crescimento no número de casos e taxas de mortalidade atribuídas às demências no Brasil. 

Segundo o estudo conduzido pela Universidade Federal de Pelotas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade de Queensland, na Austrália, em artigo publicado na revista “Revista Brasileira de Epidemiologia”, a proporção de pessoas com demência e a taxa de mortalidade associada a essa condição aumentou em mais de duas vezes no Brasil ao longo de três décadas.

Até 2050, a doença de Alzheimer, responsável por sete em dez casos de demência, pode quadruplicar na população brasileira se medidas efetivas de prevenção não forem adotadas. Os dados são de pesquisa domiciliar do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) realizada em 2015 e 2016 com aplicação de questionário a 9.412 adultos a partir de 50 anos. O questionário contemplou questões sociodemográficas, como sexo, etnia, renda e nível de educação, questões clínicas, relacionadas a acesso aos serviços de saúde, e comportamentais, como percepção geral de saúde, qualidade de sono e grau de interação social. A análise dos dados mostra que a proporção de pessoas com Alzheimer no Brasil aumentou 127% em três décadas.

Pioneiro em descrever o perfil socioeconômico, comportamental e clínico de pessoas com doença de Alzheimer no país, o trabalho mostra que é menor a chance de pessoas negras serem diagnosticadas com a doença e é mais comum a amostra de pacientes ser representada por aposentados ou desempregados. Os pacientes com essa doença são mais propensos a ter mais consultas com clínico geral e sofrem mais quedas. Também é maior a frequência e a duração de hospitalizações quando comparado aos participantes sem a doença. Por sua vez, eles são menos propensos a fazer exames oftalmológicos regulares e a visitar um dentista.

Mais tristes, deprimidos e com outras morbidades

Idosos | Marcelo Camargo / Agência Brasil

Os pacientes com Alzheimer ouvidos na pesquisa relatam ter pior qualidade de vida no âmbito físico e emocional, sofrendo mais com quadros de solidão, depressão e tristeza. “Dois em cada três idosos relataram que se sentiam deprimidos ou tristes na maior parte do tempo”, destaca Natan Feter, um dos autores do estudo, pesquisador da Universidade de Queensland e da UFPel.

O trabalho revela também que os pacientes com Alzheimer têm maior probabilidade de serem diagnosticados com diabetes, depressão, doença de Parkinson e acidente vascular cerebral em comparação com adultos mais velhos sem diagnóstico da doença. “No geral, eles apresentam uma pior saúde física e mental e, como consequência, uma deterioração da qualidade de vida. Há também maior iniquidade no acesso a medicamentos e diagnóstico precoce de doenças. Esperamos que os gestores, políticos e profissionais da saúde possam usar essas informações para ajudar a melhorar a qualidade de vida de pessoas com doença de Alzheimer no Brasil”, deseja Feter.

O envelhecimento é um fato de risco importante para a doença de Alzheimer. No estudo, a probabilidade de diagnóstico médico da doença na amostra estudada aumenta 11% para cada ano aumentado com o envelhecimento. O desafio coletivo de enfrentamento da doença é ainda maior, visto que a população brasileira com 60 anos ou mais aumentará em 284,2% de 2000 a 2050, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para enfrentar o cenário, segundo os pesquisadores, será preciso investir no cuidado interdisciplinar para atenuar a frequência e intensidade dos sintomas dos pacientes, reduzir a necessidade de hospitalização e melhorar a qualidade de vida do paciente e dos cuidadores.

Alzheimer aumenta riscos da Covid-19

“Há algum fator, ainda não identificado, que aumenta a predisposição de pacientes nessa condição a evoluir para um quadro mais grave e falecer em decorrência da Covid-19”, avalia Verjovski | Foto: Reprodução

Em 22 de abril, pesquisa divulgada por Elton Alisson, da Agência Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), revelou que as doenças neurodegenerativas que causam demência aumentam os riscos de gravidade e morte por Covid-19. No caso de pacientes com doença de Alzheimer, esses riscos são três vezes maiores e podem ser aumentados em seis vezes se tiverem mais de 80 anos.

As constatações foram feitas por meio de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Butantan, em parceria com colegas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp, foram descritos em artigo publicado na revista Alzheimer’s&Dementia: The Journal of the Alzheimer’s Association.

“Verificamos que todas as causas de demência são fatores de risco de aumento da gravidade e de morte por Covid-19 e que, em pacientes com doença de Alzheimer, esses riscos são mais acentuados”, diz Sérgio Verjovski, professor do Instituto de Química da USP e coordenador do projeto.

A demência já tinha sido identificada como um fator de risco para Covid-19 junto com outras comorbidades, como doenças cardiovasculares e respiratórias, hipertensão, diabetes, obesidade e câncer. Um dos motivos é a própria idade: pacientes com demência, em média, são mais velhos e grande parte vive sob cuidados de outras pessoas em casa ou lares de idosos, o que aumenta o risco de infecção e transmissão do vírus.

No entanto, ainda não tinha sido avaliado se pacientes com doenças neurodegenerativas que causam a demência – como a doença de Alzheimer e de Parkinson – são mais infectados, têm maior risco de desenvolver formas graves e morrer em decorrência da Covid-19, e se a idade avançada acentua esses perigos.

A fim de esclarecer essas dúvidas, os pesquisadores investigaram o número de diagnósticos positivos, hospitalizações e mortes por Covid-19 em uma coorte de 12.863 pacientes acima de 65 anos com dados de teste positivo ou negativo para o coronavírus, cadastrados entre março e agosto de 2020 no UK Biobank – banco de dados clínicos de cerca de 500 mil pacientes acompanhados desde 2006 pelo sistema público de saúde do Reino Unido.

Desse total de pacientes, 1.167 foram diagnosticados com Covid-19. Para considerar a idade como um fator de risco, eles foram estratificados em três faixas etárias: de 66 a 74, 75 a 79 e 80 anos ou mais.

“Algumas vantagens de usar os dados clínicos desse banco é que são detalhados, ou seja, registram todas as doenças preexistentes e indicam os pacientes testados positivo ou negativo, hospitalizados e os que vieram a óbito em decorrência da Covid-19. Isso permite avaliar os fatores de risco associados à infecção, gravidade e morte pela doença, incluindo todas as causas de demência, particularmente as doenças de Alzheimer e de Parkinson”, explica Verjovski.

Os resultados das análises estatísticas indicaram que todas as causas de demência – e, particularmente, a doença de Alzheimer – foram fatores de risco para gravidade e morte de pacientes hospitalizados, independentemente da idade.

A doença de Alzheimer, especificamente, não aumentou o risco de hospitalização na comparação com as comorbidades crônicas. Entretanto, uma vez internados, os pacientes com a doença apresentaram risco três vezes maior de desenvolver quadro grave ou morrer em decorrência da Covid-19 em comparação com pacientes que não tinham a doença neurodegenerativa. No caso de pacientes acometidos pela doença e com idade acima de 80 anos, esses riscos foram seis vezes maiores em comparação com pacientes menos idosos, constataram os pesquisadores.

“Há algum fator, ainda não identificado, que aumenta a predisposição de pacientes nessa condição a evoluir para um quadro mais grave e falecer em decorrência da Covid-19”, avalia Verjovski.

“Os resultados do nosso trabalho indicam que é necessário dar uma atenção especial a esses pacientes ao serem internados”, afirma.

Hipóteses diagnósticas

Uma das explicações para os desfechos observados é que condições inflamatórias crônicas ou respostas imunológicas defeituosas, causadas pelo envelhecimento do sistema imunológico (imunossenescência), podem aumentar a vulnerabilidade e reduzir a capacidade desses pacientes de montar respostas eficazes à infecção.

Outra hipótese é a alteração da permeabilidade da barreira hematoencefálica, causada pela doença de Alzheimer, que pode possibilitar o aumento da infecção no sistema nervoso central

Estudos recentes mostraram que o SARS-CoV-2 é capaz de invadir o sistema nervoso central por meio da mucosa olfatória e que a presença do vírus nessa região resulta em uma resposta imune e inflamatória local.

Outros estudos relataram a presença do novo coronavírus no tronco cerebral, que compreende o sistema cardiovascular primário e o centro do controle respiratório, levantando a possibilidade de que a infecção do sistema nervoso central pode mediar ou agravar problemas respiratórios e cardiovasculares em pacientes com Covid-19.

“Pretendemos fazer, agora, análises do genoma desses pacientes, também disponibilizados no UK Biobank, para identificar quais genes estão mutados e que podem estar implicados no aumento do risco de pessoas com doença de Alzheimer evoluírem para quadros graves e morrerem por Covid-19”, afirma Verjovski.

Outros tratamentos promissores 

Planta Açucena | Foto: Reprodução/Embrapa

Um tipo de açucena nativa da Caatinga mostrou-se rica em substâncias com atividade anti-inflamatória. A planta foi cultivada e caracterizada quimicamente por pesquisadores da  Embrapa Agroindústria Tropical (CE) e da Universidade Federal do Ceará (UFC), que buscam alternativas para agregar valor à biodiversidade. Coletada nas cidades de Pacatuba e Moraújo, no Ceará, a Hippeastrum elegans é conhecida popularmente como lírio, tulipa, cebola-do-mato, cebola-berrante, flor-da-imperatriz e, principalmente, açucena.A avaliação química conduzida pela Embrapa, revelou que a açucena apresenta grande quantidade de narciclasina, um bem documentado agente anti-inflamatório no sistema nervoso central de roedores (micróglias). O extrato foi capaz de diminuir a ativação celular e a secreção de mediadores inflamatórios, sem causar citotoxidade.  

Os testes realizados com células do sistema nervoso central, as micróglias, também foram positivos. As frações de alcaloides de açucena testadas foram capazes de reduzir a neuroinflamação induzida nas células microgliais. Doenças como mal de Alzheimer e mal de Parkinson envolvem inflamação do sistema nervoso central. O próximo passo será testar substâncias isoladas da planta.

Os extratos também foram testados em um modelo utilizado para observar a potencial atuação contra a perda das funções cognitivas provocadas pelo mal de Alzheimer, com resultados positivos. Os experimentos, realizados no Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos da Universidade Federal do Ceará (NPDM/UFC), tiveram como alvo a inibição da enzima acetilcolinesterase. 

A professora Geanne Matos, que coordenou essa fase dos estudos, esclarece que essa enzima degrada a acetilcolina, um neurotransmissor que age nas funções cognitivas. Medicamentos para o controle do mal de Alzheimer têm como princípio a inibição dessa enzima e o consequente aumento na disponibilidade de acetilcolina, o que resulta na melhoria cognitiva. Em breve, o extrato mais bioativo será testado em modelo experimental in vivo de amnésia.