Antônio Soares Neto, o Toniquinho, autor da pergunta que obrigou o então candidato a presidente da República, Juscelino Kubitschek, a incluir Brasília nos seus planos de meta, será homenageado pelos governadores do Centro-Oeste em encontro no Distrito Federal

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Toniquinho segura exemplar da revista “Manchete” em que aparece com o presidente JK em Jataí | Fernando Leite/Jornal Opção

Frederico Vitor

Ninguém imaginaria que, uma simples pergunta ao então candidato a presidente da Repú­blica Juscelino Kubitschek, em um comício improvisado na manhã do dia 4 de abril de 1944, numa oficina me­cânica em Jataí, cidade do Su­doeste Goiano, mudaria para sempre a história do Brasil. O autor da indagação, o advogado Antônio Soares Neto, o Toniquinho, que, no próximo dia 24 de outubro completará 90 anos de vida, é um dos poucos personagens vivos que fazem parte da história da transferência da Capital Federal do Rio de Janeiro para o Planalto Central.

Toniquinho receberá das mãos do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), e do Distrito Fe­de­ral, Ro­drigo Rollemberg (PSB), uma homenagem no Memorial JK em Brasília. Na ocasião, também será realizado mais um encontro dos go­vernadores-membros do Con­sórcio Interestadual de Desenvol­vi­mento do Brasil Central que reúne os chefes dos Executivos estaduais do Ma­to Grosso, Pedro Taques (PSDB), do Mato Grosso do Sul, Reinaldo A­zambuja (PSDB), do To­cantins, Mar­celo Miranda (PMDB) e de Ron­dônia, Confúcio Moura (PMDB).

Tudo começou quando o então candidato Juscelino Kubitschek iniciava sua campanha à Presidência da República em Jataí, local de seu primeiro comício. A escolha da pequena cidade do interior goiano, distante 300 quilômetros de Goiânia, para seu primeiro comício se deu por conta de um alerta do senador goiano na época, Dario Délio Car­doso. O parlamentar lembrou JK que ele não era benquisto pelo Exército, portanto, era aconselhável que o então governador de Minas Gerais começasse sua campanha ao Palácio do Catete (sede do Executivo federal à época) pelo interior do País, justamente para fugir dos grandes centros onde ocorriam as agitações políticas, as conspirações e os ânimos exaltados das casernas. Além do mais, Jataí era a cidade com o maior reduto PSD (pessedista) do País.

Ao ouvir os conselhos de Dario Cardoso, JK perguntou quem era a maior liderança política em Jataí? A resposta: Serafim de Carvalho, médico como JK, formado com ele na Faculdade de Me­dicina da Universidade Federal de Mi­nas Ge­rais (UFMG). Então, no dia 4 de abril de 1955, o avião que trans­portava JK sobrevoava a cidade anunciando que, em pouco tempo, começaria o primeiro comício do prodígio político mineiro. Mas, poucas horas antes do evento, um temporal caiu sobre a cidade, o que forçou a transferência do evento, que seria realizado em uma praça pública, para um barracão onde funcionava uma oficina mecânica.

JK ficou sobre um caminhão improvisado, quis conversar com o povo presente e depois abriu espaço às perguntas. Foi aí que Antônio Soares Neto, então com 29 anos de idade, entraria para história graças a uma pergunta. Toniquinho, que era funcionário de uma companhia de seguros e estudava para ser tabelião em Goiânia, tinha se debruçado sobre a Cons­tituição e visto que a Carta Magna previa a transferência da capital da República para uma área na região central do País. Foi aí que, segundo ele, com o ‘coração saltando pela boca’, levantou o dedo pedindo a palavra e questionou JK: “Excelência, o senhor prometeu cumprir a Constituição, portanto se eleito for, irá transferir a capital para o Planalto Central, como prevê a Constituição?”

JK se assustou com a pergunta. Segundo Toniquinho, o então candidato estava todo esguio, de cabeça erguida, mas aí se abaixou um pouco e olhou para os colegas de palanque. Teria ficado emocionado, limpou os olhos e disse que era uma pergunta difícil, que era complicado para um político aceitar aquele desafio, mas que faria com que aquele compromisso haveria de ser cumprido. JK teria respondido: “Com as graças e as bênçãos de Deus acabo de prometer que cumprirei, na íntegra, a Cons­ti­tui­ção, e não vejo razão por que esse dispositivo seja ignorado. Se for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo”. A afirmação provocou uma onda de aplausos.

A ideia de mudança do centro administrativo do país nasceu em 1789, mas desde então pouco havia sido feito pelos governos nesse sentido. As providências estavam restritas à Missão Cruls, que no final do século 19 demarcou a área da futura capital, e ao acréscimo no mapa de um retângulo que sinalizava a localização do futuro Distrito Federal. Antes disso, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência do Brasil, já teria preconizado que era necessário uma cidade central no interior como nova sede do poder, um plano que veio somente a ser efetivado no século 20 com Brasília.

E a partir daquele momento, naquele comício em Jataí, JK faria daquela pergunta o objetivo principal da sua campanha presidencial, tornando-a uma dos principais objetivos do seu ambicioso Plano de Metas, conhecido pelo slogan “50 anos em 5”. No dia 21 de abril de 1960 era inaugurada Bra­sília, a nova capital da República. “A pergunta era embaraçosa, po­rém muito feliz”, diz Toniquinho.

De anônimo a personagem importantíssimo na história de Brasília

Em 1957, JK retornou a Jataí como presidente. Ele inaugurou algumas obras na cidade e declarou que o compromisso feito naquele local já estava sendo preparado para acontecer: a conclusão das obras da nova capital da República. A partir de então, Toniquinho teve muitos contatos com JK, tanto em Jataí, Goiânia e até mesmo quando Brasília estava sendo construída.
Toniquinho conta que visitou várias vezes o imenso canteiro de obras que era a nova capital.

Inclusive ele se hospedou no Catetinho — um rústico prédio de madeira construído para hospedar JK e demais autoridades em suas visitas aos monumentais canteiros de obras de Brasília — e dormiu no mesmo quarto do arquiteto Oscar Niemeyer, mentor das fantásticas linhas que fazem de Brasília o maior acervo da arquitetura do estilo modernista no mundo.
Numa certa ocasião, quando JK foi vistoriar o andamento das obras, Toniquinho conta que o presidente apreciava tomar um uísque antes do jantar. Porém, não havia geladeira no Catetinho e muito menos gelo para servir junto ao drink de Juscelino. Mas, por ironia do destino, em menos de meia hora houve uma chuva de granizo que salvou o aperitivo do presidente. “De repente começou a chover e fui lá fora catar as pedras de gelo que mais tarde estariam no copo de JK”, lembra Toniquinho em meio a gargalhadas.

Depois que Juscelino repassou a faixa presidencial a Jânio Qua­dros, Toniquinho o acompanhou durante alguns discursos em Goiás, quando candidato ao Senado pelo Estado. Após o golpe civil-militar de 1964, JK foi exilado e depois disso nunca mais viu Toniquinho, que esteve presente em seu enterro e na cerimônia de transferência dos restos mortais para o Memorial JK, em Brasília.

Atualmente, Toniquinho, pai de cinco filhos e avô de nove netos, vive em Goiânia em um apartamento no Setor Oeste, onde mora com a mulher. Formou-se em Direito em 1980, advogou na área Cível e quando pode vai sempre a Brasília. Reverenciado como personagem importantíssimo na história da construção da nova capital da República que mudou para sempre o curso do País, Antônio Soares Neto completará 90 anos de vida e com muitas histórias para contar. Em meio à crise política, ética e econômica vivida hoje no País, ele também guarda esperanças como nos dizeres de um adesivo colado ao vidro da janela de seu escritório: “JK, procura-se outro!”