Em entrevista exclusiva ao Jornal Opção, goiano que trabalha em estatal chinesa destaca planejamento em longo prazo e capacidade de execução do país asiático

Edival Lourenço Jr., que trabalha em uma estatal chinesa desde 2012 , durante visita à Muralha da China

O plano do goiano Edival Lourenço Jr. era de fazer um mestrado no Japão. Após duas tentativas sem sucesso, decidiu se dedicar a outros objetivos na vida. Mas, depois de assistir às Olimpíadas de Pequim, em 2008, o administrador de empresas, graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), começou a pesquisar mais sobre o país e tomou a decisão de, em julho de 2011, embarcar, finalmente, rumo à Ásia.

Com um MBA concluído pela Universidade de Pequim — considerada a “Harvard chinesa” —, Edival Jr. trabalha para a ZhuZhou Times New Material and Technology (TMT), empresa localizada na província de HuNan — a mesma onde nasceu Mao Tsé-Tung — e subsidiária da estatal China Railway Rolling Stock Corporation (CRRC), listada na bolsa de Xangai e com mais de 180 mil empregados. Considerado o maior grupo do ramo ferroviário do mundo, a CRRC fabrica locomotivas, vagões de carga, trens de metrô, Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), trem-bala, trem Maglev, entre outros.

Aos 34 anos de idade, o jovem natural de Goiânia é gerente da TMT para a América Latina desde 2012. Atualmente, está à frente de um projeto da empresa que objetiva promover rodadas de investimento em países como o Brasil e a Argentina — ou “Argenchina”, como ele mesmo chama.

No início do próximo ano, Edival Jr. deve voltar ao Brasil de maneira oficial. Detentor de um conhecimento raro entre brasileiros sobre o país asiático, o goiano, que fala, lê e escreve mandarim fluentemente — aprendeu na China e tem, até hoje, aulas todo dia via Skype —, concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal Opção, em que ele responde a perguntas acerca de economia, aquecimento global, política e geopolítica.

Como foi sua trajetória até parar na China?
Sempre me interessei pela cultura asiática. Meu plano inicial era ir para o Japão. Tentei uma bolsa de mestrado por dois anos seguidos — 2004 e 2005. À época, ainda cursava faculdade. Não fui aprovado nas duas tentativas e deixei o plano de lado por alguns anos. Fui trabalhar, casar e cuidar de outras coisas. Em 2008, en­quanto assistia às Olimpía­das de Pequim, me deu aquele frio na barriga e a vontade de ressuscitar o velho plano de me mudar para Ásia. Mas aquele já era o momento da China.

Lembro de iniciar minha pesquisa e ver fotos de Hong Kong, Xangai, Pe­quim e pensei: “é para lá que eu vou”. Contei para a mi­nha esposa, ela gostou da idéia e deu total suporte. Juntamos dinheiro por mais de dois anos e, em julho de 2011, nos mudamos — sem pas­sagem de volta — pra Pe­quim. Inicialmente, fui para cursar um MBA pela Universidade de Pequim. Meu curso era de um ano e meio. Porém, em julho do ano seguinte, fui convidado para me mudar para ZhuZhou e trabalhar na TMT. Não pensei duas vezes e a cabei concluindo meu MBA com aulas aos fins de semana.

O que mais te atrai na China?
Sempre me interessei pala história da China. São 5 mil anos de uma história riquíssima. Mas o que mais me atrai é a cultura desenvolvimentista, progressista e pragmática.

Qual é o verdadeiro segredo do crescimento econômico da China?
Planejamento em longo prazo e capacidade de execução. Os chineses, acima de qualquer coisa, são excelentes cumpridores de ordem. Costumo dizer que os chineses mantêm um olho no telescópio e, outro, no microscópio — um olhando e planejando o futuro. O outro, fazendo o que tem que ser feito hoje.

Na prática, as tomadas de decisão do Partido Comunis­tas são implementadas com agilidade. Quando se lança um pacote de incentivos ou planos de investimentos, a implementação é rápida. Não se perde dias, meses e até mesmo anos discutindo o tema. Essa agilidade na capacidade de execução, aliada a boas decisões no topo, faz o milagre do crescimento chinês acontecer.

A revista “Time” publicou uma capa recentemente dizendo que a China venceu. O sr. concorda?
O jogo não acabou. Até o momento, porém, a China está vencendo de goleada. Eu li essa matéria da “Time” e concordo com tudo. Em especial com a parte que diz que a China tem Xi JinPing, o seu líder mais forte da história recente, enquanto os Estados Unidos têm Donald Trump, o mais fraco. Contudo, não acho que o modelo chinês seja exportável para o resto do mundo. Pelo menos, não em sua plenitude. O grande erro da maioria dos países foi achar que poderia adotar o modelo americano e teria o mesmo sucesso que eles. É claro que não tiveram e nunca terão.

Em quanto tempo os chineses esperam ultrapassar os EUA do ponto de vista econômico?
Em diversos critérios já ultrapassaram. A China já é o maior país em volume de exportação, em produção industrial, em trading internacional e em número de patentes registradas nos últimos anos, entre outros. Em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), é previsto que ocorra no ano 2023, quando o da China alcançará 23 trilhões de dólares e, o dos EUA, 19 trilhões. Entretanto, o mesmo não deve acontecer com o PIB per capita devido, obviamente, ao tamanho da população chinesa.

Um fato curioso neste aspecto é que será a primeira vez, desde o século XVIII, que a maior economia do mundo será de um país de língua não inglesa, não ocidental e um não democrático-liberal. Isso, por si só, é um grande fato. Outro aspecto extremamente relevante é o fato de a China ser o maior credor dos Estados Unidos (mais de 1,5 trilhão de dólares, em títulos da dívida pública americana).

O empresário goiano (terceiro da dir. para a esq.) em reunião de membros da TMT com o ministro do Trabalho

Como funciona essa combinação de política comunista com economia capitalista?
Na prática, o que se vê é o governo, por meio das empresas estatais, tendo controle de setores muito importantes da economia, como, por exemplo, o sistema financeiro, a energia, a mídia, o transporte, as telecomunicações, a defesa e a infraestrutura. Eu trabalho para a maior empresa de transporte ferroviário da China. Por mais que tenhamos metas claras de crescimento, ainda vemos, no nosso dia a dia, a relação política pesando muito — o chamado guanxi chinês.

As estatais têm um papel fundamental no exercício de governo do Partido Comunista. São elas que dão capilaridade e capacidade de execução. Os serviços são prestados com qualidade. Muito superiores aos prestados no Brasil e a um preço muito mais justo. E o engraçado é que a população confia no que é do governo. Já em diversos outros setores, o capitalismo e o livre mercado imperam.

Dá para medir o número de pessoas na China que não estão incluídas no chamado mercado de consumo ocidental e seguem preservando suas tradições?
Desde o início do processo de abertura econômica, iniciada em 1978 por Deng XiaoPing, é estimado que mais de 600 milhões de pessoas saíram de uma posição social abaixo da linha da pobreza para adentrar no mercado de consumo. Estima-se que ainda hajam 43 milhões de pessoas em estado de pobreza absoluta.

Nos últimos anos, o governo do presidente Xi JinPing tem priorizado o combate à pobreza. Entre 2013 e 2016, mais de 60 milhões de pessoas deixaram a miséria — praticamente uma pessoa a cada dois segundos. Só em 2016, a China gastou mais de 10 bilhões de dólares investidos nesse tipo de combate. Grande parte desse processo ocorre exatamente mantendo tradições. Por exemplo, diversas vilas em regiões remotas e montanhosas passaram a ser patrimônio cultural. As pessoas que lá residem melhoram sua condição financeira através do turismo e conseguem manter suas tradições.

Qual é o salário médio na China?
Varia muito de setor para setor e, mais ainda, de região para região. Por exemplo, prestadores de serviços gerais ganham o equivalente a R$ 1.900. Operadores de equipamentos e manufatura-produção (chão de fábrica), R$ 1.975. Cargos de escritórios (nível inicial), R$ 2.232. Nível técnico superior, R$ 3.140. Nível médio de gerência, R$ 5.102. É importante citar que a renda média per capita na China, em 1980, era de US$ 300. Em 2000, subiu para US$ 3.000. Ao final de 2017, esse número chegará US$ 10.000.

Como funciona a política chinesa de controle populacional?
A política do filho único foi implantada no final da década de 1970. De lá para cá, calcula-se que 400 milhões pessoas deixaram de nascer — quase dois Brasis. Recen­temente, a história tem se invertido. Existe um plano escalonado de flexibilização por parte do governo, que o vai adequando à medida em que se torna necessário.

No início da flexibilização, por exemplo, casais em que marido e mulher eram ambos filhos únicos, eles poderiam ter dois filhos. Um segundo passo foi dado posteriormente e, em caso de pelo menos um do casal ser filho único, permitiu-se ter dois filhos. Um último passo, se necessário, será o governo oferecer incentivos — até mesmo financeiro — para casais terem mais filhos. O controle populacional é sempre um grande tópico para o governo chinês.

Para investidores chineses, o Brasil está “em promoção”

O presidente da CRRC América Latina, Liu Ming, ao lado de Edival Jr.

Qual é a visão chinesa do Brasil e qual é o interesse deles no nosso país?
Veem com uma boa clareza. Eles têm absoluta noção do nível de complexidade que é fazer negócios no Brasil. Claro que a instabilidade assusta e faz com que investimentos sejam adiados. Porém, os chineses pensam muito em longo prazo.

Voltando à segunda parte da sua pergunta, o interesse dos chineses é buscar oportunidades de investimento — business. Minha opinião é, obviamente, muito influenciada pelo meio em que convivo. Quando entrei na minha empresa em 2012, perguntaram-me se a capital do Brasil era Buenos Aires. Hoje, já temos uma unidade de negócios no Brasil e estamos em processo final de uma nova rodada de investimentos por aqui.

O presidente do metrô de Xangai esteve em São Paulo recentemente. Do que ele veio tratar?
Vieram sondar oportunidades de investimentos. Os ativos brasileiros seguem baratos. O Brasil está em promoção — é assim que os investidores enxergam. Só precisam mensurar o risco para não comprar gato por lebre.

Os chineses têm acompanhado a política brasileira?
Sim, mas de um ponto de vista macro. Eles não sabem questões como qual senador foi preso ontem ou qual ministro fará delação premiada amanhã. Desde a entrada do presidente Xi JinPing, em 2012, o Partido Comunista vem promovendo a maior campanha anticorrupção da história do partido. Milhares de membros, inclusive do alto escalão, já foram condenados e sentenciados por corrupção — até mesmo à pena de morte) Eu percebo que, em razão disso, os chineses veem com uma certa naturalidade a operação Lava Jato e seu desenrolar.

O sr. é procurado por chineses que queiram vir para o Brasil ou trazer suas empresas para cá?
Em função do cargo que ocupo e da relevância que a empresa que trabalho tem na China, tenho sim oportunidade de conversar e auxiliar outras empresas que vislumbram expandir seus negócios para o Brasil. Muito desse trabalho é, inclusive, solicitado pelos meus chefes. Na China, manter um bom relacionamento é o mais importante. Isso se chama GuanXi em chinês.

Quais livros o sr. recomenda para entender a China?
“Maonomics — Por que os comunistas chineses se saem melhores capitalistas do que nós”, de Loretta Napoleoni e “Confu­cianism and Business Practices in China”, de Zhu LiuQian.

“A imprensa ocidental se engana ao chamar a China de aliada da Coreia do Norte”

Edival Jr.: “Enquanto empresas estadunidenses tiverem ganhos ao produzir na China, seguirão fazendo”

O que os chineses estão pensando da ideia do presidente Donald Trump de levar empresas estadunidenses de volta para os EUA?
Enxergam com um certo ceticismo. Em países de democracia eleitoral, é comum candidatos ou governantes prometerem. Fazer, na prática, é diferente e difícil. Enquanto empresas estadunidenses tiverem ganhos ao produzir na China, seguirão fazendo. E nem mesmo o Trump pode mudar isso.

Há uma preocupação da China em relação ao Trump no que tange aos aspectos geopolíticos da região, como a questão envolvendo a Coreia do Norte?
A questão da soberania territorial é claramente uma prioridade do Partido Comunista. A China é o terceiro maior país em território do mundo. Faz fronteira terrestre e marítima com 18 países e tem disputas territoriais com praticamente todos. Isso porque, ao longo da história, a China se desmembrou e se recompôs diversas vezes.

No caso da Coreia do Norte, a questão é ainda mais complicada. A imprensa ocidental se engana ao chamar a China de aliada da Coreia do Norte. Atualmente, a China pode ser chamada, no máximo, de parceira comercial. Daí para aliada é uma diferença muito grande. A China não tem nenhum interesse em ter uma guerra no seu quintal — a Coreia do Norte tem uma fronteira terrestre de 1416km com a China. Por outro lado, há um jogo diplomático de também não fortalecer a presença estadunidense na região.

Os chineses, de um modo geral — população, não só o governo —, enxergam o grupo dos BRICS de maneira positiva?
Quando a sigla BRICS foi criada, o que havia em comum era o tamanho dos países envolvidos e o bom desempenho econômico deles. Naquele momento, a situação era muito diferente da de hoje, já que somente Índia e China seguem com crescimentos robustos.

A China tem, sim, interesse em intensificar as relações com países os países dos BRICS e fortalecer a sigla. Mas entendo que seja muito mais por uma questão de diplomacia, no sentido de enfraquecer, no sentido de criar uma agenda paralela, outras instituições dominadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia. O grupo dos BRICS é uma excelente oportunidade para China de internacionalizar sua moeda, o yuan. Em outras palavras, deixar de depender completamente do dólar dos EUA nas relações comerciais.

Existe uma considerável população islâmica no oeste da China. Não que todo muçulmano seja terrorista, mas existe uma preocupação do governo no tocante ao terrorismo?
Bastante. Essa é outra informação bastante relevante que normalmente não se fala muito na imprensa ocidental. A China luta intensamente contra o terrorismo. Casos mais complicados vieram da província de XinJiang, região a noroeste do território Chinês — na divisa com Paquistão, Afeganistão e demais países predominantemente muçulmanos—, habitada predominantemente pela etnia uigur, com fortes influências islâmicas.

Em março de 2014, um grupo separatista da região cometeu um atentado terrorista na estação de trem da cidade de KunMing. O ataque foi bárbaro. Um grupo de oito pessoas desceu de uma van, todos com facão na mão, e começaram a apunhalar as pessoas indiscriminadamente. Dados oficiais dizem que 31 pessoas morreram e 143 ficaram feridas.
Eu, que já estava na China, vi com absoluta nitidez o escalonamento do nível de segurança em áreas públicas. Atualmente, em todas as estações de trem, aeroportos e espaços públicos, pode-se ver uma tropa da SWAT chinesa.

A China tem algumas questões de fronteiras ainda a serem resolvidas. É utópico pensar em soluções em curto prazo?
É sim irreal pensar que este problema será resolvido em curto prazo. Eu citei anteriormente que a China faz fronteira terrestre e marítima com 18 países e tem disputas territoriais com praticamente todos. A China tem 5 mil anos de história e ela não tem pressa para resolver estas questões. A forma com a qual a China tem de lidar com essas questões é com paciência, facilitando, pouco a pouco, a ida de chineses da etnia Han para outras regiões objetivando povoá-la esta cultura, que é a dominante.

A China nunca busca o enfrentamento para resolver estas questões. Por diversas vezes, lembro de assistir ao jornal e ver o pronunciamento do porta-voz chinês enviando recados para o Japão e para a Índia no sentido de não interpretar a suposta bondade chinesa como fraqueza.

Quais são as ambições da China com a “One Belt, One Road Initiative”, ou Nova Rota da Seda?
Existem dois objetivos bem claros. Primeiro, exportar o know-how de infraestrutura da China, acumulado durante milhares de anos. Segundo, escoar os produtos chineses levando-os a outra ponta. Cabe ressaltar que não se trata de uma única estrada — é uma via de mão-dupla, utilizando diversos modais, como carro, ônibus, navio e trem, tornando possível para a China, além de fazer seus escoamentos, comprar alimentos e matéria-prima, que são o que o país mais precisa.

Os cidadãos chineses têm vontade de que o país se torne uma potência hegemônica?
Mais do que vontade de ser uma potência hegemônica, eu entendo que os chineses têm muito orgulho de toda a transformação pela qual o seu país tem passado nos últimos anos. O presidente Xi JinPing, desde o início de seu mandato, promove uma campanha patriótica muito forte junto a população chamada de “O Sonho Chinês”, citado por ele em seus discursos, que é exatamente o sonho do progresso de uma nação como um todo, sendo somente possível se o sonho individual de cada cidadão se realizar. A China tem essa sede de progresso. Mas, daí para se tornar uma potência hegemônica, é um bocado diferente.

Como está a preocupação do governo chinês no que concerne ao aquecimento global e ao meio ambiente de uma forma geral?
Durante algumas décadas, esse assunto foi claramente deixado em segundo plano. O que se fala é que a degradação ambiental foi o preço pago pelo desenvolvimento econômico do país. Só que isso chegou a níveis assustadores e insuportáveis.

A China, no comando do Xi JinPing, está implementando o maior programa de mudança de fonte de energia já vista na história. Existe um plano agressivo para substituição da queima de Carvão e energia fóssil para energia renovável. Reflexo disso são as ações das empresas petroleiras chinesas que caíram 80% nos últimos anos. Até 2019, 10% dos carros vendidos utilizarão fonte energética não fóssil e, até 2050, toda a frota terá sido substituída por fontes limpas. Em paralelo, a China tem construido a cada uma hora uma média de um campo de futebol em extensão em plantas de energia solar. O governo tem fechado usinas de queima de carvão e pago indenizações.