Mandados a Júri Popular, data ainda não foi definida porque aguarda recursos dos policiais militares autores do crime

Roberto Campos da Silva, o Robertinho: assassinado por policiais militares que invadiram a residência de sua família

Yago Sales

Quando desce do carro no final da manhã de terça-feira, 17, Rober­to Lourenço da Silva, de 43 anos, anda com di­ficuldade, encostando-se no mu­ro branco do Colégio Estadual Pro­fessor Wilmar Gonçalves da Sil­va, na Vila Morais, em Goiânia. A silhueta de sua sombra o acompanha pela esquerda, sob árvores de galhos cortados recentemente. A sombra do homem na calçada não revela em que Roberto se transformou no último ano: um homem cicatrizado.

Tudo começou quando Rober­to e sua família passaram horas sob a mira de revólveres de assaltantes em 27 de dezembro de 2016. Depois disso, ele comprou um revólver para se defender de possíveis novos assaltos e, por fim, teve a vida destruída com a morte do filho, Roberto Campos da Silva, o Robertinho, dentro de casa por policiais militares. Agora, ele luta pa­ra ver os assassinos do menino atrás das grades. Para tanto, quer con­tar tudo para a reportagem do Jornal Opção, antes do protesto de familiares e amigos, em frente à escola, no dia 17 passado.

Roberto senta-se no meio-fio da Rua 13, na Vila Morais, com dores que vão do meio da barriga à coluna. Ele geme, mas quer contar como que, em abril do ano passado, seu único filho foi executado a tiros por policiais à paisana. O pai também foi alvo de seis balas de .40, calibre fabricado para matar e até hoje não se recuperou. “Nin­guém sabe como estou vivo”, diz. Uma bala ainda está alojada próxima à coluna.

Antes de narrar cronologicamente os fatos que mudaram sua vi­da, ele olha para o portãozinho de grades do colégio em que o fi­lho estudava no segundo ano do En­sino Médio. Lembra-se de quan­do estacionava ali perto, esperando o sinal tocar meio-dia e Ro­ber­tinho, de 16 anos, se desviar dos colegas que já haviam saído, avis­tar o carro do pai e entrar, sem­pre com o celular nas mãos. Sempre com aquele sorrisão de ga­ro­to descontraído, sonhador, com a cabeça lá no Canadá.

Robertinho queria estudar no país da América do Norte. Ele vi­nha conversando com amigos de lá, aprendendo inglês, se dedicando à escola para não repetir de ano e atrasar seu plano de conquistar o mun­do. Mas o sonho se fez pesadelo e Robertinho virou estatística da violência policial.

O menino disciplinado — que não gostava de sair de casa sozinho — aprendeu com o pai que deveria seguir sempre o bom caminho, sem fazer coisas erradas que pu­dessem comprometê-lo. Mas pai e filho não sabiam que, mesmo den­tro de casa, seriam baleados. E Ro­bertinho foi alvejado duas ve­zes, friamente, após fazer o último pedido: “Meu pai é trabalhador, não mata ele. Não mata meu pai.”

Os ouvidos de Roberto parecem ainda escutar a trilha sonora da­quela noite, quando a casa foi in­vadida pelos policiais militares Pau­lo Souza Junior, Rogério Ran­gel Araújo Silva e Cláudio Henrique da Silva, do serviço re­ser­­vado da Polícia Militar, conhecido como P-2.

Exatamente 111 dias depois de Roberto ter sido abordado em fren­te a outra casa — a que foi pal­co do assassinato do garoto es­ta­va em reforma à época —, colocado para dentro da residência sob a mira de arma e ver a família sen­do humilhadas por bandidos. Aquele 27 de dezembro de 2016 é o prenúncio da tragédia.

Depois de assalto, comprou arma na “Feira da Marreta”

Depois do assalto do dia 27 de de­zembro de 2016, Roberto decidiu ir à “Feira da Marreta”, no Se­tor Nova Vila. Percorreu o local, comprou algumas bugigangas, sem jeito para sussurrar no ouvido de um sujeito mal encarado que poderia ajudá-lo a indicar um vendedor de armas. Com cerca de R$ 2.500 mil e algumas voltas pela feira onde se encontra de quase tudo, saiu de lá com um revólver calibre 38 bem conservado. Es­con­deu a arma e entrou no carro mais confiante do que nunca.

Mecânico conhecido na região do Novo Mundo, homem calmo, disse a poucos que tinha o “trêsoitão”. Escondia a arma debaixo do banco de um dos carros, de maneira que apenas ele conseguiria pegá-la. No dia 17 de abril do ano passado, menos de meia hora depois de chegar em casa, às 19h45, a energia elétrica da casa acabou.

Robertinho saiu do quarto fa­lan­do ao pai que apenas a casa da fa­mília estava escura. A lâmpada de frente estava acesa. Roberto su­biu em uma escada encostada no mu­ro e escutou um dos três ho­mens com armas em punho: “Va­mos entrar e acabar com tudo”.

Preocupado, Roberto pediu ao filho para que pegasse uma chave de fenda para abrir o portão pelo mo­tor. “Então, pela brecha, vi os ho­mens e pensei que fossem la­drões de novo. Corri para o carro, pe­guei a arma. Falei pro Rober­ti­nho ir para dentro, mas ele disse que não ia me deixar sozinho”, re­lem­bra.

O mecânico, então, deu um tiro pa­ra o alto. Os policiais militares ati­raram pelo menos 20 vezes no portão, acertando Robertinho na per­na e o pai duas vezes no abdômen. “Eu joguei a arma debaixo do carro”, lembra. Os PMs arrombaram o portão e entraram. “Eles não se identificaram como policiais, começaram a perguntar por dro­gas o tempo todo e disseram que eu iria me arrepender amargamente por dar tiro em polícia.”

Neste momento Robertinho disse aos policiais que o pai era trabalhador. “Foi aí que um deles atirou duas vezes nas costas do meu filho”, recorda, chorando. “Pedi pa­ra chamarem a ambulância, mas eles disseram que Robertinho estava morto e que eu é que o tinha ma­tado, que eu era o culpado pela morte dele.”

Execução

Vizinhos que escutaram os ti­ros foram para frente da casa e vi­ram o momento em que um dos po­liciais executou Robertinho. “So­brevivi para contar a verdade. Se não fossem os vizinhos, que cha­maram o Samu [Serviço de Aten­dimento de Urgência Móvel] eu teria morrido. Eles queriam que eu morresse.”

De dentro do banheiro, a madrasta de Ro­ber­ti­nho, Edivanilda Gonçalves de Sou­za, ouviu os policiais perguntando sobre as drogas. Ela ou­via ainda a voz de menino e do pai. Pouco depois, duas sequências de tiros. Eram os outros quatro dis­paros contra o marido e os dois que mataram o enteado. Quando ten­tou ver o que estava acontecendo, os policiais a obrigaram a voltar.

Conforme investigação da Polícia Civil e laudos periciais, os policiais militares ainda atiraram de dentro para fora com a arma de Roberto, para simular troca de tiros que, na realidade, não aconteceu.

Entrevista | Luis Juvêncio

“Esses policiais são criminosos, não policiais”

Foto: Fernando Leite/Jornal Opção

Houve dificuldade para definir a atuação dos três policiais?
Sim, o corporativismo. A má­xima na criminalidade – em qual­quer atividade – é que um do grupo assume toda a culpa. A mesma coisa é a polícia. No ca­so do Robertinho, quem está as­sumindo tudo é o Júnior [Paulo Antônio de Souza Juni­or]. Ele se esquece que, na apu­ração policial, cada um exer­ceu um papel: desligando o pa­drão de energia, arrombando o portão, depois os tiros — mas todos atiraram. O vizinho, que viu tudo, conta que todos dis­pararam. Tem um policial que afirma que nem entrou na re­sidência. Todos entraram, tentaram plantar droga quando viram que ali não tinha bandido. Mas eles não sabiam que lá den­tro estavam a esposa do Ro­berto e mais duas crianças. Se eles matam os cinco, a coisa ficaria feia e teria repercussão mundial.

Como os policiais chegaram à ca­sa do Robertinho?
Por um informante que trabalhava em um Pit Dog nas vi­zi­nhanças e que trabalhou para o Simve [Serviço de Interesse Mi­litar Voluntário Estadual]. Es­se informante, inclusive, testemunhou em defesa deles, di­zendo que eles eram bons policiais, que faziam a segurança da população. É preciso lembrar que a polícia só pode invadir uma casa se for flagrante de al­gum crime ou por ordem judicial. Mesmo assim, no horário entre 6 horas da manhã até as 18 horas. Eles não poderiam entrar lá às 20 horas, como fizeram.

Como o sr. classifica a ação dos policiais?
Primeiro, invadir a casa dos ou­tros é coisa de criminoso. Es­ses policiais são criminosos, não policiais. Polícia cumpre a lei. E outra, eles não tinham or­dem dos superiores. O serviço reservado ao qual esses po­li­ciais militares pertencem seria res­ponsável para fiscalizar a con­duta errada de policiais, não fazer o trabalho que, constitucionalmente, cabe à Polícia Civil – de investigar civis. Não podem sair dando tiro nas pessoas. Polícia só pode atirar em legítima defesa, em resposta a uma agressão.

O tiro que o Roberto deu para cima justifica a ação dos policiais?
Ele estava com medo. Uma vez que deixaram a casa às escuras, eles queriam invadir e matar quem estava lá dentro. Isso está muito claro.