A barbárie do caso Robertinho
22 abril 2018 às 00h00
COMPARTILHAR
Mandados a Júri Popular, data ainda não foi definida porque aguarda recursos dos policiais militares autores do crime
Yago Sales
Quando desce do carro no final da manhã de terça-feira, 17, Roberto Lourenço da Silva, de 43 anos, anda com dificuldade, encostando-se no muro branco do Colégio Estadual Professor Wilmar Gonçalves da Silva, na Vila Morais, em Goiânia. A silhueta de sua sombra o acompanha pela esquerda, sob árvores de galhos cortados recentemente. A sombra do homem na calçada não revela em que Roberto se transformou no último ano: um homem cicatrizado.
Tudo começou quando Roberto e sua família passaram horas sob a mira de revólveres de assaltantes em 27 de dezembro de 2016. Depois disso, ele comprou um revólver para se defender de possíveis novos assaltos e, por fim, teve a vida destruída com a morte do filho, Roberto Campos da Silva, o Robertinho, dentro de casa por policiais militares. Agora, ele luta para ver os assassinos do menino atrás das grades. Para tanto, quer contar tudo para a reportagem do Jornal Opção, antes do protesto de familiares e amigos, em frente à escola, no dia 17 passado.
Roberto senta-se no meio-fio da Rua 13, na Vila Morais, com dores que vão do meio da barriga à coluna. Ele geme, mas quer contar como que, em abril do ano passado, seu único filho foi executado a tiros por policiais à paisana. O pai também foi alvo de seis balas de .40, calibre fabricado para matar e até hoje não se recuperou. “Ninguém sabe como estou vivo”, diz. Uma bala ainda está alojada próxima à coluna.
Antes de narrar cronologicamente os fatos que mudaram sua vida, ele olha para o portãozinho de grades do colégio em que o filho estudava no segundo ano do Ensino Médio. Lembra-se de quando estacionava ali perto, esperando o sinal tocar meio-dia e Robertinho, de 16 anos, se desviar dos colegas que já haviam saído, avistar o carro do pai e entrar, sempre com o celular nas mãos. Sempre com aquele sorrisão de garoto descontraído, sonhador, com a cabeça lá no Canadá.
Robertinho queria estudar no país da América do Norte. Ele vinha conversando com amigos de lá, aprendendo inglês, se dedicando à escola para não repetir de ano e atrasar seu plano de conquistar o mundo. Mas o sonho se fez pesadelo e Robertinho virou estatística da violência policial.
O menino disciplinado — que não gostava de sair de casa sozinho — aprendeu com o pai que deveria seguir sempre o bom caminho, sem fazer coisas erradas que pudessem comprometê-lo. Mas pai e filho não sabiam que, mesmo dentro de casa, seriam baleados. E Robertinho foi alvejado duas vezes, friamente, após fazer o último pedido: “Meu pai é trabalhador, não mata ele. Não mata meu pai.”
Os ouvidos de Roberto parecem ainda escutar a trilha sonora daquela noite, quando a casa foi invadida pelos policiais militares Paulo Souza Junior, Rogério Rangel Araújo Silva e Cláudio Henrique da Silva, do serviço reservado da Polícia Militar, conhecido como P-2.
Exatamente 111 dias depois de Roberto ter sido abordado em frente a outra casa — a que foi palco do assassinato do garoto estava em reforma à época —, colocado para dentro da residência sob a mira de arma e ver a família sendo humilhadas por bandidos. Aquele 27 de dezembro de 2016 é o prenúncio da tragédia.
Depois de assalto, comprou arma na “Feira da Marreta”
Depois do assalto do dia 27 de dezembro de 2016, Roberto decidiu ir à “Feira da Marreta”, no Setor Nova Vila. Percorreu o local, comprou algumas bugigangas, sem jeito para sussurrar no ouvido de um sujeito mal encarado que poderia ajudá-lo a indicar um vendedor de armas. Com cerca de R$ 2.500 mil e algumas voltas pela feira onde se encontra de quase tudo, saiu de lá com um revólver calibre 38 bem conservado. Escondeu a arma e entrou no carro mais confiante do que nunca.
Mecânico conhecido na região do Novo Mundo, homem calmo, disse a poucos que tinha o “trêsoitão”. Escondia a arma debaixo do banco de um dos carros, de maneira que apenas ele conseguiria pegá-la. No dia 17 de abril do ano passado, menos de meia hora depois de chegar em casa, às 19h45, a energia elétrica da casa acabou.
Robertinho saiu do quarto falando ao pai que apenas a casa da família estava escura. A lâmpada de frente estava acesa. Roberto subiu em uma escada encostada no muro e escutou um dos três homens com armas em punho: “Vamos entrar e acabar com tudo”.
Preocupado, Roberto pediu ao filho para que pegasse uma chave de fenda para abrir o portão pelo motor. “Então, pela brecha, vi os homens e pensei que fossem ladrões de novo. Corri para o carro, peguei a arma. Falei pro Robertinho ir para dentro, mas ele disse que não ia me deixar sozinho”, relembra.
O mecânico, então, deu um tiro para o alto. Os policiais militares atiraram pelo menos 20 vezes no portão, acertando Robertinho na perna e o pai duas vezes no abdômen. “Eu joguei a arma debaixo do carro”, lembra. Os PMs arrombaram o portão e entraram. “Eles não se identificaram como policiais, começaram a perguntar por drogas o tempo todo e disseram que eu iria me arrepender amargamente por dar tiro em polícia.”
Neste momento Robertinho disse aos policiais que o pai era trabalhador. “Foi aí que um deles atirou duas vezes nas costas do meu filho”, recorda, chorando. “Pedi para chamarem a ambulância, mas eles disseram que Robertinho estava morto e que eu é que o tinha matado, que eu era o culpado pela morte dele.”
Execução
Vizinhos que escutaram os tiros foram para frente da casa e viram o momento em que um dos policiais executou Robertinho. “Sobrevivi para contar a verdade. Se não fossem os vizinhos, que chamaram o Samu [Serviço de Atendimento de Urgência Móvel] eu teria morrido. Eles queriam que eu morresse.”
De dentro do banheiro, a madrasta de Robertinho, Edivanilda Gonçalves de Souza, ouviu os policiais perguntando sobre as drogas. Ela ouvia ainda a voz de menino e do pai. Pouco depois, duas sequências de tiros. Eram os outros quatro disparos contra o marido e os dois que mataram o enteado. Quando tentou ver o que estava acontecendo, os policiais a obrigaram a voltar.
Conforme investigação da Polícia Civil e laudos periciais, os policiais militares ainda atiraram de dentro para fora com a arma de Roberto, para simular troca de tiros que, na realidade, não aconteceu.
Entrevista | Luis Juvêncio
“Esses policiais são criminosos, não policiais”
Houve dificuldade para definir a atuação dos três policiais?
Sim, o corporativismo. A máxima na criminalidade – em qualquer atividade – é que um do grupo assume toda a culpa. A mesma coisa é a polícia. No caso do Robertinho, quem está assumindo tudo é o Júnior [Paulo Antônio de Souza Junior]. Ele se esquece que, na apuração policial, cada um exerceu um papel: desligando o padrão de energia, arrombando o portão, depois os tiros — mas todos atiraram. O vizinho, que viu tudo, conta que todos dispararam. Tem um policial que afirma que nem entrou na residência. Todos entraram, tentaram plantar droga quando viram que ali não tinha bandido. Mas eles não sabiam que lá dentro estavam a esposa do Roberto e mais duas crianças. Se eles matam os cinco, a coisa ficaria feia e teria repercussão mundial.
Como os policiais chegaram à casa do Robertinho?
Por um informante que trabalhava em um Pit Dog nas vizinhanças e que trabalhou para o Simve [Serviço de Interesse Militar Voluntário Estadual]. Esse informante, inclusive, testemunhou em defesa deles, dizendo que eles eram bons policiais, que faziam a segurança da população. É preciso lembrar que a polícia só pode invadir uma casa se for flagrante de algum crime ou por ordem judicial. Mesmo assim, no horário entre 6 horas da manhã até as 18 horas. Eles não poderiam entrar lá às 20 horas, como fizeram.
Como o sr. classifica a ação dos policiais?
Primeiro, invadir a casa dos outros é coisa de criminoso. Esses policiais são criminosos, não policiais. Polícia cumpre a lei. E outra, eles não tinham ordem dos superiores. O serviço reservado ao qual esses policiais militares pertencem seria responsável para fiscalizar a conduta errada de policiais, não fazer o trabalho que, constitucionalmente, cabe à Polícia Civil – de investigar civis. Não podem sair dando tiro nas pessoas. Polícia só pode atirar em legítima defesa, em resposta a uma agressão.
O tiro que o Roberto deu para cima justifica a ação dos policiais?
Ele estava com medo. Uma vez que deixaram a casa às escuras, eles queriam invadir e matar quem estava lá dentro. Isso está muito claro.