O presidente Luís Inácio Lula da Silva cumpriu compromissos internacionais na China e nos Emirados Árabes Unidos na última semana. Além de fechar uma série de acordos internacionais, a viagem do presidente ficou marcada por declarações que Lula fez sobre a posição dos Estados Unidos e da União Europeia diante da guerra na Ucrânia. Mas afinal, o que tudo isso significa?

Para entender melhor este cenário, a reportagem do Jornal Opção conversou com o professor de História e especialista em Geopolítica Internacional, Norberto Salomão. Ele afirma que a intenção de Lula é marcar território internacionalmente, fortalecendo às relações comercias com a China e, principalmente, dar mais força política aos países que compõem o Brics.

“O governo brasileiro considera que essa viagem do presidente Lula à China foi um sucesso. Nos quatro dias de viagem à China e depois pelos Emirados Árabes, ele conseguiu, além de recursos financeiros, uma aproximação cada vez maior com o BRICS, além de fortalecer o bloco de países.”

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“Os vários acordos firmados geraram uma soma considerável, em torno de R$ 62 bilhões, sendo e sendo R$ 50 bilhões referente aos 15 acordos feitos com os chineses e R$ 12,5 bilhões com os Emirados Árabes Unidos, que vão envolver desde questões digitais, educacionais, ambientais, investimento no setor petroleiro, na produção de diesel verde e de energias sustentáveis”, explica o professor.

Relações comerciais

Segundo o professor, Lula neste momento precisa colocar novamente o Brasil em espaço de destaque na política internacional, mas sobretudo, o interesse maior é fortalecer às relações comerciais com a China, que é o principal parceiro comercial brasileiro no mundo.

“Nós vivemos um momento em que, no jogo, no tabuleiro geopolítico internacional, o Brasil está muito mais preocupado, em fortalecer os seus laços com a China, que é o principal parceiro econômico do Brasil. E da China para cá vem praticamente tudo. Este é justamente o momento em que o BRICS está buscando se fortalecer. Inclusive, é dando um chega pra lá, digamos assim, na política do Dólar, tentando estabelecer negociações bilaterais”, analisa o professor.

Declarações de Lula

Para o especialista em geopolítica internacional, Lula poderia ter analisado melhor a situação da guerra na Ucrânia, uma vez que a Rússia é apontada como a grande culpada pelo conflito armado no leste europeu.

“Ele acabou fazendo declarações que merecem uma certa observação. O Lula não teria levado em consideração que houve a invasão da Ucrânia por parte da Rússia Ucrânia? Quando ele diz que a Ucrânia também tem culpa, a gente quer saber que culpa é essa. A Rússia já tinha invadido a Ucrânia em 2014, quando anexou irregularmente a Crimeia, e no final de 2021, já havia mobilizado suas tropas. Quando a comunidade internacional questionou Putin, ele falou que não tinha nada de invasão, que isso era fake news, que eram apenas exercícios militares. E aí, em fevereiro de 2022, ele invadiu a Ucrânia e não só invadiu como está lá até hoje, pois não teve o resultado imediato que ele imaginou”.

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“Putin imaginou que venceria a guerra com, com rapidez, com velocidade. E não é o que está acontecendo. E aí o Lula diz que a guerra não acabou porque os Estados Unidos e a União Europeia têm alimentado a guerra à medida em que armam a Ucrânia. Que o discurso deveria ser um discurso pela paz.  Ora, se não se armassem a Ucrânia, a Rússia já teria tomado a Ucrânia inteira”, afirma o especialista.

Especialista em geopolítica, professor Norberto Salomão, explica cenário internacional. | Foto: Reprodução

“Agora, é importante ressaltar o discurso do Lula e a maneira incisiva que ele praticamente ataca os Estados Unidos com as suas palavras. Alguns podem considerar como um equívoco e outros podem considerar como uma marcação de posição do Brasil nesse cenário geopolítico”, explica Norberto.

Desgastes entre China e Estados Unidos

Para o professor, a viagem de Lula a China aconteceu em meio ao um “fogo cruzado” entre Estados Unidos e China, em um momento em que as tensões entre os dois países têm ganhado intensidade, principalmente envolvendo a questão da independência territorial de Taiwan.

“A presidente de Taiwan, Tsai Win, visitou os países da América Central, como a Guatemala e o Belize. Ela visitou esses países que reconhecem Taiwan como nação. E depois da América Central, ela visitou os Estados Unidos e foi recebida pelo presidente da Câmara dos Representantes. O republicano Kevin McCarthy disse que reconhecia o esforço de Taiwan, fortalecendo a posição de que os Estados Unidos querem autonomia de Taiwan”.

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“Mas a China não reconhece assim e a ONU também não desde 1972. Agora os Estados Unidos fazem coro contra essa decisão da ONU. Os Estados Unidos não admitem intervenção militar da China em Taiwan. Isso irritou bastante a China que no início do mês de abril, realizou uma série de exercícios militares muito próximo a Taiwan, inclusive usando munição real”, explicou o professor.

Por fim, Norberto Salomão ressalta que na política internacional, não é necessário se desfazer de antigos aliados para que novas parcerias entre países possam acontecer.

“Eu acredito que os próximos capítulos dessa história e o Brasil, a diplomacia brasileira, agora é querer contemporizar um pouco nas relações com os Estados Unidos, com a União Europeia e com quem também temos interesses importantes. Agora é contornar a situação para retomar um pouco mais a gentileza nessas relações com o Tio Sam, né? É assim que se faz um pouco a política internacional.”

“Alguns podem achar que a diplomacia brasileira se equivocou. Eu propriamente acho que não havia necessidade de fazer um discurso tão contundente em relação aos Estados Unidos. Você vai fazer novos amigos, mas pra isso você não precisa tornar antigos aliados, novos inimigos. Mas eu acho que a diplomacia brasileira tenderá agora a dar uma amenizada nessas declarações”, disse o professor.