Dizem que os olhos são as janelas da alma. Mas como agir quando intempéries, como ciclones, devastam nossa cidade mental e a destroem sem chances de reconstrução?

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Foto: M. File

 

Graça Taguti
Especial para o Jornal Opção

A matemática do amor e dos relacionamentos em geral é complicada. Ca­da um de nós tem um jeito único de ver e entender as coisas. Encara as próprias equações e se atrapalha. Quando é pra somar, divide ou multiplica. Faz isso, conforme a quantidade de minhocas passeando nos neurônios recheados de esquisitices.

Fato é que mora em nossas cabeças um perseguidor implacável. Ainda que o escondamos. O asfixiemos com as mágoas do coração. Finjamos ser ele nosso melhor amigo. O algoz existe e respira feroz.

Ocorre que enxergamos apenas o que podemos. Conseguimos delinear. Ou então àquilo exclusivamente do interesse de um pretenso conforto emocional. O jornalista britânico, Malcolm Gladwell, expressa em um de seus aforismos: “Para um verme dentro de um rabanete, o mundo inteiro é um rabanete”.

Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, afirmava sua acuidade, corroborando, aliás, a máxima do jornalista acima: “Eu sou do tamanho do que eu vejo e não do tamanho da minha altura”. Pro­ssegui­mos refletindo. O que eu não percebo em mim, transfiro para você: tanto os erros vergonhosos, quanto acertos dignos de aplausos.

Pode ser que eu me diminua — lá vem a matemática de novo — enfie minha inata beleza no seu rosto e multiplique em você qualidades que não possui e nem, tampouco, reconhece. Nesta equação, claro, saio perdendo. O resultado é zero. Para mim, que não consigo somar à minha vida talentos raros e genuínos, delicadezas do espírito e generosidades espalhadas em tantos gestos, torna-se mais fácil, livrar-me destes “incômodos adereços”.

Seja brincando de esconde-esconde com minhas qualidades, pois a constatação demanda acréscimo de responsabilidades — seja guardando estes valores, à noite, antes de dormir e sem que ninguém os note, nos secretos baús do afeto.

Muitos de nós enfrentamos situações semelhantes diante dos espelhos mais íntimos. Espelhos às vezes quebrados, embaçados, descascados pela ferrugem dos tempos e das covardias silenciosas.

Talvez você se reconheça obtendo resultados diferentes dos desejados, nessas operações da sua matemática vivencial. Quem sabe esteja fazendo agora estes cálculos comigo e se surpreenda por obter números iguais aos meus.

Quando é para somar divide, multiplica ou subtrai, nos frequentes colóquios amorosos e sociais que estabelece — ou então os apaga com as borrachas do desentendimento — existência afora. Na prova dos nove, você constata alimentar-se de desconfianças infundadas, julgamentos levianos, certezas frágeis, sempre engolidas depressa e a seco no cotidiano, sem azeite e nem sal.

Dizem que os olhos são as janelas da alma. Mas como agir quando intempéries, como ciclones, devastam nossa cidade mental e a destroem sem chances de reconstrução? As pálpebras desistem e se cerram. A miopia chega, seguida pela implacável catarata emocional. A dor se apresenta logo após, como intrusa, sentando-se em velhas poltronas da cinzenta sala de estar. Talvez, quem sabe, sala de fugir.

Confessar é preciso. Machuca perdermos o contorno de paisagens antes tão belas e claras. Horizontes largos, verdes e promissores. Sorrisos distribuídos por tudo que nos acontece e por nada. Impossível negar. Em meio a névoas, talvez percebamos alguns relacionamentos abortados por falsas deduções, recolhidos aos tímidos patamares de sonhos débeis e prematuros.

Todo mudou. Transformou-se pelos terremotos que também se anunciaram, quebrando estruturas aparentemente sólidas, alicerçando nosso perfil psicológico. Fendas, trepidações, rachaduras. A ameaça inevitável de novos cataclismos. Abrem-se então crateras imensas no que antes denominaríamos discernimento.

Anaïs Nin escritora francesa do século vinte, provocava leitores e críticos com sua rebeldia, ousadia e asas. Arrebitava sua coragem e frisava: “Não vemos as coisas como são, vemos as coisas como somos”.

É quando nos surpreendemos dentro de um triângulo, que não é equilátero, escaleno nem isósceles. Na metáfora emprestada da geografia, somos sugados em nossa já tão fragmentada identidade e desaparecemos misteriosamente no Triân­gulo das Bermudas, como aviões ou navios tragados pelo Oceano Atlântico.

Precisamos de socorro. Aulas intensivas na matemática da vida.

Não foi à toa que Marcos Caiado, poeta goiano, cujo verso reproduzi no título desta crônica, compartilhou: “Você disse some e eu somei. Eu disse some e você sumiu”.

Graça Taguti é jornalista e escritora.

Via Revista Bula